A meta está definida: Portugal deve ter serviços digitais eficientes e acessíveis em todos os sectores do Estado, num processo para o qual contribuem os fundos provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) — €2,5 mil milhões estão destinados a esta área. E a ordem é acelerar. Os projetos inseridos no PRR têm de ser executados até ao final de 2026, e a transição digital é uma das prioridades estratégicas da União Europeia e de Portugal. E há processos digitais a caminho na estrada da digitalização.
E-CLIC ATIVO ESTA SEMANA
Um dos novos serviços online da Segurança Social é o e-Clic. “É o novo canal de contacto entre a entidade e os cidadãos e empresas, através da Segurança Social Direta. “Podem esclarecer-se dúvidas, fazer reclamações ou seguir processos e há uma resposta, de forma célere, pelo mesmo canal”, anuncia Paula Salgado, presidente do Instituto de Informática do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, enumerando outros processos digitais ativos a partir deste mês: a inscrição de trabalhadores do serviço doméstico na Segurança Social Direta e a possibilidade de comunicar um regresso antecipado ao trabalho antes do final de uma baixa. Em dezembro será lançado um novo acesso para pedidos de pensão de sobrevivência e em 2024 a Segurança Social terá uma atitude proativa, apresentando aos cidadãos propostas de abono de família — tendo por base a informação desta entidade bem como aquela que recebe da Justiça e da Administração Fiscal — e ainda de abono pré-natal (destinado às mulheres grávidas).
As entidades estatais têm trabalhado na sistematização e partilha de informação e reconhecem que, embora este investimento vise o curto prazo, o país só se tornará mais competitivo se o planeamento for feito a olhar para o longo prazo: ou seja, superar as “urgências” que vão surgindo, até porque os recursos humanos são escassos, para conseguir responder aos dois tipos de solicitação. É necessária uma reorganização estrutural, aproveitando a tecnologia para acelerar processos, resolver questões e aumentar a produtividade. O ideal será reservar o atendimento presencial apenas para aqueles que não tenham conhecimento ou autonomia para aceder aos serviços online do Estado.
NACIONALIDADES RÁPIDAS
Com o PRR “há muita margem de progressão” em Portugal, diz Carmo Palma, diretora da consultora Axians: “Estamos num contexto de investimento único e não podemos ficar bloqueados perante os desafios existentes. Temos de aproveitar esta oportunidade para implementar projetos e melhorar os serviços públicos.” Como acontece com o Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), que já está a reformular o portal Empresa Online, num processo que deverá ficar terminado em março de 2024. “Antes disso, esperamos ter novidades respeitantes à agilização dos processos de nacionalidade dos cidadãos, que causam algum desconforto por terem atrasos significativos”, reconhece Filomena Rosa, presidente do IRN, ciente, tal como muitos dos homólogos de outras entidades do Estado, que a partilha de estratégias e a sistematização dos processos são essenciais para promover a eficiência dos serviços digitais.
SERVIÇOS SIMPLES
Mas o Estado tem de “criar e disponibilizar, aos cidadãos e às empresas, serviços simples” que correspondam às suas expectativas. “Portugal tem uma taxa de disponibilização de serviços públicos no digital acima de 98%, mas estamos aquém de outros países europeus na utilização por parte dos cidadãos — ronda pouco mais de 60%”, diz Paula Salgado. Além de existirem serviços de difícil utilização, há ainda um nível alto de iliteracia digital no país: em 2022, só 54% da população tinham competência digital básica.
“O PRR é um instrumento muito importante, com um conjunto de recursos financeiros excecional. Mas há outros necessários para a concretização dos projetos: recursos humanos, boa gestão do conhecimento, definição de prioridades políticas, operacionais e técnicas... Tem havido uma obrigação de sistematizar e preparar a gestão dos projetos para as entidades públicas. Esperamos, no final de 2026, ter um país mais moderno, mais digital e com melhor funcionamento”, aponta César Pestana, presidente do Conselho Diretivo da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), organismo que desenvolve “plataformas tecnológicas que são de utilização comum para muitas entidades públicas”.
Mais produção e IA
Empresas desejam um Estado ágil. Uma interação mais eficiente dependerá, em boa parte, da digitalização
Os alunos do ISEG já têm projetos na área da inovação em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa. A SIBS oferece soluções utilizadas por entidades privadas e públicas. Dois bons exemplos da interação do sector privado com o Estado. Mas o objetivo é torná-la mais efetiva, célere e ágil. Foi o desejo expresso pelos líderes de algumas empresas presentes no segundo dia das Critical Sessions, tendo a produtividade como palavra-chave e a Inteligência Artificial (IA) como uma inovação impossível de ignorar na transformação digital.
“A iniciativa mais emblemática que temos na área da digitalização é a utilização da IA na manutenção preditiva das nossa turbinas, ou seja, a utilização de dados que nos permitem antever falhas nas turbinas para atuarmos antes das avarias ou para fazermos manutenção previsível. Assim, temos menos quebras de produção”, diz Pedro Norton, CEO da Finerge, empresa produtora de energia renovável e dependente da interação com o sector público. “Um Estado mais digital é um Estado mais eficiente, célere, flexível e ágil, que facilita a vida às empresas. Mas não vale a pena digitalizar processos maus. É preciso repensá-los primeiro.”
Ao nível do ensino, a IA trouxe novos desafios, mas que João Duque, professor catedrático no ISEG, considera importantes. “Como instituição de ensino, somos os primeiros a sofrer os impactos da IA no conhecimento e na forma como se aprende. Também somos agentes sofredores dessas ações. É um grande desafio, mas é excelente”, sublinha o professor especialista em finanças, que aponta: a inovação digital é fundamental para o aumento da produtividade.
Os alunos de João Duque no ISEG já têm sido confrontados com “questões” reais na interligação com entidades públicas e privadas. “Estamos a colocar os alunos em contacto com os centros de criação de inovação. A Câmara Municipal de Lisboa desafiou-nos a colaborar e a estar envolvidos nos seus projetos de inovação e tratamento de dados para criar formas diferentes de mobilidade, ou na área ambiental e da sustentabilidade.”
Madalena Tomé, CEO da SIBS, também foca a importância da inovação digital no aumento da produtividade, numa área em que o sector público já é um parceiro. “Temos desenvolvido soluções para apoiar a dinamização e digitalização. Por exemplo, as licenças de caça e pesca ou os pagamentos ao Estado foram desenvolvidos numa lógica de parceria”, diz, sem esquecer que ainda há muito a fazer na literacia digital da população. “Temos de nos preocupar com a inclusão digital. Se os processos forem automatizados e utilizados pelo maior número de pessoas, o tecido empresarial e o económico serão cada vez mais produtivos”, conclui.
Discutir o País
The Critical Sessions é um evento anual organizado pela Axians, a que o Expresso se associa como media partner. Todos os anos, um grupo de personalidades é convidado a debater o impacto tecnológico, económico e social dos serviços, negócios e indústrias rumo a um futuro mais digital e eficiente.
Textos originalmente publicados no Expresso de 10 de novembro de 2023