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Como continuar a crescer quando o mundo mudou

A conferência Crescer decorreu na Faculdade de Engenharia do Porto
A conferência Crescer decorreu na Faculdade de Engenharia do Porto
Rui Oliveira

Estratégia: estudo da EY conclui que, apesar dos acontecimentos dos últimos anos, o sector do metal está de boa saúde e a crescer. Mas há desafios, e retenção de trabalhadores é um dos maiores

Ana Baptista

Nos últimos três anos, o sector das indústrias metalúrgicas e metalomecânicas teve de aprender a gerir com uma pandemia, uma guerra, problemas logísticos e de transporte, preços da energia nunca antes vistos e com uma inesperada inflação que afetou todos os custos e produtos. Ou seja, tiveram de aprender a gerir em tempos de incerteza, volatilidade e imprevisibilidade. Mas, como diz o ditado, “o que não nos mata torna-nos mais fortes”, e foi isso que aconteceu.

Em 2021 e 2022, o sector atingiu valores recordes de exportações, estando já acima dos registados em 2019, antes da pandemia, e valendo cerca de 40% de toda a indústria transformadora do país. Foram €19,5 mil milhões em 2021 — mais 16,2% do que em 2020 — e €23,1 mil milhões em 2022 — mais 18% do que no ano anterior.

Além disso, houve empresas que modernizaram as suas fábricas, como a Solzaima, uma fabricante de salamandras a lenha e pellets que aproveitou a paragem forçada pela pandemia, logo no início de 2020, para acabar a construção da nova unidade, conta o CEO, Nuno Matias Sequeira. Ou que reforçaram a aposta na transição energética, como a Colep, uma empresa que fabrica embalagens de metal (desde latas de tinta a caixas de bolachas ou de whiskey), que está “a tornar a linha de produção totalmente neutra em carbono e a reduzir agressivamente o consumo de energia e da matéria-prima que usa, dimi­nuindo o desperdício”, diz o CEO, Paulo Sousa.

Aliás, no que respeita à descarbonização, o posicionamento do sector metalúrgico e metalomecânico português no contexto europeu situa-se fora do top 10 dos países da União Europeia com maiores intensidades de emissões, conclui o estudo que a EY fez para a AIMMAP e que serviu de base para definir a estratégia do sector até 2030, apresentada esta quarta-feira numa conferência organizada pela associação e pelo Expresso.

A questão agora é como continuar a crescer e a modernizar o sector quando tudo mudou? Quando os preços da eletricidade continuam “2,5 vezes mais caros do que em 2019”, repara Paulo Sousa, e “os do gás estão no dobro”, nota o vice-presidente executivo da AIMMAP, Rafael Campos Pereira. Quando o preço do aço ainda está “uns 50% acima dos valores de 2019”, repara Nuno Matias Sequeira. Quando a inflação abranda lentamente e as taxas de juro devem voltar a subir este mês e ainda quando a guerra na Ucrânia continua a impactar a geopolítica europeia e mundial.

Uma das estratégias que integra a visão do sector para 2030 é conti­nuar a apostar nas exportações e nos fatores diferenciadores dos produtos, como o design ou o ecodesign, o que depois permite vender os produtos mais caros, evidencia Paulo Sousa. Há depois que continuar a investir na digitalização, “porque já temos a qualidade e a rapidez na entrega, e com tecnologia seremos ainda mais competitivos”, vinca Rafael Campos Pereira, e “conseguiremos assim atrair mais talento”, acrescenta Paulo Sousa.

O problema da falta de pessoas

A falta de mão de obra e de capacidade de reter talento foi um dos temas mais falados na tarde de quarta-feira e um dos pontos mais relevantes da estratégia definida até 2030. Até porque ter trabalhadores mais qualificados, com mais competências digitais, de gestão e de sustentabilidade, é imprescindível para as empresas crescerem.

