O perigo está mais próximo do que possa imaginar. Pode estar já na sua casa, na gaveta onde coloca os dispositivos tecnológicos que já não utiliza ou nos aparelhos antigos que vão para o lixo sem destino traçado para a reciclagem. A recolha (ou falta dela) de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos é um problema grave e que coloca Portugal muito abaixo das metas definidas a nível da União Europeia.
Trata-se de um “horizonte de sete anos”, aponta João Wengorovius Meneses, o que dá “muito pouco tempo para cumprir”. É agora ou nunca, por outras palavras, e o secretário-geral da BCSD Portugal pede mais ação por parte das empresas privadas, principalmente as PME, que em muitos casos “não estão preparadas e não têm competências”. É necessária “formação para que seja possível alavancar oportunidades de investimento” e deve partir “do Estado a ignição e o exemplo”, porque só assim será possível implementar programas fortes de incentivo à consciencialização da população para mudar hábitos de consumo e de reaproveitamento de equipamentos elétricos e eletrónicos com um “efeito sistémico absolutamente estrutural”. Até porque “quem tem que ambicionar ir à Lua é o sector público”.
“Assustador”
Se fomentar a alteração de mentalidades de empresas e consumidores é fulcral, importa também perceber como melhorar a produção e a recolha de equipamentos. “O mundo está em constante mudança e todos os dias aparecem novos produtos”, que colocam novos desafios, acredita o especialista em sustentabilidade Jorge Cristino. “O nível de produção de resíduos é assustador” e “só alterando o modelo económico é que podemos viver num mundo sustentável”. Para isso é também “importante definir o bem intangível que é o sistema climático terrestre. Só assim podemos avaliar quanto vale economicamente”, explica, com a certeza de que os investidores olham cada vez mais para a sustentabilidade. “Não podemos trabalhar de costas voltadas uns para outros”, resume Jorge Cristino.
O presidente da ERP Portugal e da Novo Verde, Ricardo Neto, não esconde que estamos perante um “retrato um pouco negro”, sobretudo com a falta de “vontade política no controlo das cadeias” de resíduos. Apesar dos mais de 7500 pontos de recolha e dos programas municipais de recolha de eletrodomésticos, subsistem “problemas de desvios”, com o responsável a dar o exemplo dos frigoríficos, que muitas vezes aparecem “esventrados” na rua. É “um flagelo” que exige “maior policiamento”. Apesar dos problemas, Ricardo Neto manifesta ânimo para “atingir as metas”.
Do lado da produção pede-se uma “gestão integrada e holística, desde a conceção ao final do ciclo de vida do produto”, para definir, “em cada etapa, o que se faz para minorar o impacto ambiental”, defende Hugo Jorge, diretor de Marketing da LG Portugal: “Isto só vai lá quando as empresas incorporarem sustentabilidade nos resultados, quando faz parte da política de investimento. Têm que ir muito mais além.”
Mesmo ao assumir que se trata de um “desafio complicado para as marcas”, o processo deve passar por uma “resposta efetiva” por parte de todos os agentes, “para aumentar a consciencialização e atingir os objetivos de forma mais rápida”, assinala o presidente da Sailors for the Sea, Bernardo Corrêa de Barros, que daqui a um ano — apesar de não acreditar — gostava que as “grandes empresas do país assinassem um pacto de responsabilidade para todos darmos as mãos”.
Números para o lixo
65%
do peso médio de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos postos no mercado nos três anos anteriores é quanto as entidades gestoras em Portugal têm a responsabilidade de recolher — mas estamos longe de cumprir a meta
5,3
mil milhões de telemóveis foram para o lixo em 2022, segundo uma previsão lançada pelo Fórum REEE
59,2%
admitem guardar os equipamentos que já não usam, aponta o estudo “Hábitos dos portugueses em relação ao lixo eletrónico”
Vamos falar de Sustentabilidade
As metas que estão por cumprir na reciclagem e reaproveitamento de resíduos elétricos e eletrónicos estiveram em destaque na Waste Summit 2022 — Economia, Consumo e Sustentabilidade, organizada pelo Expresso em parceria com a European Recycling Platform, LG e Novo Verde.
Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de janeiro de 2023
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