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“O oceano não é o que nos separa, é o que nos une”

“O oceano não é o que nos separa, é o que nos une”
Carlos Monteiro

Clima: intervenientes dos dois continentes pedem para que as afinidades culturais e económicas que ligam Portugal aos países da América Latina e das Caraíbas sejam aprofundadas para oferecer respostas conjuntas aos desafios da crise ambiental

A sustentabilidade é cada vez mais um desígnio de sobrevivência e, no momento em que governos de todo o mundo se reúnem no Egito para a conferência do clima da Organização das Nações Unidas (COP27), importa perceber como é que o espaço geográfico que une Portugal aos países da América Latina e das Caraíbas pode contribuir. A começar pelo programa energético. Segundo a REN, 59% do consumo de eletricidade resultou da energia de fontes renováveis, o que coloca Portugal na quarta posição a nível da União Europeia, e que é a mesma percentagem da América Latina e das Caraíbas, de acordo com dados da Organização Latino-Americana de Energia.

O caminho deve ser conjunto e “as nossas empresas não podem deixar de estar presentes”, em áreas como o turismo costeiro, o saneamento ou a transição energética, aponta o presidente do Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas, Paulo Neves. O trabalho está em marcha e há espaço para alimentar a cooperação, quando os dados do INE mostram que as trocas comerciais de bens transacionáveis (excluindo serviços) entre Portugal e América Latina representam um total de €1,5 mil milhões em exportações e €2 mil milhões em importações, na média do período 2016-2020. “Precisamos hoje, mais do que nunca, de uma relação transatlântica viva e forte”, sustenta o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Francisco André.

O administrador-executivo da Caixa Geral de Depósitos, José João Guilherme, lembra que é essencial “termos programas que apoiem a transição energética”, ao mesmo tempo que deixa uma questão: “Como é que tratamos as feridas que já abrimos e que sistematicamente ignoramos?” É uma questão de difícil resposta, mas já com tentativas. “Pensar num mercado regional de novas energias na América Latina é uma prioridade”, garante a presidente da Transportadora de Gás Internacional da Colômbia, Monica Contreras. Já Sergio Díaz-Granados, presidente-executivo do CAF não tem dúvidas do “compromisso português para com o mundo ibero-americano”. Perante os “choques da pandemia, invasão russa e inflação”, tornou-se mais claro ainda, que “não podemos continuar com os modelos de produção que esgotem os recursos naturais”.

Veja-se o caso do turismo costeiro. Na opinião da CEO da Rota Vicentina Marta Cabral, é essencial “dar poder às comunidades para que elas possam ser verdadeiras aliadas das políticas públicas e vice-versa”. Carolina Mendonça, coordenadora da Estrutura de Sustentabilidade do Destino Turístico da Secretaria Regional do Turismo, Mobilidade e Infraestruturas do governo dos Açores, acredita que as políticas ainda são “vítimas de um sistema capitalista em que não há uma distribuição justa da riqueza”, ao passo que o vice-presidente da Fundação Grupo Puntacana, da República Dominicana, Jake Kheel, é lesto em afirmar que “como região, temos fracassado, não oferecemos um turismo sustentável”.

Fazer rápido

No campo do saneamento, o presidente da Águas de Portugal Internacional, Cláudio de Jesus, assegura que a empresa está “disponível para abraçar desafios na América Latina desde que haja oportunidade”. Cristina Arango, gerente geral da Companhia de Água e Saneamento de Bogotá (Colômbia) realça o “comprometimento com a economia circular”.

“A transição energética não implica nenhum decrescimento, antes pelo contrário”, argumenta o secretário de Estado do Ambiente e da Energia João Galamba, para quem o “desafio português é de adequado planeamento e execução” e, sobretudo, “fazer muito e fazer rápido, tão rápido quanto possível”.

Tudo somado, “o oceano não é o que nos separa, é precisamente o que nos une”, insiste o vice-presidente do Banco Europeu de Investimento, Ricardo Mourinho Félix. Só assim é que Portugal e a América Latina e o Caribe podem dar o seu contributo para sairmos “da autoestrada para o inferno climático” em que nos encontramos, nas palavras de António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

PROMOVER OPORTUNIDADES DE COOPERAÇÃO E INVESTIMENTO: o Teatro Thalia, em Lisboa, recebeu a conferência “Portugal — América Latina e Caraíbas. Juntos por um desenvolvimento sustentável”. Fernando Medina, ministro das Finanças, foi um dos presentes e destacou as “oportunidades de cooperação e investimento entre os dois lados do Atlântico”, assim como o investimento português “nas energias verdes”, um exemplo de “resiliência” face “à crise energética global”.
Nuno Fox

DESAFIOS AMBIENTAIS COMUNS

Turismo costeiro

Preservação 27% da população da América Latina vive em zonas costeiras, percentagem que em Portugal sobe para 60%. Com a subida do nível do mar a acelerar, e a atingir 30 centímetros até 2050, a região transatlântica será das mais afetadas, com milhões de pessoas diretamente em risco. Nos países em que o turismo é parte fulcral da economia cabe aos agentes económicos promoverem modelos sustentáveis que valorizem os recursos naturais e humanos.

Saneamento

Eficácia Trata-se de um desafio pendente para a América Latina e Caraíbas, com apenas 69% da população a ter acesso a saneamento seguro. Quando em Portugal continental, 86% dos alojamentos são servidos por sistemas públicos de recolha e tratamento de águas residuais urbanas, e 1,8 milhões de metros cúbicos por dia de águas residuais tratadas, a colaboração e a partilha de conhecimento são fundamentais para enfrentar esses desafios.

Transição energética

Metas A situação de instabilidade global tornou ainda mais premente a necessidade de acelerar a transição energética. António Costa, por exemplo, anunciou esta semana, na COP27, a intenção de Portugal atingir a neutralidade carbónica em 2045, cinco anos antes do objetivo inicial e, na América Latina, a meta é que a energia elétrica proveniente de fontes renováveis seja de 70% antes de 2030.

VAMOS FALAR DE SUSTENTABILIDADE

O turismo costeiro, o saneamento e a transição energética foram os temas do “Portugal — América Latina e Caraíbas. Juntos por um desenvolvimento sustentável”, organizado pelo CAF, com o Expresso como media partner, e que fez parte do “Vamos falar de Sustentabilidade”, um ciclo de conferências sobre os principais desafios nesta área.

Textos originalmente publicados no Expresso de 11 de novebro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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