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Expetoração parada é expetoração infetada

O RSV começa a ser uma das principais preocupações dos pais, pelo impacto prolongado que pode ter na vida dos filhos
O RSV começa a ser uma das principais preocupações dos pais, pelo impacto prolongado que pode ter na vida dos filhos
Getty Images

Impacto: a infeção pelo vírus sincicial respiratório (RSV) pode ser pouco falada, mas é das mais comuns entre as crianças. Bronquiolites e pneumonias estão entre as complicações mais habituais

Haverá poucas coisas mais aflitivas para um pai do que ver os filhos a sofrer sem saber exatamente do que se trata e como os pode ajudar. O vírus sincicial respiratório (RSV) afeta particularmente as crianças, sobretudo as que têm menos de 2 anos. Segundo um artigo da revista “Nature”, as infeções respiratórias por RSV atacam cerca de 64 milhões de pessoas por ano no mundo. Aqui estão cinco perguntas frequentes:

Devo preocupar-me com o RSV?

Sem alarmismos, mas sim. Apesar de as complicações provocadas pelo vírus sincicial respiratório serem habitualmente mais graves em crianças com nascimento prematuro ou que já sofrem de outros problemas de saúde, os dados indicam que a maioria das hospitalizações, cerca de 95%, foi registada em crianças sem comorbilidades.

Que consequências posso esperar?

Bronquiolites ou pneumonias estão entre as principais consequências, por vezes “com necessidade de oxigenoterapia e suporte alimentar”, aponta Marta Valente, presidente da Comissão Técnica de Vacinação. Mas é importante realçar que, na grande maioria dos casos, os sintomas são leves e que se trata de um vírus que, de forma quase inevitável, todas as crianças irão apanhar. “É um problema de todos”, explica Manuel Magalhães, pediatra na Unidade de Pneumologia Pediátrica e na Unidade de Neonatologia do Centro Materno Infantil do Norte.

Mas porque é que só agora é que estou a ouvir falar disso?

Porque a pandemia da covid-19 — e os consequentes confinamentos — fez com que o vírus estivesse praticamente dois anos sem circular e colocou em pausa o carácter sazonal do RSV, ao mesmo tempo que condicionou o desenvolvimento natural do sistema imunitário das crianças. Com o desconfinamento, assistimos a uma tempestade perfeita entre menor proteção e vírus a circular de novo, o que está a provocar um pico pandémico. Ou seja, apesar de o “RSV fazer parte da nossa rotina diária desde sempre”, como lembra Hugo Rodrigues, pediatra e autor da página “Pediatria para Todos”, agora está ainda mais visível. “Estima-se que sejam necessários dois ou três anos para se voltar à normalidade”, de acordo com modelos matemáticos referidos por Gustavo Januá­rio, pediatra no Hospital Pediátrico de Coimbra.

E o que posso fazer para aliviar os sintomas?

Antes de mais, não entrar em pânico e fazer uma avaliação racional antes de levar a criança para as urgências. “Pais informados tomam melhores decisões”, afirma Paula Guerra, cofundadora da XXS — Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro. Se os sintomas forem mais leves, como tosse ou outras secreções, é tentar minimizar o desconforto, porque, como lembra o fisioterapeuta e osteopata especializado em pediatria Gonçalo Trafaria, “secreção parada é secreção infetada”. É deixar a criança tossir.

É possível prevenir?

Sim, com recurso às técnicas de etiqueta higiénica que todos aprendemos com a covid-19. Ou seja, lavar as mãos, usar máscara ou ter distanciamento social. Por outro lado, a “alimentação é a melhor forma de reforçar o sistema imunitário”, assim como “brincar no exterior” ou cumprir “as horas de sono”, recomenda Hugo Rodrigues. Por outro lado, no futuro próximo, é possível que a imunização contra o RSV ganhe novo ímpeto. “Existem várias vacinas e anticorpos monoclonais em desenvolvimento, mas neste momento ainda não estão disponíveis para serem implementados”, alerta Marta Valente.

O vírus que afeta sobretudo as crianças

O vírus sincicial respiratório (RSV) é um agente patogénico que pode provocar doença respiratória em pessoas de todas as idades, mas geralmente são as crianças até aos 2 anos que são infetadas por este vírus, podendo no entanto ocorrer reinfeção em qualquer idade. Este vírus é a causa mais comum de doença das vias respiratórias inferiores até aos 5 anos de idade. Os sintomas e a gravidade podem variar com diferentes fatores, como a idade ou o estado de saúde da criança. Os sintomas mais frequentes são tosse, secreções nasais e oculares, febre ou dificuldade em respirar. Entre as principais (e mais temidas) consequências podem estar doenças como a bronquiolite (inflamação aguda das vias aéreas inferiores, muito frequente nos dois primeiros anos de vida) ou a pneumonia. O vírus sincicial respiratório é muito contagioso, sendo comum, por exemplo, a transmissão entre irmãos. As medidas impostas durante a pandemia da covid-19, como o uso de máscara, fizeram diminuir as infeções por RSV.

O que eles disseram

“A criança quando tem alta do RSV não está a 100%. São quadros muito arrastados, demoram três semanas, muitas vezes”

Gonçalo Trafaria
Fisioterapeuta e osteopata especializado em pediatria

“60% das infeções por RSV registam-se em crianças com menos de 5 anos, e aproximadamente três quartos dos internamentos verificam-se em crianças saudáveis”

Ana Paula Rodrigues
Médica de saúde pública do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge

“A infeção por RSV é uma das principais causas de doença respiratória grave e hospitalização em crianças, com 96% delas a terem menos de 2 anos”

Teresa Bandeira
Coordenadora da Unidade de Pneumologia Pediátrica do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte

“Existe um fluxo muito significativo de doentes para a urgência e um pico de infeção que nos preocupa. O impacto clínico é elevadíssimo”

Manuel Magalhães
Pediatra na Unidade de Pneumologia Pediátrica e na Unidade de Neonatologia do Centro Materno Infantil do Norte

“Na maior parte dos casos, o vírus sincicial respiratório é uma doença aguda, mas não só. Pode ter efeitos a longo e a médio prazo”

Teresa Tomé
Pediatra no Hospital Lusíadas de Lisboa

“Os últimos dois anos mostraram que o SNS é resiliente, leia-se, os profissionais. Os serviços de saúde não podem estar desenhados só para momentos de pico”

Eduardo Costa
Vice-presidente da Associação Portuguesa de Economia da Saúde

“A nossa missão é pensar sempre mais à frente e antecipar os problemas e estarmos presentes para defender a criança do ponto de vista científico”

André Graça
Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria

“Quase todas as crianças vão ter, pelo menos, uma infeção por RSV. E várias vezes”

Fernanda Rodrigues
Presidente da Sociedade de Infecciologia Pediátrica

Repensar a Saúde

O Expresso associou-se à Sanofi para promover um debate sobre os principais vírus respiratórios que afetam as crianças, nomeadamente o vírus sincicial respiratório (RSV), que é responsável por 285 internamentos — desde outubro do ano passado até agora — e que pode causar doença respiratória grave nas crianças.

Textos originalmente publicados no Expresso de 18 de novembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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