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O longo caminho até chegar ao trabalho

Numa quarta-feira à tarde, utentes e treinador da Novamente fazem o aquecimento antes de irem remar uma hora no Tejo
Numa quarta-feira à tarde, utentes e treinador da Novamente fazem o aquecimento antes de irem remar uma hora no Tejo
José Fernandes

Inclusão: há instituições que ajudam, mas como integrar melhor na sociedade mais de 100 mil pessoas com demências? Os especialistas dizem que ter uma atividade profissional é decisivo

Uma queda de cavalo atirou Luís Godinho Lopes para um coma profundo, sem prognóstico. Na altura com 29 anos, o filho do ex-presidente do SPC partilhava o quarto do hospital com quase 10 pessoas vítimas de traumatismos cranioencefálicos. Um vidro separava-o dos pais, cuja angústia era vivida do lado de fora, sem possibilidade de contacto com o filho, que teve um acidente durante um jogo de horseball, em Cascais. Foi deste cenário — e da resiliên­cia da família — que nasceu a Novamente, uma associação que visa ajudar famílias e vítimas a recuperar dos traumas causados pelas sequelas: Luís era um jovem saudável e com projetos quando a vida lhe trocou as voltas. Hoje, 12 anos depois, continua em recuperação.

Lançada em 2010, pouco depois do acidente, a associação tem um propósito firme: “Estabelecemos como eixos fundamentais o auxílio aos doentes, diagnósticos e apoio às famí­lias”, conta Rita Barbosa, angariadora de fundos da Novamente, cuja organização foi uma das contempladas pelos Prémios BPI Fundação “La Caixa” Capacitar, destinados a apoiar projetos que melhorem a qualidade de vida das pessoas com deficiência, doen­ça mental ou outras doenças, bem como das suas famílias, com espe­cial enfoque na sua autonomia, empregabilidade e bem-estar. Criado em 2010, este prémio já atribuiu €7,6 milhões a 252 projetos. Na edição deste ano, cujas inscrições terminaram no fim de março, foi atribuído um total de €1 milhão, destinados a 24 diferentes projetos na área da saúde mental.

Reintegração de pessoas com doença mental, criação de emprego protegido, desenvolvimento de novas competências, capacitação de pessoas com défice cognitivo, apoio aos cuidadores, promoção da autonomia — o espetro do Capacitar é alargado e abrange todo o território nacional. Para muitas destas associações o apoio do terceiro sector tem-se revelado fundamental, num trabalho tantas vezes desenvolvido por voluntários. “Há certos apoios destinados a pessoas em fase de cuidados pré-paliativos, mas também projetos que promovem a empregabilidade, certo tipo de emprego em função da idade e do problema de saúde”, diz o sociólogo António Barreto, membro do júri, que lembra a existência de um especial foco nos projetos “que incluam uma linha de progressão de empregabilidade. É um trunfo que ajuda a definir o premiado”.

Desde que foi criada, a Novamente já apoiou mais de 600 famílias. O caso de Luís continua a merecer a atenção dos técnicos de reabilitação em vários programas que a associação promove. Hoje já consegue vestir-se sozinho, teve explicações de matemática para desenvolver raciocínios lógicos, faz hipoterapia, hidroterapia e psicoterapia. No dia em que o Expresso acompanhou uma das ações da instituição, um grupo preparava-se para se fazer ao Tejo, onde pratica canoagem.

O prémio foi um empurrão para o projeto Formar a Cuidar, destinado à capacitação de cuidadores de pessoas vítimas de traumatismo cranioencefálico, com vista a ajudar no processo de empregabilidade. Sublinhando que o apoio domiciliário é fundamental, António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, refere que o trabalho assume especial preponderância na inclusão e desenvolvimento de vítimas e famílias. “Nas demências é muito difícil ter acesso ao trabalho, mas em relação às deficiências temos boas práticas de jovens que trabalham como repositores, jardineiros, em call centers.” Questionado sobre o papel das empresas na integração destes doentes, afirma: “Hoje não estão completamente alheias ou insensíveis a estas questões. Até porque há incentivos fiscais. Mas é um caminho longínquo, que ainda estamos a percorrer.”

193 mil doentes em Portugal

Existe uma “falsa crença” de que a degeneração cognitiva é uma inevitabilidade do envelhecimento

Segundo estimativas da Alzheimer Europe, Portugal tem atualmente cerca de 193 mil pessoas que sofrem de algum tipo de demência. Mas, avançando no tempo, as perspetivas estão longe de serem otimistas: com o envelhecimento global da população, estima-se que, em 2050, 152,8 milhões de pessoas possam vir a sofrer de algum tipo de demência.

Ainda assim, segundo diz Alexandre de Mendonça, investigador coordenador e professor catedrático convidado na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, é possível atuar “no sentido de prevenir o declínio cognitivo associado ao envelhecimento”.

Para isso será preciso atenuar o preconceito que ainda prevalece na sociedade portuguesa e desmontar a “falsa crença” de que estas doenças fazem parte natural do processo de envelhecimento.

“Julgo que as necessidades têm sido crescentes nos últimos anos. Olhando para trás, desde o período da troika, as dificuldades económicas recentes, as implicações da guerra, tudo o que aconteceu nos últimos anos tem feito aumentar as necessidades sociais. O Estado vai respondendo. O problema é que a resposta pública demora, atrasa. O Estado, em geral, tem pouca resposta rápida”, acrescentou António Barreto.

Distinguidos do Prémio Capacitar

  • APPACDM de Évora
  • APPDA Coimbra, Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo de Coimbra
  • ASCUDT — Associação Sócio-Cultural dos Deficientes de Trás-os-Montes
  • Associação Algarvia de Pais e Amigos de Crianças Diminuídas Mentais
  • Associação de Apoio à Juventude Deficiente
  • Associação de Famílias Solidárias com a Deficiência
  • Associação Novamente, Associação de Apoio aos Traumatizados Cranioencefálicos e Suas Famílias
  • Associação Pais e Amigos Habilitar
  • Associação PARA — Projeto de Apoio e Recursos para o Autismo
  • Associação Pró Cidadão Deficiente Integrado
  • Associação Regional de Reabilitação e Integração Sociocultural dos Açores
  • ASSOL — Associação de Solidariedade Social Lafões
  • CAID — Cooperativa de Apoio à Integração do Deficiente
  • CAPITI — Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Infantil
  • Centro de Educação Especial Rainha D. Leonor, CRL
  • CerciOeiras — Cooperativa de Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade, CRl
  • Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Cascais, CRL
  • Fundação do Gil
  • Grupo de Intervenção e Reabilitação Activa, IPSS
  • Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus — Casa de Saúde da Idanha
  • Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus. Clínica Psiquiátrica de São José
  • NECI — Núcleo Especializado para o Cidadão Incluso
  • Pedrinhas — Cooperativa de Solidariedade Social — Pedro Brazião Rodrigues, CRL
  • Pressley Ridge — Associação de Solidariedade Social

PROJETO SOLIDARIEDADE

O Expresso associa-se pelo quarto ano consecutivo ao BPI//Fundação “la Caixa” para debater os desafios da solidariedade, do terceiro sector, das instituições que apoiam a infância, os jovens, os adultos, os seniores e as pessoas com deficiência.

Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de novembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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