Projetos Expresso

SNS precisa de mais médicos para investigação clínica

A equipa da Universidade do Minho que procura antecipar o diagnóstico de doenças neurodegenerativas ganhou o Prémio Investigação Clínica
A equipa da Universidade do Minho que procura antecipar o diagnóstico de doenças neurodegenerativas ganhou o Prémio Investigação Clínica
Rui Duarte Silva

Reforço: Elvira Fortunato garante, durante o anúncio dos vencedores dos Prémios Pfizer, mais recursos e estabilidade para a ciência em Portugal. Até 2027, a ministra quer atrair €2 mil milhões de financiamento europeu para a inovação

Francisco de Almeida Fernandes

São cerca de 56 mil os investigadores científicos que procuram, todos os dias, contribuir para a produção de conhecimento em Portugal. Porém, deparam-se frequentemente com desafios crónicos do país a nível dos recursos financeiros, da burocracia associada ao acesso a financiamento e, sobretudo, da falta de previsibilidade na abertura de concursos públicos. “Portugal destaca-se um pouco dos restantes países da Europa com maior precariedade [na investigação e desenvolvimento — I&D]”, apontou o professor da Universidade do Minho Nuno Sousa durante a cerimónia em que foram conhecidos os vencedores dos Prémios Pfizer 2022 (ver caixa). O académico referiu-se às condições de trabalho, muitas vezes assente em contratos temporários e sem estabilidade, mas também à falta de tempo que é dado aos médicos para que se dediquem a atividades de investigação clínica.

A atual secretária de Estado para a Promoção da Saúde concorda que é preciso “dotar tempos de trabalho dedicados à investigação” no Serviço Nacio­nal de Saúde (SNS). “Acredito mesmo que a investigação, e nomeadamente a investigação dentro do SNS, é aquilo que pode, de facto, mudar a qualidade da prestação dos cuidados de saúde”, apontou Margarida Tavares. Com competências nesta área, comprometeu-se a “iniciar” o caminho rumo a uma progressiva valorização da produção de conhecimento nas carreiras e à sua dignificação “dentro da atividade assistencial”. É, aliás, este um dos principais objetivos do Centro Clínico de Braga. Nuno Sousa, presidente da instituição, refere que existem dentro de portas 425 investigações e 629 estudos clínicos atualmente em execução e garante que é esta articulação entre a academia e a prática médica que permite “grande qualidade” na assistência aos doentes. “Fazemos cerca de 40% da investigação clínica em Portugal”, assinalou.

No sector científico e tecnológico português, a disponibilidade de financiamento “tem vindo a crescer sustentadamente”, analisa o docente, referindo-se ao peso do investimento em I&D. Em 2021, os dados apontam para que 1,69% do PIB tenham sido colocados ao serviço dos investigadores, ainda que a maior fatia desse orçamento tenha origem no sector privado — apenas 0,82% têm origem no Orçamento do Estado, abaixo dos 1,24% em Espanha e dos 1,43% que compõem a média europeia. O objetivo nacional, elencado pelo Governo na anterior legislatura, é atingir a meta de 3% até ao final desta década.

Elvira Fortunato, também ela investigadora de carreira e vencedora do Prémio Pessoa 2020, fez questão de sublinhar que “mais ciência e mais inovação depende, sabemos bem, de mais financiamento”. E por isso, garantiu, o Executivo compromete-se com o “aumento efetivo de 3,5% na dotação anual da Fundação para a Ciência e Tecnologia”, entidade que coordena a gestão de fundos neste sector, mas também com a atração de mais investimento europeu ao longo dos próximos anos. “Estamos apostados no estímulo à prossecução dos processos de internacionalização das instituições científicas e tecnológicas”, disse a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Até 2027, a responsável quer “atrair cerca de €2 mil milhões de financiamento da União Europeia nas áreas de investigação e de inovação”.

Os vencedores de 2022

PRÉMIO INVESTIGAÇÃO BÁSICA

Estudo descobre nova forma de controlar o aumento de peso e a obesidade. Pela quarta vez, Henrique Veiga-Fernandes volta a vencer o galardão que conquistou em 2014, 2016 e 2020. Desta feita, o investigador da Fundação Champalimaud encontrou um novo eixo de comunicação entre o sistema nervoso e as células imunitárias no tecido adiposo que permite controlar o aumento de peso e a obesidade. Através desta ‘conversa’ biológica, a equipa liderada por Veiga-Fernandes descobriu ser possível provocar um aumento do consumo de gordura no tecido adiposo e, por consequência, reduzir o peso do doente. As conclusões do trabalho premiado abrem caminho ao desenvolvimento de novas terapêuticas dirigidas ao combate à obesidade, uma doença que afeta cerca de dois terços da população portuguesa e que atua como fator de risco oncológico e em patologias cardiovasculares. Vale a pena assinalar que o cancro e as doenças do foro cardíaco constituem as principais causas de morte em Portugal, o que faz deste projeto um importante contributo para a saúde pública.

PRÉMIO INVESTIGAÇÃO CLÍNICA

Identificar sinais que permitam diagnosticar mais cedo doenças neurodegenerativas, como a Alzheimer. São centenas as doenças neurodegenerativas que afetam milhões de pessoas em todo o mundo. Entre as principais, a doença de Alzheimer é uma das mais comuns. A Organização das Nações Unidas estima que cerca de 60% a 70% dos casos de demência sejam causados por esta condição. E porque o cérebro é ainda um mistério para os cientistas, a equipa da Escola de Medicina da Universidade do Minho, liderada por Tiago Gil Oliveira, desenvolveu um projeto para encontrar sinais que permitam detetar antecipadamente o desenvolvimento deste tipo de patologias. “O grande objetivo deste trabalho é criar novas metodologias diagnósticas para as doenças neurodegenerativas”, explica o investigador, que quer ajudar a desenvolver novas terapêuticas. O trabalho agora reconhecido recolhe dados clínicos de doentes que tenham morrido com Alzheimer e analisa ressonâncias magnéticas feitas em vida em busca de assinaturas clínicas que permitam compreender como se desenvolve a patologia, de forma a poder usar a informação recolhida para aumentar o número de diagnósticos atempados.

Frases da cerimónia

“Temos de criar uma cultura que faça a ponte entre a academia e a indústria. Com estes ingredientes é possível atrair e reter talento”

Nuno Sousa
Professor da Universidade do Minho

“A maior parte das candidaturas tinha equipas multidisciplinares e parcerias entre hospitais, universidades e instituições de investigação”

Maria do Céu Machado
Presidente da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa

“Acreditamos que Portugal tem condições para ser uma referência internacional na investigação científica”

Paulo Teixeira
Diretor-geral da Pfizer Portugal

Prémios Pfizer

Há 66 anos que os Prémios Pfizer distinguem os melhores trabalhos de investigação básica e clínica. O mais antigo galardão na área da investigação biomédica em Portugal — a que o Expresso se associa — resulta de uma parceria entre a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa (SCMED) e a farmacêutica.

Textos originalmente publicados no Expresso 18 de novembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas