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85% das mulheres com cancro do ovário não têm acesso aos tratamentos inovadores

A médica Deolinda Pereira, do IPO do Porto, assume-se "revoltada" com a falta de acesso das mulheres à terapia inovadora
A médica Deolinda Pereira, do IPO do Porto, assume-se "revoltada" com a falta de acesso das mulheres à terapia inovadora
Nuno Fox

Apenas as doentes com mutação genética podem receber o medicamento comparticipado pelo Serviço Nacional de Saúde, uma realidade que médicos e associações querem mudar. Esta quarta-feira assinala-se o Dia Mundial dos Cancros Ginecológicos, tema central do debate organizado esta tarde pelo Expresso com apoio da GSK

Francisco de Almeida Fernandes

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Todos os anos são diagnosticados cerca de três mil novos casos de cancro ginecológico, que inclui os tumores do ovário, do endométrio e do colo do útero. Este último é aquele em que Portugal tem melhor desempenho, já que existe vacina preventiva distribuída a todas as crianças a partir dos 10 anos e o rastreio está disponível. A realidade do cancro do ovário, porém, é muito diferente. “Para o cancro do ovário não existe meio de diagnóstico possível e, muitas vezes, quando há um sintoma [a doença] já está no estádio avançado”, enquadra Cláudia Fraga, ex-doente oncológica e ativista.

A fundadora do Movimento Cancro do Ovário (MOG) foi uma das especialistas que marcaram presença na conferência organizada esta tarde pelo Expresso, com o apoio da GSK, e que assinalou o Dia Mundial do Cancro Ginecológico, que acontece esta quarta-feira. Ao longo de três horas, os peritos debateram os desafios no acesso aos tratamentos inovadores, no diagnóstico precoce e apelaram, a uma só voz, a que a burocracia nas decisões do Infarmed sobre a comparticipação de fármacos termine.

O primeiro debate moderado pela jornalista Liliana Carvalho contou com a presença de Cláudia Fraga (MOG), Henrique Nabais (Sociedade Portuguesa de Ginecologia) e Deolinda Pereira (IPO Porto)
Nuno Fox

Em causa está a disponibilização de medicação inovadora e eficaz para esta doença pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), que atualmente apenas permite que as mulheres com mutação genética (BRCA1 e BRCA2) sejam beneficiárias desta terapêutica. “As não mutadas não têm acesso, quando os estudos mostram que [a sua utilização] tem vantagens”, lamenta Deolinda Pereira, diretora do Serviço de Oncologia Médica do IPO do Porto, que se assume “revoltada” pelo que considera ser uma injustiça.

Segundo dados citados por Maurizio Borgatta, diretor-geral da GSK, a toma destes medicamentos “está limitada a 15% das doentes com cancro do ovário” em Portugal, criando “assimetrias” entre as mulheres com base “no seu código genético ou na latitude onde nasceu”. Para inverter a situação, a MOG entregou na Assembleia da República uma petição para levar o tema a discussão parlamentar – das 7500 assinaturas necessárias, a associação conseguiu o dobro. “Já estamos nisto há um ano e enquanto a burocracia espera, morrem mulheres”, critica Cláudia Fraga.

A segunda mesa-redonda juntou as vozes de Joana Viveiro (Plataforma Saúde em Diálogo), Luís Soares (deputado PS), Mafalda Casa-Nova (Hospital Beatriz Ângelo) e Pedro Melo Lopes (deputado PSD)
Nuno Fox

A conferência, que decorreu no Edifício Impresa, em Oeiras, foi também palco do lançamento do documentário “Viver com cancro do ovário em Portugal”, que conta as experiências reais de duas mulheres que enfrentaram a doença. A produção está disponível no YouTube de forma gratuita.

Conheça abaixo as principais conclusões do evento:

Mais informação para melhor detetar

  • O maior desafio da maior parte dos cancros ginecológicos é a falta de sinais claros de que algo está errado. “Não há nenhum sintoma específico [para o cancro do ovário]”, reconhece Henrique Nabais, da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. O especialista recomenda que as mulheres estejam atentas a “qualquer sintoma que persista para além de duas semanas”, nomeadamente sensação de enfartamento, problemas urinários (como dor ou dificuldade no ato) e dores ou alterações abdominais.
António Araújo, diretor do Serviço de Oncologia do Hospital de Santo António, criticou a demora do Infarmed na aprovação de medicamentos e na decisão sobre o reembolso. "Há um grande caminho a percorrer para bem dos nossos doentes e para bem da saúde dos nossos cidadãos"
Nuno Fox
  • Mas falta também informação junto dos profissionais de saúde, precisamente por se tratar de uma doença rara. No caso do cancro do ovário, afeta cerca de 500 mulheres por ano e é responsável pela morte de aproximadamente 400 pessoas. Os peritos presentes na conferência defendem a criação de centros de referência a nível nacional, de forma a concentrar os médicos com mais experiência e os melhores recursos disponíveis.
  • Melhorar os tempos de aprovação dos medicamentos pelo Infarmed deve ser outra das prioridades. Para isso “é preciso reforço de recursos” na instituição, assinala o deputado do PS Luís Soares, uma ideia que merece concordância de Pedro Melo Lopes, deputado do PSD, que acrescenta ainda a aposta na prevenção. “Não pode haver 1% de despesa em saúde dedicado à prevenção. Tem de haver três, quatro ou cinco”, aponta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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