Álvaro Beleza: “O maior problema da saúde em Portugal é o acesso aos cuidados”
José Fernandes
O especialista não tem dúvidas que as listas de espera se agudizaram durante a pandemia mas reconhece que a dificuldade é partilhada por outros países europeus. A resposta está na melhor articulação entre sectores público, privado e social, naquela que foi uma das ideias mais repetidas na conferência sobre sustentabilidade no Serviço Nacional de Saúde, que se realizou esta terça-feira e à qual o Expresso se associou
Francisco de Almeida Fernandes
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É preciso sarar as feridas deixadas pela pandemia no sistema de saúde português, defenderam esta terça-feira vários especialistas ligados ao sector. Durante mais uma conferência do ciclo Repensar a Saúde, dedicada à “Organização dos cuidados de saúde: rastreio, diagnóstico e referenciação”, articulação foi uma das palavras mais repetidas. “É preciso articular cuidados. Não só todos os hospitais têm de trabalhar em rede, como têm de ligar os cuidados primários, os cuidados continuados e os domiciliários”, defendeu Álvaro Beleza.
O médico e diretor do serviço de Imuno-hemoterapia do Centro Hospitalar Lisboa Norte reconhece que “o maior problema da saúde em Portugal é o acesso”, um desafio que considera estar a ser enfrentado pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para Álvaro Beleza, a criação do organismo liderado por Fernando Araújo é um passo que há muito devia ter sido dado e que poderá permitir “dar autonomia de gestão” às instituições do sector, mas também responsabilizá-las pelos resultados alcançados.
O debate moderado pela jornalista Marta Atalaya contou com Nuno Jacinto (Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar), Marta Pojo (Liga Portuguesa Contra o Cancro), Teresa Machado Luciano (Hospital Garcia de Orta), Vítor Neves (Europacolon Portugal) e, à distância, de José Dinis (Programa Nacional para as Doenças Oncológicas) e Júlio Oliveira (Instituto Português de Oncologia do Porto)
José Fernandes
A Parceria para a Sustentabilidade e Resiliência dos Sistemas de Saúde (PHSSR) – criada em 2020 pela London School of Economics, o Fórum Económico Mundial e a Astrazeneca – apresentou, em dezembro, 43 recomendações para fortalecer a saúde em território nacional. Os contributos de dezenas de peritos, com diferentes percursos profissionais e de todos os quadrantes políticos foram esta terça-feira aprofundados para responder a um dos maiores desafios do país: a prevenção e o diagnóstico precoce. Mónica Oliveira, professora do Instituto Superior Técnico e coordenadora da iniciativa em Portugal que detalhou várias das propostas de melhoria, prefere falar em “portefólios de recomendações” e não em medidas avulsas. “Só assim é que se vai transformar o sistema de saúde”, acredita.
Todas estas questões são, confirma Rita Moreira, “preocupações” da Direção Executiva do SNS. A vogal da nova entidade concorda que “temos de focar os nossos profissionais na prevenção” e aponta os rastreios como um dos passos essenciais nesse caminho. “Sabemos que dependente da região temos acessos diferentes e isto é algo que estamos a querer mudar e melhorar”, rematou.
Conheça, abaixo, as principais conclusões desta conferência:
A coordenadora do PHSSR em Portugal, Mónica Oliveira, defendeu a implementação de um "portefólio de recomendações" para transformar o sistema de saúde nacional
José Fernandes
Governança, prestação de cuidados e saúde populacional
Mónica Oliveira lista a integração de cuidados com coordenação intersectorial e a comunicação entre serviços de saúde como algumas das principais prioridades elencadas pelos especialistas auscultados pela iniciativa PHSSR;
Na relação direta com os doentes, a implementação do registo clínico eletrónico é uma “peça basilar” da transformação dos cuidados, já que permite evitar a repetição de exames e, por consequência, alcançar maior eficiência. “Só isso vai permitir poupar milhões ao erário público”, concorda Álvaro Beleza;
Em complemento a uma saúde mais organizada e com instituições coordenadas, a aposta do país deve ser feita na prevenção da doença. Este objetivo pode ser alcançado, explica a coordenadora do PHSSR, com investimento em literacia, rastreios e reforço dos cuidados de saúde primários.
"Temos de focar os nossos profissionais na prevenção", defendeu Rita Moreira, vogal da Direção Executiva do SNS
José Fernandes
Reforçar o rastreio
Replicar o sucesso do rastreio do cancro da mama, área em que Portugal compara bem com a Europa, deve também ser uma prioridade para o Estado, defende Marta Pojo. A diretora de projetos da Liga Portuguesa Contra o Cancro garante que, neste campo, a articulação da organização com os cuidados primários e os hospitais “tem funcionado muito bem” e não tem dúvidas de que pode ser alargada a outras doenças oncológicas, como o cancro do colo do útero, os cancros da pele ou do intestino;
As patologias ligadas ao sistema digestivo, aponta o presidente da Europacolon Portugal, são “o parente pobre da saúde”. Vítor Neves lamenta a dificuldade de assegurar um rastreio sem assimetrias a nível nacional, assim como na disponibilização do seguimento quando são detetados casos positivos. A colonoscopia é um exame que, diz, não acontece em “tempo oportuno”;
O diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, José Dinis, reconhece os obstáculos e olha para as prioridades da União Europeia no cancro como uma oportunidade para que os países melhorem “as suas estratégias”. “Há €5 mil milhões [de financiamento comunitário] até 2025”, sublinha;
Diminuir a carga burocrática e os processos administrativos é, para os líderes do IPO do Porto e do Hospital Garcia de Orta, um dos principais ingredientes para melhorar a resposta do sistema de saúde na referenciação e no diagnóstico precoce de cancro. Por outro lado, alertam Júlio Oliveira e Teresa Machado Luciano, é urgente criar condições de trabalho que motivem os profissionais de saúde. A reivindicação é partilhada pelos médicos de família, confirma Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.