Manuel Pizarro: “Há uma profunda insatisfação de uma grande parte dos recursos humanos”
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, garantiu que o Governo está muito "empenhado numa profunda reforma do Serviço Nacional de Saúde"
João Girão
Ministro da Saúde reconhece problemas no recrutamento e retenção de profissionais no sector, mas alerta que o desafio é comum a toda a Europa. Este foi, de resto, um dos principais temas em discussão na conferência “Leading the way to a healthier future”, organizada esta terça-feira pela Escola Nacional de Saúde Pública e à qual o Expresso se associou como media partner
O edifício da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, em Campolide, foi esta terça-feira palco de uma reunião magna de especialistas em saúde pública, médicos, representantes de doentes, académicos e decisores públicos. O objetivo passava por refletir sobre os principais desafios da saúde em Portugal, nomeadamente no que ao digital, aos recursos humanos e à gestão diz respeito.
O ministro da Saúde foi uma das figuras presentes e fez questão de sublinhar que o Governo está “muito empenhado numa profunda reforma do SNS”, admitindo que “momentos de mudança são sempre momentos que causam alguma perturbação”. “Temos de ter consciência que há uma profunda insatisfação de uma grande parte dos recursos humanos”, reconheceu Manuel Pizarro, em alusão às contestações que médicos e enfermeiros têm repetido ao longo dos anos.
O diretor do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, Josep Figueras, assinalou o "legado de erosão" da saúde pública a que falta investimento, recursos especializados e autoridade junto da população
João Girão
Para o responsável pela saúde, o SNS tem de se “atualizar na forma de organização, na forma de gestão, na forma de prestar cuidados, na distribuição de tarefas entre os seus profissionais”. Sobre a iniciativa da ENSP, que arranca hoje com um processo colaborativo para a criação de um documento com recomendações para este sector em Portugal, Pizarro mostrou-se confiante de que esse trabalho possa ajudar “a encontrar novos caminhos e novas soluções”.
A programação contou com a participação de Josep Figueras, diretor do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, que abordou os principais desafios e oportunidades nesta área. A digitalização e a inovação, em parte alimentada pela inteligência artificial, são temas incontornáveis na construção de um sistema de saúde do futuro, mas que também implicam novas competências para os profissionais de saúde pública. “Têm de compreender e usar as redes sociais”, exemplifica o especialista, que estabelece a comunicação e a governança como “fatores-chave para a resiliência” do sector.
Antes ainda do encerramento da iniciativa, que encheu o auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, houve tempo para prestar homenagem a antigos alunos da ENSP. Entre eles, os ex-líderes da Direção-Geral da Saúde, Graça Freitas e Francisco George, que marcaram presença na cerimónia.
O painel "Healthy Policies and Systems" contou com a participação de (da esq. para a dir.) João Breda (OMS), Margarida Santos (Movimento Mais Participação), Helena Freitas (Sanofi), Rui Diniz (CUF), Jorge Epifânio (Real Life Technologies), Paulo Sousa (ENSP), Gustavo Tato Borges (Associação Nacional Médicos Saúde Pública) e Nuno Costa (SPMS)
João Girão
Conheça abaixo as principais conclusões:
Dados, dados e mais dados
Apostar na interoperabilidade dos sistemas de informação na saúde – pública, privada e social – é fundamental para um melhor aproveitamento dos dados em saúde, que permitirá antecipar problemas e agir proactivamente. “A questão dos dados é absolutamente essencial”, considera Ema Paulino, presidente da Associação Nacional de Farmácias.
Mais do que apenas informações sobre indicadores de saúde, também os dados sobre ambiente ou mobilidade podem ser usados para fazer o cruzamento de causas de, por exemplo, um pico de infeções respiratórias em determinada região do país. É este caminho que a NOVA IMS tem feito, garante Miguel Neto, que diz estar a trabalhar com a Comunidade Intermunicipal do Oeste num projeto deste tipo. “Se conseguir cruzar esses dados com os dados de saúde vou conseguir ligar uma coisa à outra, perceber quais são as realidades em que determinadas doenças têm mais prevalência”, exemplifica.
Alexandre Lourenço (ENSP), Ana Paula Martins, (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte), António Dinis (Ordem dos Médicos), Eduardo Freire Rodrigues (UpHill), Fernando Araújo (SNS), Jorge Barroso Dias (Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho), Maria José Costa Dias, (Ordem dos Enfermeiros) e Xavier Barreto (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares) debateram o tema da “Liderança e Inovação Profissional no Futuro da Saúde”
João Girão
Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, Alexandre Guedes da Silva, de pouco vale apostar na literacia em saúde se a população não tiver os meios financeiros para fazer escolhas mais saudáveis. “Se não conseguirmos trabalhar com todos os portugueses para que cuidem do seu envolvente, dos seus indicadores de saúde e consigam viver a sua longevidade com qualidade, não vamos conseguir resolver o problema”.
Conquistar os profissionais de saúde
O diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, reconhece que “começamos a ter profissionais de saúde que ficam frustrados e querem mudar de profissão” pela falta de condições de trabalho. Resolver esta questão, a par da desburocratização da prática clínica, é essencial para conseguir reter médicos e enfermeiros. António Dinis, da Direção Nacional da Ordem dos Médicos, acrescenta que são precisas mais competências ao nível do digital, das competências sociais e um reforço das “equipas multidisciplinares” para modernizar a prestação de cuidados de saúde.
Alexandre Lourenço (ENSP), Ana Paula Martins, (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte), António Dinis (Ordem dos Médicos), Eduardo Freire Rodrigues (UpHill), Fernando Araújo (SNS), Jorge Barroso Dias (Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho), Maria José Costa Dias, (Ordem dos Enfermeiros) e Xavier Barreto (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares) debateram o tema da “Liderança e Inovação Profissional no Futuro da Saúde”
João Girão
Mas além de recursos e reconhecimento social, os profissionais do sector precisam de “lideranças fortes”, aponta Ana Paula Martins. A presidente do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte defende mais trabalho em rede e recusa um “modelo de organização do trabalho assente em horas extraordinárias”, como aquele que existe hoje. Aliás, recorde-se que milhares de médicos se recusaram, na última semana, a trabalhar para além das 150 horas extraordinárias previstas na lei, provocando o encerramento de alguns serviços hospitalares de Norte a Sul.
Sobre esta questão, Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, critica a existência de “nomeações políticas” para cargos nos conselhos de administração dos hospitais e pede maior “critério de exigência” nas escolhas. “O primeiro passo é restituir à Direção Executiva do SNS a nomeação dos membros dos conselhos de administração”, defende.
“Sustainable Health” foi o tema que juntou Bruno Macedo (Fundação Calouste Gulbenkian), Chris Millet (ENSP), Inês Tenente (Beta-I Portugal), Eduardo Consiglieri Pedroso (Grupo Ageas Portugal), Ricardo Baptista Leite (I-DAIR), Ricardo Jardim Gonçalves (FCT NOVA), Simon Gineste (Novartis Portugal) e Nuno Ventura Bento (CCDR Lisboa)