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Cruzar vários saberes para mudar o mundo

A Amorim aposta na circularidade da cortiça: elimina o desperdício e adapta a matéria-prima a novos usos
A Amorim aposta na circularidade da cortiça: elimina o desperdício e adapta a matéria-prima a novos usos
Getty Images

Porto: o relógio está a contar e todos são convocados para o desafio da economia circular. Universidades e empresas aceleram partilha de conhecimento para dar melhor resposta, numa discussão inserida nas comemorações do 50º aniversário do Expresso, com uma conferência no Porto que teve o apoio da Universidade Católica

Marina Almeida

Não é possível as empresas lançarem-se na economia circular sem terem um grupo de trabalho alargado”. A ideia foi defendida por Catarina Lemos, da vinícola Real Companhia Velha. Para a empresa centenária, criada pelo Marquês de Pombal em 1756, que viu recentemente reconhecidas as práticas de sustentabilidade a nível internacional (com o Sustainable Winegrowing Portugal), a ligação ao meio académico foi muito importante para melhorar os processos de trabalho, realçou a gestora.

Dentro das empresas, não fechar os diferentes sectores em áreas estanques; dentro da escola, partilhar conhecimentos, integrar as preocupações ambientais e de sustentabilidade dentro de cada disciplina — pode ser o caminho para formar os empresários do futuro e acelerar os processos. Isso mesmo foi defendido por João Pinto, professor da Universidade Católica do Porto (UCP) e colíder do Insure Hub, programa daquela universidade para formar gestores com estas temáticas no centro. Os dois integraram o primeiro painel da conferência Futuro Sustentável, que decorreu na Universidade Católica, integrado nas comemorações dos 50 anos do Expresso, no Porto.

Também João Pedro Azevedo, CEO da Amorim Cork Composites, deu o seu contributo com o exemplo do grupo que “não desperdiça um grama de cortiça”. E não só não desperdiça como trabalha as propriedades da cortiça para a adaptar a novos usos, além da clássica rolha, por vezes incorporando outros materiais. A área de abrangência vai de pavimentos desportivos à indústria aeroespacial, passando por uma parceria com a Nike, aproveitando os resíduos da multinacional de equipamentos desportivos para criar revestimentos. “Somos adeptos de muita velocidade no desenvolvimento”, referiu o gestor, adiantando que um dos próximos passos é entrar no negócio das baterias, criando um isolamento térmico “muito compressível”. Referiu ainda que até 2030 o grupo Amorim tem o compromisso de atingir 100% de valorização de resíduos.

Financiamento é essencial

Num ponto todos concordaram: esta transição é mais acessível às grandes organizações, e o financiamento é essencial para atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável — especialmente para as PME, que constituem a maior parte do tecido empresarial português. Ana Carvalho, vice-presidente do Banco Português de Fomento, trouxe “a chave do cofre”. Explicou que a instituição tem várias abordagens e linhas de financia­mento disponíveis para os empresários, e anunciou que até ao fim do ano será reforçada para as áreas de ESG (Ambiente, Social e Governação, na versão portuguesa). “Compete-nos fazer com que os fundos que temos nas mãos sejam aplicados”, disse, lembrando que a instituição está a fazer um roadshow pelo país para divulgar junto dos empresários as possibilidades de financiamento.

A permeabilidade dos saberes e a importância da literacia foi reforçada na segunda parte da conferência, em que também se abordou a questão da adaptação à legislação europeia para as questões ambientais. Ivone Rocha, advogada da Telles de Abreu Advogados, admitiu que nem sempre é fácil compatibilizar, mas que o caminho tem sido feito. Já Manuel Fontaine, diretor da Faculdade de Direito da UCP, questionou se as regras europeias não colocam as empresas dos 27 em desvantagem face aos mercados norte-americano e chinês. Mais otimista, Luís Magalhães, da consultora KPMG, considerou que “o direito está a ser usado como indutor de comportamentos”.

Rui Soucasaux Sousa, diretor da Católica Porto Business School, reforça que é importante que as várias questões que se colocam ligadas à transição energética “não fiquem acantonadas em áreas específicas” em meio académico e sublinha a importância dos valores éticos, formando cidadãos “com visão social integrada”. Manuel Fontaine voltou a colocar o dedo na ferida, lançando para o debate a decisão conhecida na véspera do primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, de abrandar a transição energética no país. “A lei é muito bonita, mas se quem decide, decide travar, não vamos no caminho certo”, apontou.

Reciclar rolhas e plantar árvores

Iniciativa Implementado em 2008, o projeto Green Cork, da associação Quercus, promove a reciclagem de rolhas de cortiça e contribui para a reflorestação. Envolve empresas, escolas, restaurantes, IPSS e municípios (18), já recolheu mais de 111 milhões de rolhas e plantou 1,4 milhões de árvores. Só em 2021, foram entregues para reciclagem 28 toneladas de rolhas.

955

milhões de euros foi o valor aplicado pelo Fundo Ambiental em desenvolvimento sustentável em 2021. Representa um aumento de 68% face a 2020, tendo a maior fatia sido destinada a apoios tarifários no sector energético. Os dados de 2022 ainda não estão disponíveis

OCDE aponta falha de competências verdes

Emprego Apenas 18% dos trabalhadores da OCDE têm empregos verdes, há disparidades grandes dentro dos países, aponta um relatório de março deste ano. Empregos verdes têm uma percentagem significativa de tarefas ecológicas que contribuem diretamente para melhorar a sustentabilidade ambiental ou reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

238

mil pessoas morreram na União Europeia em 2020 devido à poluição atmosférica. Estas mortes, prematuras, aconteceram essencialmente em meios urbanos, onde se registam limites de exposição acima das normas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde

Melhores frases

“Há uma vaga de fundo a acontecer. As empresas já tomam decisões sobre com quem querem trabalhar e vão exigir critérios muito claros”

Luís Magalhães
Líder do departamento de impostos, KPMG

“Se uma organização não colocar a sustentabili-dade no centro da sua estratégia, dificilmente vai lá”

João Pinto
Professor, Universidade Católica

“As empresas mais inteligentes têm sabido tirar de cada requisito legal uma oportunidade”

Ivone Rocha
Advogada, Telles de Abreu Advogados

Conferências 50 anos

À boleia do roadshow que faremos pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organiza várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. Porto foi a última paragem, com o apoio da Universidade Católica.

Textos originalmente publicados no Expresso de 29 de setembro de 2023

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