O caminho para a transição energética assenta num equilíbrio difícil entre garantir a maior rapidez possível na resposta às alterações climáticas e ter em conta as especificidades de diferentes sectores e geografias. É uma equação complexa, em que os vários elementos do sistema devem estar em sintonia e em que se procuram sempre alternativas eficientes e amigas do ambiente para que o resultado seja o ambicionado. Como parece ser o caso dos gases renováveis.
“Existem cada vez mais novas possibilidades para conseguirmos gerir a energia de formas diversas e economicamente viáveis”, garante Luís Miguel Ribeiro, para quem a “utilização de resíduos orgânicos para a produção de biocombustíveis pode claramente ser uma oportunidade se esta alternativa tecnológica trouxer benefícios superiores relativamente a outras alternativas habitualmente utilizadas de aproveitamento destes resíduos”. O presidente da Associação Empresarial de Portugal lembra que “as principais fontes de energia renovável, como a hídrica, a eólica e a fotovoltaica”, deixam “uma questão por resolver, que é o armazenamento da energia e o abastecimento de instalações industriais de consumo intensivo de energia, em que o abastecimento de energia elétrica não é suficiente”. Por isso será essencial termos “sempre disponíveis fontes diversificadas e alternativas, também como forma de reduzirmos o risco associado à quebra de alguma das formas disponíveis”.
Atingir a neutralidade carbónica até 2050 e contribuir para uma verdadeira economia circular são alguns dos elementos em que os gases renováveis podem acrescentar uma alternativa essencial, acreditam vários especialistas e responsáveis do sector, precisamente por serem produzidos a partir de fontes renováveis e relativamente fáceis de armazenar. Biogás, biometano, hidrogénio verde ou metano sintético são alguns dos que podem moldar o futuro próximo da energia, com Gabriel Sousa, CEO da Floene, a reforçar que a “diversificação é positiva”, até porque colocar “todos os ovos no mesmo cesto pode ser prejudicial”. Portugal tem a “rede de gás mais moderna da Europa”, argumenta, “preparada para receber os gases renováveis e contribuir para a descarbonização”.
A alternativa mais direta ao gás natural poderá ser o biometano (que pode ser produzido a partir de biomassa, águas residuais ou lamas de ETAR, por exemplo), pois tem uma composição química semelhante ao gás natural, o que possibilita ser injetado na rede de forma mais simples e aproveitando as infraestruturas existentes. Algo que já aconteceu em Portugal pelas mãos da Dourogás, com o CEO do grupo, Nuno Afonso Moreira, a afiançar igualmente que “até ao fim do ano toda a nossa atividade no sector da mobilidade será biometano” e a deixar a certeza de que “há espaço para a produção de gases renováveis”.
Em março deste ano o Governo lançou um novo aviso de €83 milhões para apoiar a produção de hidrogénio e biometano, com o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, a afirmar que ambos são “absolutamente essenciais”, pois, se a cadeia de valor do biometano origina “um coproduto que pode ser utilizado na agricultura como fertilizante e na transição para uma economia mais circular”, o aproveitamento dos recursos endógenos para a produção de hidrogénio verde pode permitir a Portugal passar de “importador para exportador de combustíveis”.
O reaproveitamento de recursos numa lógica verdadeiramente circular é um das vantagens dos gases renováveis, com o sector agrícola a poder ser um dos grandes beneficiados, sem esquecer um “aspeto muito relevante que deve ser salvaguardado e que tem a ver com a concorrência que jamais deve existir entre a produção de produtos agrícolas, tendo em vista a alimentação humana e/ou animal e o seu uso na produção de energia”, lembra Luís Mira. O secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal chama a atenção para a “dispersão espacial da oferta, a necessidade de recolha e concentração desses resíduos e deslocação para as eventuais unidades de transformação”, com críticas por “não parecer haver uma estratégia”. O vice-presidente do PSD, António Leitão Amaro, refere “falhas de intervenção do Estado” e explica que existe “consenso” sobre o destino a atingir mas “uma enorme divergência sobre a capacidade da intervenção pública”. É preciso perceber que as “políticas podem impedir a indústria de prosperar”, defende Matthias Maedge, secretário-geral da NGVA Europe — Natural & bio Gas Vehicle Association.
Olhar para o futuro
Para o presidente da ADENE — Agência para a Energia, Nelson Lage, apesar dos obstáculos, estamos perante um “país que tem sabido olhar para o futuro nos últimos cinco anos e que percebeu que não podia implementar mudanças sem ser em articulação com o sector”, com Nuno Fitas, membro do Conselho Executivo da REN Portgás, a admitir que “é natural que tenhamos dúvidas do que fazer, porque os recursos são escassos e as opções tecnológicas são muitas”, se bem que, perante o potencial em Portugal para a produção de biometano e de “valorização a partir do resíduo, chegamos tarde a este movimento”.
Além da Estratégia Nacional para o Hidrogénio Verde, que pretende reduzir as importações de gás natural entre €380 e €740 milhões, está “em aprovação” um plano para o biometano “que aborda toda a cadeia de valor”, garante a presidente do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, Teresa Ponce de Leão, que manifesta vontade de “trabalhar em colaboração para encontrar soluções” e deixa um repto: “Estamos de portas abertas para receber todas as mensagens. Coloquem os problemas.”
A chave para o crescimento sustentável
Se há uns anos o investimento realizado no desenvolvimento de energias renováveis em Portugal foi visto com “olhar cético”, agora parece claro que “os resultados destas medidas ultrapassaram todas as expectativas”, aponta o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, Armindo Monteiro. E os dados dão conta da dimensão do crescimento. Entre 1 de janeiro e 30 de abril de 2023 foram gerados 15.826 GWh de eletricidade em Portugal Continental, segundo a Associação Portuguesa de Energias Renováveis, dos quais 74,3 % tiveram origem renovável, ao passo que as intenções de investimento em energias renováveis em Portugal ascendem a €60 mil milhões, o que representa 25% do PIB. Trata-se de um “dos desafios mais evidentes e com maior impacto económico”, afiança o presidente da Entidade Nacional para o Sector Energético, Alexandre Fernandes. E os “desafios são diversos e muito exigentes”, lembra o CEO da Floene, Gabriel Sousa. Como acrescenta Paul Cheliak, vice-presidente da Canadian Gas Association, é hora de “cativar a atenção dos consumidores”, com a certeza de que “é possível complementar agilidade com estabilidade. Não são duas coisas antagónicas”, acredita o presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, Pedro Verdelho.
O que se disse
“A pandemia e a guerra na Ucrânia acentuaram a necessidade de acelerar a transição energética”
Duarte Cordeiro
Ministro do Ambiente e da Ação Climática
“A principal questão que temos é descarbonizar a produção elétrica”
Alexandre Fernandes
Presidente da ENSE
“São necessários processos de decisão regulatória mais adequados”
Pedro Verdelho
Presidente da ERSE
“Para que os gases naturais façam parte do futuro são precisas condições para que os apoios cheguem às empresas”
Hugo Patrício Oliveira
Vice-presidente da Comissão de Ambiente e Energia da Assembleia da República
“Portugal não aproveitou o PRR para o uso eficiente da água”
Luís Mira
Secretário-geral da CAP
Gas Summit
O Expresso associou-se ao grupo Dourogás para a conferência Lisbon Green Gas Summit. As prioridades, as oportunidades e os desafios da descarbonização e produção de novos gases renováveis estiveram em destaque num debate em que foram apontadas soluções para o sector energético português que vão para além da sustentabilidade.
Textos originalmente publicados no Expresso de 26 de maio de 2023
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