Recuperar, e aumentar, o nível de utilização dos transportes coletivos - perdido após os confinamentos e que se mantém até hoje - é, na opinião de Fernando Nunes da Silva, um dos desafios da mobilidade em Portugal. “A par com a necessidade crescente de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (de que o sector dos transportes é responsável por 16%)”, diz o professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST), que participará esta quarta-feira na conferência “Parar para Pensar: Mobilidade”, a terceira de um ciclo de seis, promovida pelo Expresso com o apoio da Deco Proteste.
Durante a pandemia, a utilização de viaturas particulares para as deslocações para o trabalho aumentou exponencialmente, muito pelo receio de estar em espaços fechados com muitas pessoas. E, como revela Fernando Nunes da Silva, a utilização dos transportes coletivos ainda não regressou aos níveis de procura de 2019. O professor acredita que a necessidade de reduzir a pegada de carbono faça com que as pessoas voltem a escolher o transporte público para se deslocarem, mas defende também que o aumento do preço dos combustíveis servirá igualmente como fator de motivação para a mudança, sobretudo para os não utilizadores habituais e a população jovem. “É importante conseguir que o transporte coletivo volte a ter a importância que teve nos anos 80 do século passado, isto é, na ordem dos 60%”, defende o professor. Recorde-se que, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2018, o nível de utilização dos transportes públicos era de 11,1% na Área Metropolitana do Porto e de 15,8%, na de Lisboa.
Carlos Lobo acredita que a aproximação do custo privado dos combustíveis ao custo social, que acontece pela primeira vez, é positiva. Na opinião do advogado, fundador da Lobo, Vasques & Associados, e que será um dos participantes na conferência da próxima quarta-feira, “atentos os desafios ambientais globais, teremos de considerar os preços dos combustíveis atuais como estruturais, o que significa repensar todo o modelo logístico subjacente”. E aqui, como em tudo, “quanto mais rápida e eficaz for a adaptação, maiores serão as vantagens alcançadas”, defende, mas alerta que os desafios têm que ser enfrentados com coragem e determinação, evitando distrações que impeçam de avançar para novas soluções. “E não serão estratégias paliativas temporárias que resolverão o problema central”, aponta.
Desafios para as famílias
O custo da mudança, seja ela qual for, recairá sempre sobre as famílias, para quem o peso da mobilidade representa uma grande fatia do orçamento mensal. As dificuldades são ainda maiores quando falamos de famílias numerosas. Ana Cid Gonçalves, secretária-geral da Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), destaca não apenas o custo dos transportes para estas famílias, mas também as questões logísticas que dificultam a vida de quem tem muitos filhos. “Quando as crianças são mais pequenas, o desafio são os horários dos pais e a necessidade de ir levar e buscar os filhos, por vezes até a várias escolas diferentes e que se encontram distantes entre si”. Nesta fase, diz, é praticamente impossível não ir de carro, e toda a organização da família está muito dependente das distâncias entre casa, escolas e trabalho.
“Não serão estratégias paliativas temporárias que resolverão o problema central da mobilidade”, diz Carlos Lobo, fundador da Lobo, Vasques & Associados
Mais tarde, quando os filhos já são mais crescidos e podem ter autonomia, os desafios estão relacionados com o custo dos transportes. “Com um mesmo rendimento, uma família com mais filhos e, consequentemente, com maiores encargos essenciais, tem maior dificuldade em fazer face aos custos dos transportes públicos”, reforça Ana Cid Gonçalves.
A constituição de passes familiares foi, nos últimos anos, uma das propostas da APFN, com vista a reduzir os encargos das famílias numerosas. Atualmente, estas modalidades já existem, mas apenas nas grandes cidades pelo que, afirma a secretária-geral, “ainda há muito a fazer neste campo”.
Parte desse trabalho caberá, essencialmente, aos municípios que, na opinião de Ana Cid Gonçalves, deverão adotar políticas de transporte escolar de apoio às famílias que deles necessitem. Além dos transportes mais convencionais, como o autocarro, “há já muitos países que têm programas como o bike to school ou o peddy bus, em que voluntários ou pessoas contratadas acompanham e supervisionam estas opções”.
Moderada por Marta Atalaya, jornalista da SIC, a conferência “Parar para Pensar: Mobilidade” abordará estas e outras temáticas sobre o desafio da mobilidade num mundo em mudança. Para ver, em direto através do Facebook do Expresso, a partir das 19h30.
era o peso dos transportes coletivos em Portugal na década de 80 do século XX. Em 2018, esta percentagem era de 11% no Porto e de 15% em Lisboa
O que é?
A conferência "Parar para Pensar: Mobilidade" é a terceira de um ciclo de seis, promovida pelo Expresso com o apoio da Deco Proteste, e que tem como objetivo pensar sobre temas estruturantes no pós-pandemia.
Quando, onde, e a que horas?
No dia 22 de junho, às 19h30, para assistir em direto na página de Facebook do Expresso.
Quem são os oradores?
- Ana Cid Gonçalves, secretária-geral, Associação Portuguesa de Famílias Numerosas
- Carlos Lobo, fundador, Lobo, Vasques & Associados
- Fernando Nunes da Silva, professor catedrático, Instituto Superior Técnico
- Jorge Leonardo, coordenador do Núcleo Transportes na REPER (Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia)
Porque é que este tema é central?
A mobilidade é uma das faces visíveis da transição energética, que tem como meta a descarbonização da economia e da sociedade até 2050, e uma das mais importantes para o cidadão comum. Com o preço dos combustíveis a atingir níveis nunca vistos, o tema torna-se ainda mais importante. As alternativas de mobilidade nas cidades já existem, mas com muitas limitações e sem conseguirem servir toda a população. O modelo da ‘cidade dos 15 minutos’, cujo conceito implica que cada pessoa não demore mais de 15 minutos nas suas deslocações entre casa e trabalho, apresenta-se como solução, mas levanta desafios, especialmente para as autarquias.
Onde posso assistir?
Simples, clicando AQUI