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Energia verde é o caminho para atrair novas indústrias

A central de Sines baniu a utilização de carvão em 2021 para apostar na produção de energias verdes. O hidrogénio renovável é o caminho
A central de Sines baniu a utilização de carvão em 2021 para apostar na produção de energias verdes. O hidrogénio renovável é o caminho
Nuno Fox

Transição: Portugal tem potencial significativo na produção solar e eólica mas também no campo dos gases sustentáveis. O hidrogénio é apontado como “essencial” para descarbonizar o sector produtivo e captar investimento externo nesta área. O Expresso foi media partner no evento Portugal Energy Conference, organizado pela Associação Portuguesa de Energia

O sector energético nacional está alinhado com as políticas públicas para a transição energética, conclui o estudo “Transição Energética em Portugal 2023”, apresentado pela Accenture e pela Associação Portuguesa de Energia (APE). As empresas consideram que o caminho para a neutralidade carbónica — que Portugal se propôs atingir até 2045, cinco anos antes da meta europeia — tem de ser percorrido com aposta em múltiplas fontes renováveis. “É claramente consensual. Tivemos cerca de 96% de respostas no sentido de que a energia solar e eólica são os motores para a transição”, destaca Nuno Pignatelli, vice-presidente da consultora.

A par destas tecnologias, a produção hídrica é também referida pelos inquiridos como tendo um papel importante neste processo, a que se juntam ainda os combustíveis sintéticos sustentáveis e os biocombustíveis. Porém, nestes últimos dois casos, a sua utilização será sobretudo direcionada para facilitar o processo de descarbonização da indústria e não para “utilizações eletrificadas”.

Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia, esteve no evento Portugal Energy Conference para reforçar o compromisso do Governo em relação ao aumento das renováveis e garantir que o Estado irá continuar a incentivar investimentos neste sector. “Antecipámos em quatro anos o objetivo de 80% de incorporação de renováveis na produção de eletricidade para 2026, aumentando a ambição que temos para 2030 de chegar a 85%”, assinalou. Estes objetivos fazem já parte da nova versão do Plano de Energia e Clima — apresentado este verão e que estará em discussão pública até junho de 2024 —, que duplica a ambição face ao hidrogénio verde. “Baseamo-nos em intenções firmes de investimento que o nosso país tem [neste campo]”, afirmou Ana Fontoura Gouveia.

Tirar as pedras do caminho

Há, no entanto, desafios que importa endereçar para que a transição energética aconteça nos moldes e, sobretudo, no tempo pretendidos pelo Governo. O estudo da Accenture/APE identifica “constrangimentos” neste percurso rumo à neutralidade carbónica, nomeadamente ao nível da “disponibilidade de pontos de ligação e das novas soluções de armazenamento”, destaca Pignatelli. A este propósito, a secretária de Estado da Energia confirmou que o Governo vai lançar, “ainda este ano”, um concurso para a instalação de baterias. “Se apoiamos a concretização de parques de baterias no nosso país, a jusante da cadeia de valor vamos ainda lançar, este ano, um concurso internacional de prospeção e pesquisa de lítio.”

Para o presidente da APE, João Torres, o tema do armazenamento energético é “crítico” tendo em conta a volatilidade da produção solar e eólica, mas também alguma irregularidade sazonal dos recursos hídricos. Mas o responsável identifica ainda um outro ponto que parece ser consensual para as empresas do sector e até para as entidades públicas que nele intervêm: a desburocratização da Administração Pública. “A Administração Pública está a ser muito pressionada do ponto de vista dos processos de licenciamento. As competências estão lá, mas precisamos de reforçar as equipas”, considera.

Sobre este assunto, o diretor-geral de Energia e Geologia acredita que é preciso apostar na “simplificação” dos processos para acelerar a transição energética. “Acho que temos todos uma responsabilidade de simplificar a vida às pessoas e às empresas”, reforça Jerónimo Meira da Cunha. Aqui, a digitalização e o reforço das equipas emergem como duas prioridades para facilitar a interação da indústria com o Estado.

Industrializar o país

O contexto geopolítico e económico dos últimos anos recuperou a importância da reindustrialização da União Europeia e também de Portugal. E não é fumo negro a sair das chaminés que se pretende, antes pelo contrário. “A transição energética é, sem dúvida nenhuma, uma forma de assegurarmos a industrialização do nosso país”, sublinha Ana Fontoura Gouveia. Para isso, projetos como o que está a ser desenvolvido na central termoelétrica de Sines, onde será produzido hidrogénio verde, são fundamentais para descarbonizar a indústria existente e “para atrair novas indústrias”.

Miguel Stilwell d’Andrade, CEO da EDP, resfria o entusiasmo público sobre o hidrogénio por acreditar que ainda existem obstáculos a ultrapassar até que este gás renovável seja viável. “Não estamos ainda sequer a produzi-lo”, avisa, lembrando que também o custo é muito superior ao hidrogénio cinzento, não renovável.

O interesse nesta tecnologia existe, e prova disso é a atenção que o projeto de Portugal, Espanha e França para criar um corredor de hidrogénio verde tem gerado, com a Alemanha a juntar-se à iniciativa. Em território nacional, um dos grandes objetivos do Estado é captar investimento externo no sector industrial, que poderá beneficiar do hidrogénio verde a preços competitivos, um trunfo que Portugal quer jogar. Os planos existem, as estratégias estão definidas, mas é preciso avançar. Até às metas de 2030 faltam seis anos e dois meses. É tempo de agir.

Frases dos oradores

“Uma das áreas que o estudo refere como essencial é o desenvolvimento da produção renovável. Esse é o caminho”

Ana Fontoura Gouveia
Secretária de Estado da Energia

“Não temos dúvida nenhuma de que o hidrogénio é crítico para a solução final, mas há um caminho a percorrer e há desafios”

Rodrigo Costa
CEO da REN

“Se queremos deixar um mundo melhor para as gerações vindouras, é fundamental que todos atuemos rapidamente”

Nuno Pignatelli
Vice-presidente da Accenture Portugal

“Antes desta crise, a UE importava 90% do gás. Da Rússia importava 40%. Em pouco mais de um ano conseguiu reduzir para 9%”

Maria da Graça Carvalho
Eurodeputada pelo PSD

“Se analisarmos entre 2005 e hoje, a redução de emissões de CO2 em Portugal foi de 38%. É um grande exemplo”

António Costa Silva
Ministro da Economia

“O estudo mostra que Portugal pode ser líder na produção de energias renováveis, que é algo que todos sabemos há muito tempo”

Nelson Lage
Presidente da ADENE

Vamos falar de sustentabilidade

As oportunidades e os desafios rumo à neutralidade carbónica estiveram em destaque no evento Portugal Energy Conference, organizado pela Associação Portuguesa de Energia, tendo o Expresso como media partner e inserido no ciclo de debates do projeto “Vamos Falar de Sustentabilidade”.

Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de outubro de 2023

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