Projetos Expresso

Preparar o futuro dos reclusos, dos imigrantes e dos mais frágeis

Por cada cara multiplicam-se sorrisos. Na Mouraria há uma equipa de voluntários que apoia imigrantes na sua integração no mercado de trabalho
Por cada cara multiplicam-se sorrisos. Na Mouraria há uma equipa de voluntários que apoia imigrantes na sua integração no mercado de trabalho
José Fernandes

Solidários: na Mouraria ainda se canta o fado, mas as condições de vida dos migrantes são cada vez mais difíceis. No Porto, os refugiados da guerra precisam de auxílio. Associações mostram como se ajuda

Dos tempos da Casa da Severa — onde Amália começou a cantar os primeiros fados — até aos dias de hoje muita coisa mudou na Mouraria. Zona tradicional de Lisboa, procurada por forasteiros e turistas, o bairro foi ganhando cada vez mais migrantes. Pessoas que chegaram de 50 países e que hoje, um ano depois da covid-19, com a guerra e as suas consequências na economia, passaram a viver em condições precárias. A poucos metros da casa de fados — ainda hoje aberta ao público —, as portas da Renovar a Mouraria estão abertas para esta população fragilizada e que procura um futuro em Portugal.

Foi daqui que nasceu a MourariaUP — ecossistema empresarial comunitário da Mouraria —, para acompanhar e auxiliar os novos habitantes do bairro. “No verão de 2019 fizemos um encontro com migrantes na ajuda ao emprego”, conta Filipa Bolotinha, presidente da Renovar a Mouraria. A associação serve de ponte entre quem chega e o difícil mercado de trabalho da capital portuguesa. “Trata-se de uma ajuda de quem conhece e sabe como funciona o mercado. Sentimos necessidade de trabalhar esta área de forma mais estruturada, ajudando a escrever currículos e portefólios.” No fundo, trata-se de um trabalho de integração e de construção de um plano de vida para os migrantes do bairro.

Inserida numa associação com mais de 15 anos no terreno, a Renovar a Mouraria foi um dos projetos contemplados com o Prémio Solidário do BPI e Fundação “La Caixa”. É já a 7ª edição de um prémio que apoia projetos que facilitem o desenvolvimento e inclusão social de pessoas em situação de vulnerabilidade, potenciando as suas capacidades e favorecendo a igualdade de oportunidades. Com um valor de um milhão de euros — distribuídos por 27 projetos diferenciados —, o Prémio Solidário, criado em 2016, já atribuiu um total de €4,3 milhões a instituições privadas sem fins lucrativos com projetos sólidos e inovadores nesta área.

Foi o caso do CDI Portugal Apps for Good, um projeto que visa a inclusão de um programa de ensino tecnológico nas escolas dos estabelecimentos prisionais (EP). Após uma primeira edição em quatro EP — com 14 professores e 26 alunos —, o programa evoluiu para uma segunda fase, duplicando o número de cadeias aderentes. “O grande objetivo é inovar o sistema educativo, trazer novas metodologias para a sala de aula que auxiliem os alunos a desenvolver soluções digitais”, explica a gestora do projeto, Marta Buisel, acrescentando que o objetivo é sobretudo “capacitar” os reclusos para enfrentarem o mercado de trabalho quando saí­rem em liberdade. O programa é aplicado durante aulas de diferentes disciplinas — Português, Matemática, Informática —, de onde já saíram diferentes ideias: como uma “app chamada Restaurar, em Paços de Ferreira, na qual se promove o restauro e venda de móveis”, exemplifica a responsável. Mais recentemente foi também desenvolvida por reclusos uma aplicação com “vista a automatizar todos os processos dentro do EP: marcação de visitas, videochamadas, depósito de dinheiro ou outros serviços que permitam digitalizar os processos”.

