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País é sustentável? Sim, a duas velocidades

Rumo: há projetos e vontade de implementar soluções para vários problemas, mas a legislação é entrave e faltam ações concretas. Mudança de hábitos e comportamentos começa nas pessoas e é essencial para o futuro do planeta e de Portugal como foi discutido numa conferência promovida pela Deco Proteste tendo o Expresso como media partner

Fátima Ferrão

É com alguma frustração que Catarina Matos, fundadora e CEO do projeto Mind the Trash, olha para algumas das barreiras que, em Portugal, impedem a sustentabilidade de avançar à velocidade necessária para atingir as metas definidas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) assumidos pelas Nações Unidas. A jovem, arquiteta de formação, lançou há seis anos a loja online com o conceito ‘desperdício zero’ e está envolvida num conjunto de outros projetos relacionados com a sustentabilidade. Na semana em que se comemorou o primeiro Dia Nacional da Sustentabilidade, a empresária confessou ao Expresso que, apesar de existirem muitos projetos interessantes e com impacto real na sociedade, a sustentabilidade ainda tem um longo caminho a percorrer em Portugal. Uma opinião que vai ao encontro da posição da associação ambientalista Zero, que defende que os dados nacionais “indicam que fazer mais do mesmo ou intensificar algumas ações pontuais não será suficiente para que Portugal possa ser considerado sustentável”. Francisco Ferreira, presidente da Zero, que marcou presença na conferência “Visões do Futuro”, promovida pela Deco e a que o Expresso se associou como media partner, aponta para a necessidade de ações estruturais e “de mudanças em termos de distribuição do rendimento, de integração dos custos ambientais, de reflexão conjunta sobre as soluções necessárias para que a sustentabilidade se torne uma realidade”.

Para ambos, e apesar da boa vontade e da iniciativa de muitas organizações e de uma consciência cada vez maior da sociedade para a urgência de mudar comportamentos e hábitos, continuam a existir algumas pedras na engrenagem, nomeadamente ao nível da legislação. “Aguardar pela aprovação do Governo é uma frustração para quem quer fazer mais e melhor e tem as suas mãos atadas”, diz Catarina Matos, que aponta como exemplo a indústria da recolha, tratamento e reciclagem de resíduos. “30% das pessoas continuam sem separar o lixo”, afirma, citando um estudo da Sociedade Ponto Verde relativo a 2020.

Estes números, corroborados por dados da Pordata, atiram Portugal para os últimos lugares entre os países europeus — 5ª posição a contar do fim —, com uma taxa de reciclagem de resíduos municipais de 30,5% em 2021. “Claro que já percorremos algum caminho, pois em 2000 esta taxa era de apenas 10,5%, mas quando vemos a Alemanha com 71,1% percebemos que temos muito para fazer”, desabafa a CEO da Mind the Trash.

Ganhar consciência

A falta de ação apontada por Francisco Ferreira e por Catarina Matos revela que o país segue, a este nível, a diferentes velocidades. Uma opinião partilhada por Marta Araújo: “Há níveis diferentes de sustentabilidade em Portugal, e isso tem muito a ver com a abordagem que cada empresa tem, independentemente da sua dimensão.” Para a diretora-geral da Glassdrive, empresa especializada na reparação e substituição de vidros de automóveis, “infelizmente, algumas organizações ainda o fazem apenas por uma questão de promoção e de imagem”. Outras, acredita, ainda não estarão neste caminho por desconhecimento.

Plano de 360 graus para as empresas

Mas como se consegue medir se existe uma estratégia sólida nas empresas? Na perspetiva de Marta Araújo, esta avaliação deve fazer-se pela extensão e pela presença de sustentabilidade em muitos pontos da empresa. “Não basta utilizar materiais mais sustentáveis, reciclar mais ou fazer formação sobre sustentabilidade, tem de haver um plano de 360 graus”, defende. No caso da Glassdrive, e sendo uma empresa industrial, há, como refere a diretora-geral, “uma preocupação adicional de tornar toda a cadeia de valor mais sustentável”. A circularidade é uma realidade desde a produção do vidro na fábrica, que recorre a material reciclado, às fontes de energia, que são renováveis. Já no armazém, as embalagens são recicladas e recicláveis e os transportes têm baixa pegada de carbono, pela proximidade da cadeia de abastecimento. “Temos 100% de reciclagem, com os consumíveis também, cada vez mais ecológicos, assim como as colas. Ou seja, estamos a ter cuidado em toda a linha.”

No sector da eficiência energética de edifícios, António Vieira acredita que existe cada vez mais a consciência da importância da sustentabilidade. Apesar disso, o diretor-geral da Geoterme, empresa especializada em edifícios eficientes, reconhece que as imposições legais também contribuem para incentivar as empresas para a mudança. “Há um bocadinho das duas situações”, afirma. Ainda assim, no que se refere aos edifícios novos que são colocados no mercado de arrendamento comercial, “acredito que as mudanças vão além da imposição legal”. O empresário defende igualmente que, cada vez mais, quem compra ou arrenda privilegia a sustentabilidade. O mesmo acontece com os profissionais do sector, que se debate com a escassez de talento especializado, à semelhança de outras atividades. “Cada vez mais, para retermos o talento, temos de seguir o caminho da sustentabilidade internamente e nos nossos projetos”, admite António Vieira. Esta será, na sua opinião, um fator de diferenciação das empresas, quer na forma como são vistas no mercado, quer na visão das equipas internas.

Ultrapassar os desafios

A sete anos de 2030, apenas 15% das metas dos ODS foram atingidos. Isto significa que os próximos anos serão críticos e que a mudança tem de ser feita em conjunto. “A colaboração é fundamental”, defende Catarina Matos, que acredita que todos têm um papel neste processo. “Organismos públicos, empresas e pessoas têm de estar em sintonia para chegar a bom porto.”

No caso das empresas, a fundadora da Mind the Trash acredita que o papel da inovação é fundamental. “Se despertarem para estes temas, vão perceber que estão a trabalhar para terem um futuro e para conseguirem atrair e reter talento também. Não têm outra opção, é apenas uma questão de timing.”

Já no que se refere à legislação, a empresária defende que podia avançar de forma mais célere, para acompanhar as necessidades e os desafios da sociedade. Esta aceleração, diz, “seria uma forma excelente de pressio­nar à mudança de hábitos”. Veja-se o exemplo dos sacos de plástico nos supermercados, em relação aos quais, a partir do momento em que passaram a ser pagos, as pessoas mudaram os seus hábitos.

Parar Para Pensar

Na data em que se assinalou o Dia Nacional da Sustentabilidade, 25 de setembro, a Deco Proteste promoveu uma conferência, tendo o Expresso como media partner, para perceber até que ponto o país e as empresas estão prontos para os desafios climáticos, um debate integrado no projeto Parar para Pensar.

Textos originalmente publicados no Expresso de 29 de setembro de 2023

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