Como travar a fuga de cérebros
Desafios: reforçar instituições universitárias, aumentar o financiamento e promover a contratação de doutorados são essenciais
Desafios: reforçar instituições universitárias, aumentar o financiamento e promover a contratação de doutorados são essenciais
Francisco de Almeida Fernandes
Esta semana ficou marcada pelo regresso das aulas e pela notícia da colocação de cerca de 50 mil estudantes no ensino superior, apesar de uma ligeira redução no número de candidaturas (-3,9%), atribuída à diminuição do número de jovens em Portugal. Contudo, e apesar de o país se orgulhar de ter a “geração mais qualificada de sempre”, há desafios que continuam a estrangular o ritmo de desenvolvimento da economia nacional. Em especial na travessia do deserto que muitos licenciados, mestres ou doutorados enfrentam após a frequência académica até conseguirem uma oportunidade de emprego qualificado e justamente remunerado. “Quando estudamos uma área [de conhecimento], pretendemos ter oportunidades de carreira e também estabilidade”, apontou João Caseiro durante o debate “Criar para renovar: desafios do Ensino Superior”, organizado pela Universidade de Coimbra com o apoio do Expresso, no dia 12.
O presidente da Associação Académica de Coimbra recorda “a angústia” e a “enorme incerteza face ao futuro profissional” que os estudantes sentem, em grande medida pela “precariedade e desvalorização dos nossos diplomados”. Ao Expresso, o reitor da Universidade do Porto e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Sousa Pereira, não acredita que “as empresas portuguesas se tornem tão competitivas quanto as estrangeiras” à velocidade necessária para evitar, ou pelo menos abrandar, a fuga de cérebros para o exterior. Uma das poucas exceções, realça, está nas atividades ligadas às tecnologias de informação e comunicação (TIC), em que se praticam já “salários muito razoáveis se compararmos com a média da União Europeia”.
Sousa Pereira recusa, porém, a ideia de que a ida de jovens qualificados para outros países da Europa seja uma fatalidade. Pelo contrário, defende não só que essa circulação intracomunitária pode ser positiva pelo contacto com “outras realidades e metodologias de trabalho”, como vê no seu regresso, anos depois, a possibilidade de servirem como “fator de mudança extremamente positivo” para a economia nacional. “Acho que se ficarem todos cá não vamos mudar e vamos continuar a ser o país atrasado que sempre fomos”, afirma. A antiga ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues, atual reitora do ISCTE, aponta outra perspetiva para justificar a saída de quadros qualificados do país. “Quando se diz que temos a geração mais qualificada de sempre, esquecemo-nos de que essa geração tem um embargo no mercado de trabalho com gerações que não são assim tão qualificadas.” E explica que a falta de qualificações na população mais velha é “uma limitação” que “não favorece o desenvolvimento profissional dos jovens”, pelo que defende o reforço da aprendizagem ao longo da vida como forma de criar ambientes empresariais mais estimulantes para os mais novos.
A historiadora Ana Cristina Araújo afirma que a fuga de cérebros deve servir como “fator de motivação, para que, internamente, possamos promover ainda mais as instituições científicas e o emprego científico, que é muito necessário”. Refere-se, sobretudo, às oportunidades de trabalho para doutorados, uma área que o reitor da Universidade do Porto diz poder beneficiar de “um programa que financiasse a colocação” destes profissionais nas organizações. “Estou convencido de que, ao fim de algum tempo, essas empresas iriam perceber a importância de terem estas pessoas”, reforça.
Mais investimento no ensino superior
Durante a sessão de abertura da conferência organizada pela Universidade de Coimbra, o seu reitor, Amílcar Falcão, recorreu à celebração dos 250 anos das reformas pombalinas (ver caixa) para lamentar um dos principais desafios que ainda hoje se coloca ao ensino superior: o “subfinanciamento crónico”. À margem do evento, explicou que, “ao longo da última década, o sistema de ensino superior nacional foi sujeito a quebras de receitas e a muitas despesas suplementares sem a devida compensação financeira através do Orçamento do Estado”. Com a subida da inflação e o advento da crise energética, a situação financeira de universidades e politécnicos agrava-se. Na Universidade do Porto, por exemplo, a fatura de gás em 2019 atingiu €300 mil, valor que disparou para €1,3 milhões apenas para os primeiros três meses deste ano. Sem receberem “contrapartidas estatais”, as instituições “dificilmente conseguirão ultrapassar estes sobressaltos”, considera Amílcar Falcão.
Sousa Pereira teme que, com falta de financiamento adequado, seja impossível que universidades e politécnicos possam investir “na capacitação e modernização” das instalações e equipamentos. E isso, refere a reitora do ISCTE, é fundamental. “Não há desfasamento entre o desenvolvimento das universidades e a modernização do país”, diz.
Marquês de Pombal transformou o ensino superior com reformas profundas nas ciências e com “enérgica modernidade”
Mais ciência, menos dogmas e novos equipamentos são três características das transformações encetadas pelo Marquês de Pombal, em 1772, no sistema de ensino superior. Exatamente 250 anos depois das reformas pombalinas mantêm-se alguns dos problemas da época e das décadas seguintes — as dificuldades no financiamento das instituições (ver texto) são disso exemplo.
O “gesto de enérgica modernidade” que a historiadora Ana Cristina Araújo atribui a Sebastião José de Carvalho e Melo deve-se, sobretudo, à “inovação curricular”, com a imposição do ensino da Filosofia e da Matemática em todos os cursos. Criou as Faculdades de Matemática e de Filosofia Natural, hoje química, e instalava-se, assim, a pedra basilar da ciência como a conhecemos: baseada na observação, na experiência e no raciocínio. Foi também nesta altura que surgiram equipamentos como o Observatório Astronómico, o Jardim Botânico ou o Gabinete de Física, que preserva ainda parte da história do ensino e da ciência em Portugal. “As reformas pombalinas constituíram uma evolução que colocou a Universidade de Coimbra naquilo que era a elite europeia do ensino superior”, considera o reitor, Amílcar Falcão. Tal como no século XVIII, continua a ser destes centros académicos que saem futuros líderes e cidadãos ativos que podem contribuir para o desenvolvimento nacional.
Desafios universitários
A importância do ensino superior, da ciência e da academia em Portugal foram os motes para o debate “Criar para renovar: os desafios do Ensino Superior”, organizado pela Universidade de Coimbra — ao qual o Expresso se associou —, e que integrou o programa das comemorações dos 250 anos das reformas pombalinas.
Textos originalmente publicados no Expresso de 16 de setembro de 2022
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