A luta continua por mais direitos e autonomia

Jornalista
Cogumelos. Só por si a palavra não invoca nada de inovador para pessoas com incapacidade física e mental, mas se olharmos para o CASCI — Centro de Ação Social do Concelho de Ílhavo, o significado pode ser grande. Tudo por causa do projeto Semear para Formar e Empregar, que “introduzirá a produção de cogumelos capacitando pessoas com deficiência, reaproveitando desperdícios das unidades produtivas existentes na instituição e infraestruturas subutilizadas”, explica a responsável, Helena Santos.
O trabalha passará pela “produção de cogumelos shiitake em troncos de madeira e a produção de pleurotus (cogumelo-ostra) em blocos numa parte do edifício da vacaria que será reestruturado e equipado para o efeito”, explica Helena Santos, acrescentando que “para assegurar a autonomia da organização na gestão da atividade as pessoas com e sem deficiência serão formadas para que adquiram as necessárias competências para a produção e comercialização deste produto”. O objetivo do projeto (um de 31 que recebem mais de €1 milhão no total para apoiar 2 mil pessoas com deficiência por intermédio do Prémio BPI Fundação “la Caixa” Capacitar) passa por aumentar promover “a sustentabilidade das unidades produtivas e a empregabilidade de pessoas com deficiência”, acredita Helena Santos.
Autonomia e bem-estar estão na génese do projeto Centro Capacitar da Fundação UNITATE, que “consiste em disponibilizar espaços e recursos adequados, desenhados especificamente para desenvolver intervenções individualizadas com os utentes e as suas famílias”, conta o presidente do conselho de administração, Tiago Abalroado. O “espaço terapêutico, que integra um consultório e uma sala multissensorial”, e o “espaço de animação e socialização destinam-se a promover a autonomia, estimulação e convívio das pessoas com deficiência”. A resposta tem sido positiva, pelo que o apoio financeiro obtido permitirá “a concretização das infraestruturas planeadas, a contratação e formação de profissionais especializados e a aquisição de equipamentos e materiais necessários”.
Fornecer um serviço gratuito de teleconsultas para doentes com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) com disponibilização de materiais de comunicação alternativa é a proposta da APELA — Associação Portuguesa Esclerose Lateral Amiotrófica, com o responsável pelo projeto, Filipe Gonçalves, a esclarecer que “o serviço prevê chegar a 90 doentes associados, que estão descentralizados, e acompanhá-los ao longo da trajetória da doença em consultas programadas e pedidos extra por referenciação”, de maneira a “ultrapassar as barreiras e limitações invariavelmente impostas pela distribuição geográfica, do próprio transporte e tolerância à viagem”. O prémio será aplicado no alargamento do “banco de kits de produtos de apoio à comunicação” assim como num “sistema periódico de acompanhamento” que permita “capacitar” para a “detenção e atuação precoce sobre putativos problemas”.
O projeto InovLAR da APCM — Associação de Paralisia Cerebral da Madeira, “visa aumentar a capacidade de autonomia” dos utentes com recurso “a tecnologias de informação e comunicação”. Segundo a vice-presidente da direção da APCM, Cristina Andrade, a ambição é “criar um projeto-piloto inovador e servir de referência”, até porque “com os sistemas alternativos de comunicação introduzidos nos computadores, tablets e telemóveis, será possível”, por exemplo, “controlar as luzes dos quartos com tomadas inteligentes”, entre outras funções, e promover “ambientes acessíveis e inclusivos nos quartos dos residentes beneficiados”. O que gera expectativa: “Mal podemos esperar que o projeto possa tornar-se uma realidade e fazer a diferença na vida dos nossos utentes!”
Números põem em evidência o aumento da exposição das pessoas com incapacidades à carência financeira e social
30,5% das pessoas com deficiência encontram-se em risco de pobreza ou exclusão social segundo o relatório “Pessoas com Deficiência em Portugal — Indicadores de Direitos Humanos 2022”, do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos, por oposição aos 18,8% de pessoas sem incapacidades, da mesma idade (16-64 anos), em risco de pobreza.
“Não consideramos que se faça o suficiente para promover os direitos das pessoas com deficiência em Portugal”, considera Gisela Valente, presidente da APD — Associação Portuguesa de Deficientes, que fala em situações como “os atrasos gritantes na avaliação por junta médica que conferem atestado médico de incapacidade”, ou a falta de “terapias adequadas para jovens e crianças com necessidades educativas especiais”. Sem esquecer “o cerne da questão”, que é “a ausência de informação sobre o número de pessoas com deficiência em Portugal”, sem a qual “não é possível desenvolver políticas públicas eficazes”.
Entre os agregados familiares com adultos com deficiência, 17% reportaram “grande dificuldade” em fazer face às despesas habituais, contra apenas 8,2% dos agregados sem pessoas com deficiência. Gisela Valente não tem dúvidas que “perante uma realidade em que a inflação fez disparar o custo de vida e tendo por base prestações sociais em que as pessoas passam a auferir mensalmente valores muito abaixo do salário mínimo nacional sem qualquer forma de suportar despesas mensais relacionadas com o alojamento ou alimentação”, a tendência é para os problemas se acentuarem. Para a responsável “é imprescindível que medidas sociais tenham uma orçamentação definida e transparente”, com garantia da “participação das pessoas com deficiência, analisando os seus contributos e necessidades”.
Textos originalmente publicados no Expresso de 6 de outubro de 2023
PROJETO SOLIDARIEDADE
O Expresso é media partner do BPI/Fundação “la Caixa” para debater os desafios da solidariedade, do terceiro sector, das instituições que apoiam a infância, os jovens, os adultos, os seniores e as pessoas com deficiência.
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