Projetos Expresso

O “soluço” que ameaça mudar o mundo como o conhecemos

A Somália é um dos países mais afetados pelas crises globais. Mais de seis milhões enfrentam insegurança alimentar e cerca de 513 mil crianças estão em risco de morte por causa da fome
A Somália é um dos países mais afetados pelas crises globais. Mais de seis milhões enfrentam insegurança alimentar e cerca de 513 mil crianças estão em risco de morte por causa da fome
Ed Ram/Getty Images

Transformações: da guerra na Ucrânia à crise energética e alimentar, passando pelo digital, há vários focos globais de insegurança que provocam uma transição irreversível. Por isso, importa perceber os desafios e como podemos preparar-nos

Um “soluço” que está em vias de transformar o mundo. O termo foi utilizado por Rodrigo Vilanova, vice-presidente executivo — Energy Management da Galp, como forma de descrever a tempestade perfeita, exacerbada pela guerra na Ucrânia, que está a deixar o mundo em convulsão e em profunda transformação. E a convicção expressa na sessão inaugural do Conselho de Segurança (projeto sobre o qual pode saber mais nesta página) é de que não se trata de algo passageiro, antes pelo contrário.

O gás subiu mais de 150% entre julho de 2021 e julho de 2022 na União Europeia (UE) e a escalada de preços na energia tem sido um dos principais fatores da inflação que consome uma parte relevante da economia global e das poupanças das famílias. A segurança alimentar também é outra das causas relevantes: as dificuldades de abastecimento provocadas pela guerra e as alterações climáticas, aliadas ao aumento do valor dos alimentos, provoca um cocktail explosivo.

45% do gás natural e 55% do carvão consumidos na Europa vinham da Rússia, explica Rodrigo Vilanova para ilustrar a dimensão da dependência energética europeia e como, por isso, o corte de fornecimento que ocorreu não poderia acontecer sem o impacto que se verifica. Em antecipação de um “inverno rigoroso” e para construir uma “Europa cada vez mais independente e mais sustentável” é essencial “acelerar a diversificação” das fontes energéticas. Por outro lado, é primordial garantir as reservas energéticas, e, nesse campo, a UE tem atualmente um nível médio de preenchimento das reservas de gás de 82,5%.

E se noutros pontos do planeta, ainda mais expostos, a fome não pára de crescer, Portugal não está imune aos problemas da escassez. “Portugal não é autossuficiente no que respeita a vários produtos alimentares, e isto coloca-nos numa posição frágil”, revela Ondina Afonso, diretora de Qualidade & Research do Continente. “Veja-se o caso do óleo de girassol, algo que faz parte de muitos produtos alimentares e cuja matéria-prima — o girassol —, produzido maioritariamente na Ucrânia, deixou de estar disponível e teve de ser substituído por outros óleos provenientes de outras origens”, exemplifica. Para se perceber, a dependência alimentar de Portugal nos cereais é de 75%, sendo que, no caso do milho, importamos 70% das nossas necessidades e, no trigo, 95%.

Além de reagir de imediato às adversidades do presente, importa também tomar medidas que preparem o futuro e reconheçam que a situação mudou. É o que defende a CEO da Allianz, Teresa Brantuas, para quem “é indiscutível que a sustentabilidade é transversal a tudo o que vivemos”. Ou seja, “apesar de ser importante tentar prever possíveis ameaças, devemos pensar também em como poderemos responder rápida e eficazmente caso as mesmas se concretizem. A pandemia e o conflito na Ucrânia (com o seu impacto internacional) são exemplos disso”, acredita.

As ameaças à segurança surgem de todos os quadrantes, e na opinião do CEO da ACIN, Luís Sousa, a esfera digital não é exceção. “ A identidade verdadeira dos interlocutores, bem como a fidedignidade dos documentos/e-mails/mensagens que se nos apresenta”, exigem cuidados constantes, entende. Trata-se de aspetos que, “se forem descurados, constituem um excelente ponto de partida para os sistemas de informação serem atacados e violados, com repercussões cada vez mais graves na nossa sociedade, podendo até colocar em causa a segurança das pessoas e dos bens”.

Segundo um relatório da Check ­Point Software, os ciberataques cresceram 42% no primeiro semestre do ano. José Alegria utiliza o caso da Altice Portugal, onde é chief informa­tion security officer, para revelar que “todos os dias” visitam “a dark web para saber se há credenciais expostas”. Mais do que nunca, é essencial “montar uma estratégia e um plano de defesa para detetar intrusões”.

O mundo vive uma onda de mudança, e o sócio da Morais Leitão, Rui Patrício, não tem dúvidas de que estamos perante algo que vai “muito para lá de qualquer conjuntura”. Por outras palavras: “É estrutural, e nalgumas matérias representa até, a meu ver, uma alteração de paradigma civilizacional ou tem implicações civilizacionais.”

O “soluço” chegou para ficar.

Declaram-se abertas as reuniões

A sede da Impresa recebeu a sessão inaugural do Conselho de Segurança, que juntou representantes de todos os parceiros do projeto para traçar um retrato geral dos tópicos que vão marcar a agenda ao longo dos próximos seis meses. Foi uma conversa em que se enfatizou a necessidade de estabelecer pontes e encontrar pontos em comum entre áreas de discussão distintas: “O desafio é encontrar entre nós os princípios que fazem a ligação entre os diferentes sectores, caso contrário vai ser difícil colar tudo”, apontou José Alegria, chief information security officer da Altice Portugal, ao passo que Tiago Félix da Costa, sócio da Morais Leitão, afirmou ser “importante que as organizações possam falar, debater” e que possam “produzir um conjunto de reflexões para que em Portugal se vivacom mais segurança”.

Citações

“Tornaram-se tão comuns os ciberataques que já ninguém liga”

José Alegria
Chief information security officer da Altice Portugal

“Há espaço para recuperarmos a nossa agricultura”

Ondina Afonso
Diretora de Qualidade & Research do Continente

“A transição energética está a acelerar”

Rodrigo Vilanova
Vice-presidente-executivo — Energy Management da Galp

Conselho de Segurança

O mundo vive envolto num conjunto de ameaças que exigem uma resposta pronta. O Expresso, em conjunto com a Sonae, Galp, Altice, Allianz, Morais Leitão e ACIN, lança um projeto para avaliar a nossa segurança tecnológica, militar, jurídica, na saúde, no Estado e nas empresas. Ao longo de seis meses queremos construir um Conselho de Segurança, lançando debates, promovendo temas,reunindo especialistas.

Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de setembro de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas