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A energia mais barata é a que não precisamos de usar

O vice-presidente do BEI, Ricardo Mourinho Félix, com a ministra da Ciência Elvira Fortunato (ao centro) e a presidente do ISEG Clara Raposo
O vice-presidente do BEI, Ricardo Mourinho Félix, com a ministra da Ciência Elvira Fortunato (ao centro) e a presidente do ISEG Clara Raposo
José Fernandes

Conferência: crise energética acelerada pela invasão da Ucrânia pela Rússia pode ser a oportunidade económica do século? Há que investir em tecnologias mais limpas, verdes, eficientes, capazes de gerar empregos e lucros a substituir o que polui

O mote foi dado por Bertrand Piccard. O psiquiatra suíço, que é pioneiro na aviação solar, veio a Lisboa dizer que a Europa só sairá desta crise energética apostando em ideias disruptivas para tecnologias mais limpas e eficientes: “A primeira coisa que fizemos foi correr a novos fornecedores para compensar o que não temos da Rússia. Mas ninguém pensou em como podemos poupar energia suficiente para nos livrarmos da dependência da Rússia.”

Alertando para o facto de três quartos da energia serem desperdiçados em sistemas obsoletos, Bertrand Piccard desafiou a plateia da conferência “Inovação para um futuro sustentável e resiliente” — promovida pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) em parceria com o ISEG — a abordar a crise como “a maior oportunidade económica do século”. Encará-la como uma “incrível oportunidade económica de modernizar o nosso mundo, de criar empregos e gerar lucros, substituindo o que polui pelo que protege o ambiente”. Neste contexto, o investimento mais lucrativo a fazer em termos de inovação será em “todas as soluções tecnológicas que nos permitem fazer mais com menos: menos recursos, menos desperdício, menos energia”.

Há dinheiro, falta tecnologia

“A energia mais barata não é a renovável, mas a que nem precisa de ser produzida porque não é consumida”, confirmou o vice-presidente do BEI, Ricardo Mourinho Félix, no encerramento desta conferência que juntou investidores a investigadores para debater o financiamento das tecnologias que podem moldar um futuro mais resiliente e sustentável.

Foi o caso de Celeste Hagatong, já apontada pelo Governo para presidir ao Banco Português de Fomento. Ou de Arlindo Oliveira, o professor do Instituto Superior Técnico que explorou o papel da inteligência artificial em prol da sustentabilidade. Ou de Elvira Fortunato, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que destacou a importância das Agendas para a Inovação Empresarial do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na consolidação das sinergias entre a academia e a indústria nacional.

“Sabemos que apenas metade das tecnologias para concretizar a transição verde já está estabelecida. A outra metade ainda está em desenvolvimento e não foi disseminada à escala industrial”, alertou Ricardo Mourinho Félix, o vice-presidente do BEI disponível para investir em tecnologias inovadoras para moldar o futuro livre de carbono.

Esta instituição financeira é um dos maiores investidores em energia limpa no mundo, tendo deixado de investir em combustíveis fósseis em 2021. Em Portugal, por exemplo, já se juntou ao Governo para desenvolver o sector do hidrogénio. E aos privados, como a EDP, para investir no primeiro parque eólico flutuante da Europa continental. No gasoduto ibérico, ainda pode vir a investir, possa este incorporar gases renováveis no futuro.

Com o desafio da descarbonização a somar-se ao da segurança do fornecimento, o CFO da EDP Rui Teixeira, não tem dúvidas do caminho: “Esta é uma oportunidade fantástica para, de facto, acelerarmos a transição energética.” Uma oportunidade para o sector energético e para a indústria em geral.

“É nos momentos de crise que os melhores projetos aparecem”, acrescentou Lurdes Gramaxo, presidente da Investors Portugal. Esta defendeu o maior alinhamento dos Governos e das autoridades europeias para fornecer estabilidade e previsibilidade aos investidores, mostrando que a transição verde é irreversível.

O vice-presidente do BEI, Ricardo Mourinho Félix, defendeu a mobilização de mais €100 mil milhões para o REPowerEU, o plano que a Comissão Europeia pôs em marcha para emancipar a Europa da energia russa.

Bruxelas estima serem necessários investimentos adicionais acima de €200 mil milhões até 2027 para eliminar as importações de combustíveis fósseis russos. Atualmente, estes custam aos contribuintes europeus cerca de €100 mil milhões por ano.

Um Banco de Fomento mais simples, rápido e próximo das empresas

Apontada pelo Governo para presidir ao conselho de administração do Banco Português de Fomento (BPF), Celeste Hagatong identifica três grandes prioridades para melhorar o relacionamento desta entidade com as empresas: simplicidade, proximidade e velocidade. Desafiada a debater o papel do BPF nesta conferência do BEI, Celeste Hagatong acedeu a dar a sua visão, mas “do ponto de vista do mercado”, desde logo como presidente do conselho de administração da COSEC, cargo que ocupou até julho de 2022. A primeira prioridade é divulgar de forma mais simples os produtos do BPF ao mercado. A segunda é estar mais próxima das empresas, das suas associações empresariais, dos bancos e outras instituições financeiras e parceiros como o BEI. A terceira é encurtar o tempo entre o anúncio dos programas de apoio e a chegada do dinheiro às empresas. O objetivo é distribuir mais depressa os apoios disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) 2021-2026.

QUATRO PERGUNTAS A

Ricardo Mourinho Félix
Vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI)

Como pode o BEI ajudar o Governo português neste contexto de guerra na Europa e de emergência climática?

Desde o início da guerra que o BEI tem vindo a intensificar o apoio às energias renováveis ou à eficiência energética, trabalhando com os Governos e as empresas na área da energia no sentido de aceleramos os investimentos.

O BEI pode, por exemplo, financiar o gasoduto ibérico de que se fala face à ameaça da Rússia de cortar o fornecimento de gás à Europa?

Em 2021, o BEI assumiu o compromisso de deixar de financiar qualquer projeto relacionado com combustíveis fósseis e o gás natural é um combustíveis fóssil. No âmbito do desafio do chanceler Scholz para Portugal e Espanha participarem num gasoduto que aumente a resiliência a nível da Europa, disse que estaria disponível para apoiar um gasoduto que transporte renováveis. É a forma como olhamos para a questão. Apoiamos as infraestruturas desde que estejam aptas a transportar gases renováveis para não se tornarem ativos inutilizáveis a meio da sua vida. Essa é a questão fundamental: um gasoduto que permita, numa fase inicial, uma utilização eventualmente para gás natural, mas que possa vir a incorporar até 100% de gases com baixo carbono.

O BEI também pode ajudar grandes empresas — como a Galp, a EDP, entre outras — apostadas em investir nas renováveis ou no hidrogénio verde? Ou a indústria a descarbonizar rapidamente?

O BEI trabalha com todo o tipo de empresas no financiamento de projetos, nomeadamente de descarbonização. Aquilo que exigimos às empresas com quem trabalhamos é que tenham um plano de descarbonização compatível com a neutralidade carbónica em 2050. Nomeadamente a Galp, a EDP e outras empresas que são absolutamente essenciais para a transição para uma economia livre de carbono. Para investir no hidrogénio, na energia fotovoltaica, na energia eólica ou em carregadores elétricos para circularmos através de meios elétricos.

Estamos a falar de, sobretudo, empréstimos com taxas de juro mais baixas e mais anos para pagar?

O BEI é um banco “triple A”, o que lhe permite ter condições de financiamento favoráveis que passa para os seus contrapartes. Estas são particularmente adequadas para investimentos com uma duração longa. O BEI adequa a maturidade do financiamento à vida dos investimentos, das infraestruturas que financia com prazos longos, com taxas de juro favoráveis, e com uma avaliação da qualidade dos projetos que é, também, uma garantia para os investidores privados.

Conferência

Dedicada ao tema “Inovação para um futuro sustentável e resiliente”, esta conferência a que o Expresso se associou, foi promovida pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e o ISEG — Lisbon School of Economics & Management, com o alto-patrocínio do Presidente da República, no passado dia 23 de setembro, em Lisboa.

Textos originalmente publicados no Expresso de 30 de setembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: economia@expresso.impresa.pt

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