Mais a norte, em Gondomar, a solidariedade cresce com os refugiados da guerra da Ucrânia. “A maior parte são mulheres, os maridos ficaram na guerra”, explica Helena Loureiro, da direção. A ideia, que está agora a ser posta em prática, é formar estes migrantes para prestarem apoio domiciliário aos idosos. Trata-se de uma forma de integrar esta nova população, favorecendo também a comunidade local. Por agora, o Pontes Entre Nós — assim se designa o projeto — prevê formar 40 migrantes. Mas o número de famílias ajudadas será superior a 100. “O objetivo final é a empregabilidade destes refugiados.”

Apoio “na vida, na doença e na morte”

Embora considere que Portugal é um país solidário, Manuel Caldas de Almeida diz que temos de lutar pelos mais frágeis

A pandemia e a guerra têm revelado a faceta mais solidária do povo português. Todos nos lembramos das manifestações de apoio que surgiram durante os meses mais agudos da covid-19, mas o sector social — das Misericórdias, IPSS e instituições sem fins lucrativos — também atravessa sé­rias dificuldades, sobretudo no que diz respeito ao financia­mento e à gestão de quem trabalha sem nada pedir em troca.

Manuel Caldas de Almeida, presidente da União das Misericórdias, reconhece os apoios do Estado, mas afirma que “é preciso apoiar mais o sector social”. “Prestamos cuidados às pessoas mais desprotegidas. As verbas são sempre escassas.” Com a inflação, o terceiro sector assume um papel decisivo. António Barreto, presidente do júri dos Prémios BPI Fundação “La Caixa”, sente que têm surgido novas instituições no terreno. “Falo sobretudo a nível das autarquias. Os apoios são cada vez mais descentralizados, o que permite uma resposta mais rápida.”

Na semana em que se assinalou o Dia do Voluntário, o sociólogo lembra ainda a importância que este tipo de apoio significa para o terceiro sector. “Muitas entidades utilizam este trabalho, que é, por definição, o mais humanizado de todos.” Considerando que o Estado deve assegurar “o direito social aos apoios, na vida, na doen­ça e na morte”, António Barreto afirma que cabe aos privados — que recorrem ao voluntariado — assegurar que esses apoios cheguem a quem precisa.

Distinguidos do Prémio Solidário

  • AbundantQuotidian Associação
  • Agência de Desenvolvimento Gardunha 21
  • Associação de Defesa dos Direitos Humanos de Guimarães
  • Associação Dignitude
  • Associação dos Albergues Noturnos do Porto
  • Associação Fernão Mendes Pinto
  • Associação HELPO
  • Associação Humanitária Domus — Dignificar a Habitação
  • Associação Nacional de Apoio a Jovens — ANAJOVEM
  • Associação Pão a Pão
  • Associação Renovar a Mouraria
  • Associação Stand4Good — Oportunidades Que Mudam Vidas
  • Associação U.DREAM PORTUGAL
  • CAIS — Associação de Solidariedade Social
  • CDI Portugal
  • Centro de Solidariedade de Braga — Projeto Homem
  • Centro Social e Paroquial São Francisco de Paula
  • Delegação de Vila Real de Santo António — Cruz Vermelha Portuguesa
  • GAP YEAR PORTUGAL
  • Gondomar Social — Associação de Intervenção Comunitária
  • Instituto de Desenvolvimento e Inclusão Social — IDIS
  • JRS Portugal — Serviço Jesuíta aos Refugiados
  • MEERU | Abrir Caminho
  • PROACTING — Associação para a Promoção do Empreendedorismo e Empregabilidade
  • SISH — Social Innovation Sportshub — Associação
  • TESE — Associação para o Desenvolvimento

PROJETO SOLIDARIEDADE

O Expresso associa-se, pelo quarto ano consecutivo, ao BPI e Fundação “la Caixa” para debater os desafios da solidariedade, do terceiro sector, das instituições que apoiam a infância, os jovens, os adultos, os seniores e as pessoas com deficiência.

Textos originalmente publicados no Expresso de 9 de dezembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas