Apenas 6% dos doutorados chegam às empresas. Na UE são 40%

Colaboração: Portugal tem fraca capacidade em transferir conhecimento desenvolvido em ambiente académico
Colaboração: Portugal tem fraca capacidade em transferir conhecimento desenvolvido em ambiente académico
Fátima Ferrão
Universidades, centros de conhecimento, associações sectoriais, clusters temáticos e empresas representam o circuito do conhecimento e são responsáveis pela produção da inovação, cujo grande desafio é chegar a quem dela necessita para resolver os problemas com que os negócios se debatem. Nunca como agora é produzido tanto conhecimento, apesar da enorme quantidade que se perde com a falta de comunicação e de colaboração, que ainda não foi ultrapassada. Fazer a ponte entre quem necessita do conhecimento e quem o produz é, aliás, a maior falha e também o maior desafio apontados pelos participantes na conferência “Como Transferir Conhecimento”, promovida pela Timac Agro, com o apoio do Expresso, que decorreu esta semana.
“Estamos num tempo de inteligência coletiva”, apontou Assunção Cristas. Para a ex-ministra da Agricultura, keynote speaker nesta conferência, a concretização do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 17 — Parcerias para o Desenvolvimento é tão necessária como urgente, uma vez que, defende, sem cocriação e colaboração não será possível diferenciar e projetar o país além-fronteiras.
Mas o desafio que se coloca de forma premente a Portugal é transversal a toda a Europa. “Estamos a ganhar o campeonato da investigação científica, mas não estamos bem no campeonato da competitividade”, afirma Emídio Santos Gomes. Ainda assim, a transferência do conhecimento científico é, por cá, mais difícil do que noutros Estados-membros da União Europeia (UE), reforça o reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que participou no primeiro painel de debate. “Apenas 6 ou 7% dos doutorados são integrados no sector empresarial, enquanto a média europeia sobe para os 40%”, revela.
Dados que apontam um longo caminho de mudança para o país, que reforça a importância do trabalho conjunto entre os players do circuito do conhecimento, sendo certo que o número de doutorados em Portugal cresceu exponencialmente entre 2007 e 2015, de acordo com o “Relatório síntese dos resultados das avaliações do Portugal 2020”, divulgado no mês passado pela Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C). Neste período doutoraram-se 17 mil pessoas, um número elevado face aos 14 mil doutorados nos 46 anos anteriores.
Falta de inovação mata
Sendo Portugal reconhecidamente um país rico na produção de conhecimento, como aliás é referido pelos participantes em ambos os painéis do debate, não faz sentido que este continue a não chegar às empresas, independentemente do sector. E, como salienta Emídio Santos Gomes, “com falta de conhecimento e sem inovação, a prazo, qualquer empresa morre”. O reitor da UTAD defende que, para que o circuito de informação possa fluir, as unidades de investigação privadas sejam integradas no sistema científico nacional, facilitando a partilha e a colaboração. Desta forma, completa Assunção Cristas, o conhecimento estaria mais organizado e motivaria os investigadores a pensar em conjunto. Ou seja, acrescenta, “olhar já hoje para as coisas que precisam de ser resolvidas no futuro”.
“É preciso agregar conhecimento”, reforça Margarida Oliveira. A diretora da Escola Superior Agrária de Santarém recorda que existem em Portugal mais de 100 instituições de produção de conhecimento que deviam ser agregadas ao nível das fileiras. “Os politécnicos podem ter este papel e ajudar a fomentar esta ligação”, aponta. Assunção Cristas concorda, mas defende que não existe apenas uma solução para esta agregação. “Temos de encontrar diversos figurinos que funcionem para dar resposta às diferentes necessidades e apostar nas lideranças adequadas.”
Mas, apesar das dificuldades, os participantes da conferência destacam os bons exemplos. Na agricultura, Emídio Gomes aponta a revolução no mundo do vinho, conseguida muito por conta da investigação realizada na UTAD, enquanto Margarida Oliveira recorda o esforço e o trabalho de transferência de conhecimento conseguido nas universidades de gestão e de economia. Já do lado das empresas, o reitor da UTAD aponta o exemplo da revolução promovida pela fileira do leite nos últimos 20 anos ou, como lembra Assunção Cristas, toda a inovação no sector florestal fomentada pela Navigator ou, de novo na agricultura, pela Sugal, na transformação do tomate.
Falta comunicação com agricultores
Produzir mais, melhor e com menos recursos é o objetivo, o desafio e a missão da agricultura, um dos sectores com maiores desafios de transformação. A escassez de água, a saturação dos solos, a par com o aumento da população mundial que é preciso alimentar exigem agricultores mais bem preparados e capazes de introduzir inovação e tecnologia num sector considerado mais tradicional.
Problemas para os quais a resposta tem de ser encontrada, na opinião de Francisco Gomes da Silva, “gerindo melhor os recursos naturais, com ganhos de eficiência, o que só será possível com o aprofundamento do conhecimento e a sua transferência para os utilizadores finais sob a forma de soluções tecnologicamente maduras”. Para o diretor-geral da Agroges, a forma de concretizar esta meta é mesmo “o grande desafio da agricultura”.
Distinguir projetos inovadores na área da produção de conhecimento no sector agrícola que tenham aplicação prática é a missão do Prémio Inovação Timac Agro Expresso, lançado esta semana. O galardão será anual e o prémio para o melhor projeto é de €10 mil. O vencedor será anunciado a 10 de novembro. Os candidatos podem inscrever os seus projetos, individuais ou em equipa, durante o primeiro semestre de cada ano — exceção feita para a primeira edição, que arranca esta semana. Posteriormente, será selecionada uma short list, levada à apreciação de um júri de especialistas no sector agrícola, que representam academia, associações e empresas. Foi igualmente anunciado o Prémio Agricultor do Ano Timac Agro Expresso, que distingue o agricultor ou empresa agrícola que se destaque pelas boas práticas de sustentabilidade ambiental, económica e/ou social. Para este galardão, que não terá um prémio monetário, as candidaturas devem ser apresentadas até ao fim de setembro, sendo o vencedor anunciado na mesma cerimónia.
“Os humanos devem ser curadores da informação, com capacidade crítica para usá-la a seu favor, seja no ambiente, na sociedade ou nas empresas”
Assunção Cristas
Ex-ministra da Agricultura
“Estamos a ganhar no campeonato da investigação científica, mas não estamos bem no campeonato da competitividade”
Emídio Santos Gomes
Reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
“Falta autonomia às universidades para a transferência de conhecimento para as empresas”
António Guerreiro de Brito
Presidente do Instituto Superior de Agronomia
Como transferir conhecimento
Na conferência intitulada “Como Transferir Conhecimento”, promovida pela Timac Agro, com o apoio do Expresso, analisou-se a importância da colaboração entre ciência, academia e empresas para melhor dar resposta aos desafios nos vários sectores de atividade, com particular enfoque na agricultura.
Textos originalmente publicados no Expresso de 23 de junho de 2023
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