De facto, conta Rafael Campos Pereira, “quando começou a guerra na Ucrânia, logo a seguir a uma pandemia, com aumentos brutais dos custos das matérias-primas e da energia, eu perguntava aos empresários qual era a principal dificuldade que estavam a sentir e nove em cada dez respondiam que era a falta de recursos humanos”. Nuno Matias Sequeira confirma: “Nos últimos dois anos temos sofrido muito com a falta de mão de obra que queira trabalhar na indústria.” E a maior necessidade nem são os técnicos com competên­cias digitais, mas sim “pessoas para o chão de fábrica. Muitas vezes dizem que sim e depois não aparecem”, conta Cristina Bóia, CEO da Extrusal, uma fabricante de sistemas de alumínio para arquitetura, construção e para o sector automóvel.

Uma das soluções tem sido recorrer aos emigrantes, diz Nuno Matias Sequeira, mas ressalvando que “isso depois levanta outras questões, como o idioma ou o alojamento”. Aliás, segundo Cristina Bóia, “temos rea­bilitado casas para os emigrantes que vêm trabalhar para a empresa, mas os licenciamentos demoram muito”. Outra solução tem sido a aposta na formação dos quadros, principalmente em gestão: “Porque uma das dificuldades que temos tido é quando as pessoas com cargos técnicos passam a ter cargos de chefia e mostram ter dificuldades na liderança”, conclui a CEO.

Estudo pedido pela AIMMAP faz diagnóstico detalhado do sector

Maioria são microempresas

Dimensão Em 2021, o sector metalúrgico e metalomecânico tinha 23 mil empresas, 81% das quais são microempresas. É um dos sectores mais ecléticos da economia, com empresas de fabrico de maquinaria pesada e transportes, produção de talheres, de embalagens de metal (como as latas de bolachas ou de tinta) ou ainda salamandras a lenha e pellets. Representam 34% de toda a indústria transformadora (IT) do país e são as grandes empresas que geram mais riqueza (€2,7 mil milhões vs €576 milhões das micro).

246

mil é o número de pessoas que o sector empregava em 2021, sendo 74% do sexo masculino e 91% com 25 ou mais anos. O estudo diz, aliás, que é um sector mais “sénior”. A maior parte dos contratos é sem termo, o que mostra “segurança”, e 37% são “trabalhadores qualificados, com conhecimentos e competências técnicas específicas”, pode ler-se no estudo realizado pela EY
Boa saúde financeira

Balanço “Em 2021, o sector apresentou um desempenho económico superior ao da média da indústria transformadora (resultados líquidos de €156 mil vs €119 mil da IT)”, diz o estudo, acrescentando que “as empresas estão, em média, bem capitalizadas (autonomia financeira de 43%)”. Contudo, “dependem fortemente do financiamento alheio remunerado”. Também positivo é o facto de os juros serem apenas 5% do cash-flow gerado em 2021 e o nível de rentabilidade dos capitais próprios ser de 12%, face aos 11% das indústrias transformadoras.

€34,6

mil milhões foi o volume de negócios gerado pelo sector em 2021, o que representa igualmente 34% de toda a indústria transformadora. Nesse ano, as empresas do sector investiram €1,3 mil milhões e foram responsáveis “por 23% do montante de investimento elegível nas operações aprovadas no âmbito do Portugal 2020 reportadas até 31/12/2021”
Redução das emissões

Energia De acordo com o estudo, o sector reduziu as suas emissões em 18,8%, “mas a um ritmo muito menos acelerado, revelando alguma dificuldade na resposta à urgência da transição verde”. Esta realidade justifica-se com o facto de a maior parte do sector ser composta por microempresas, menos capitalizadas, mas também porque algumas das empresas não têm ainda no mercado soluções renováveis capazes de substituir o gás natural, ainda o combustível mais usado na indústria transformadora.

A estratégia do metal até 2030

A conferência organizada pela AIMMAP (Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal), em parceria com o Expresso, serviu para apresentar a nova visão estratégica para o sector até 2030 e debater o crescimento de algumas das empresas que compõem a metalurgia e a metalomecânica.

Textos originalmente publicados no Expresso de 5 de maio de 2023

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