Projetos Expresso

Mobilidade é ter uma cidade de 15 minutos

Sustentável. Cidades pensadas para as pessoas abrem a porta à transformação das zonas urbanas e da forma como nos deslocamos. Inovação e investigação garantem competitividade do país

Fátima Ferrão

Em Cascais, os cerca de 210 mil munícipes podem escolher deslocar-se de bicicleta partilhada, de trotineta, em autocarros movidos a hidrogénio verde, ou de carro elétrico, sem dificuldade em encontrar estacionamento ou pontos de carregamento. A gestão desta micromobilidade sustentável pode ser feita por cada utilizador através da App MobiCascais, depois de descarregada e instalada em qualquer smartphone. O município foi um dos pioneiros nas soluções de mobilidade suave e na integração dos diferentes tipos de transporte, em nome da sustentabilidade da oferta, mas também da eficiência e da economia para o bolso dos contribuintes locais.

Não é exemplo único, mas, apesar da iniciativa de outros municípios, ainda há muito por fazer até que o grosso das cidades nacionais possam receber o rótulo de ‘smart cities’ ou para que cumpram o conceito de ‘cidade de 15 minutos’ — com serviços de proximidade e os percursos para o trabalho, a escola, as compras ou o lazer a não demorarem mais do que este período temporal. Em ambos os casos, o objetivo é ter cidades pensadas para pessoas, nas quais a sustentabilidade garante a qualidade de vida.

Micromobilidade é o futuro

Carlos Monteiro

Numa altura em que mais de metade da população mundial vive em cidades — número que em Portugal atinge os 65% — e que estes centros urbanos são responsáveis por 74% das emissões de carbono, a pressão pela mudança está a aumentar em nome da descarbonização e da melhoria da qualidade de vida dos habitantes. Junta-se o desafio de trocar o transporte individual poluente por opções coletivas e partilhadas, que sejam mais económicas e amigas do ambiente. Recorde-se que o Parlamento Europeu aprovou esta semana o fim da venda de veículos a combustão até 2035, uma medida integrada no pacote ‘Fit for 55’, e mais um fator de pressão que obriga a repensar a mobilidade.

Não obstante as mudanças verificadas em várias cidades portuguesas, com a oferta de opções de deslocação a crescer, o problema da interligação dos transportes continua a ser um entrave à mobilidade suave, especialmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), alerta que este problema é ainda maior quando falamos de agregados grandes. “Os passes família foram um primeiro passo importante, mas ainda chegam apenas a quem vive nas zonas de Lisboa ou do Porto.” Além disso, aponta, de nada servem os passes se não existe uma verdadeira interligação entre os transportes. A representante da APFN salienta ainda as dificuldades vividas pelas famílias no que toca a coordenar horários entre a entrada e saída do trabalho dos pais, e as agendas distintas dos filhos. “Faltam políticas de conciliação que permitam uma maior flexibilidade de horários”, diz. Sem estas mudanças estruturais, o único recurso possível continua a ser a utilização do carro particular, mais poluente e dispendioso.

Redescobrir o urbanismo de proximidade é, na opinião de Fernando Nunes da Silva, “fundamental para transformar a mobilidade nas cidades”. Com a pandemia, diz o professor no Instituto Superior Técnico, a maneira de viver das pessoas começou a alterar-se, “mas agora é preciso perceber como manter os novos hábitos adquiridos”.

Uma política de habitação acessível é outro elemento essencial para desenvolver a ideia da ‘cidade dos 15 minutos’. “O país, e cada cidade, têm que ser vistos como uma rede eficaz, com habitação, transportes, serviços e escolas”, defende Carlos Lobo. Para o advogado, o Estado terá que intervir na habitação para controlar os custos, uma mudança que determina o sucesso de uma cidade sustentável e inclusiva.

Inovação na base do bem-estar e da competitividade

Numa conferência recente, Miguel Eiras Antunes, partner da Deloitte Portugal, apresentava o país como detentor das condições ideais para ser um exportador de soluções de smart cities, graças à sua capacidade tecnológica e massa crítica. Ou seja, na opinião do consultor, esta é uma das áreas onde Portugal pode dar cartas através da inovação e diferenciar-se dos congéneres europeus. Mas há outras em que o país pode destacar-se e ganhar em competitividade e, em simultâneo, garantir a ambicionada transição energética e a sustentabilidade nas suas vertentes económica, ambiental e social. “Portugal tem o grande desafio de inovar de maneira sustentável para manter a vantagem competitiva”, começa por dizer Pedro Oliveira. Para o consultor e ex-CEO da BP, o sector energético é um daqueles em que o país pode tirar partido das condições geográficas para aumentar a produção nas renováveis, essenciais para dar resposta ao aumento no consumo de energia mundial, que deverá crescer cerca de 30% até 2050. Ainda assim, e apesar do cluster de conhecimento que Portugal soube desenvolver na última década, Pedro Oliveira não é tão otimista como o primeiro-ministro. António Costa, que afirmou recentemente que Portugal poderá ser uma plataforma no fornecimento de energia à Europa, agora que os países europeus procuram alternativas ao gás russo. Na opinião do consultor é uma frase “demasiado otimista”. Na sua perspetiva, “o jogo passa por diversificar fontes e geografias, sendo Portugal uma das opções”.

A hora da inovação made in Portugal

Carlos Monteiro

Mas, para que a inovação possa ser, de facto, um fator diferenciador do país perante a Europa e o mundo, é preciso garantir que há talento nas instituições e nas empresas. E, para tal, na opinião de Joana Mendonça, presidente da Agência Nacional de Inovação (ANI), é necessário apostar nas pessoas e na sua formação e qualificação. Uma opinião partilhada por Luís Veiga Martins, que acredita que este é o papel de instituições como a Nova SBE, onde é diretor de sustentabilidade. “Promovemos o trabalho conjunto entre os estudantes e as empresas, em projetos inovadores que ajudam a reter os melhores talentos em solo nacional.” Desta forma, acredita, os estudantes nacionais pensam duas vezes antes de trocar Portugal por outra localização, e os cerca de 60% de alunos estrangeiros naquela universidade ganham apetência para ficar depois de concluídos os estudos. “Portugal tem um conjunto de atrativos que contribuem para a atração e retenção de talento”, acredita o diretor da Nova SBE. No entanto, alerta Marcos Ramos, CEO da Star Genomics, “é fundamental dotar as empresas de melhores condições, que permitam captar e reter o talento essencial para a inovação”.

ADN inovador precisa-se

Num momento em que a transição energética é uma prioridade, a mobilidade sustentável é uma das peças essenciais neste puzzle de mudança. Os desafios de descarbonizar os transportes públicos e de integrá-los numa rede de micromobilidade são uma ‘dor de cabeça’ para os municípios. Do lado dos utilizadores, os custos da energia pesam na carteira, mas a principal opção continua a ser o transporte privado. O tema esteve em debate na conferência “Parar para Pensar: Mobilidade” e contou com a presença de Ana Cid Gonçalves, da APFN, Carlos Lobo, da Lobo, Vasques & Associados, Fernando Nunes da Silva, do IST, e de Jorge Leonardo, da REPER. Esta semana esteve também em debate a inovação, numa conversa que contou com Pedro Oliveira, consultor, Luís Veiga Martins, da NOVA SBE, e de Marcos Ramos, da Star Genomics.

Parar Para Pensar

Junho e julho são os meses que marcam o regresso do projeto Parar para Pensar, organizado pelo Expresso com o apoio da Deco Proteste. Este ano, o ciclo de conferências inclui temas como globalização, trabalho, mobilidade, inovação, saúde e media. Acompanhe os debates no online e veja as análises aos temas no semanário.

Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de julho de 2022

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