Projetos Expresso

“Consigo estar aqui e ter uma vida social e ter mundo”

O café de Videmonte é o ponto de encontro desta pequena aldeia com pouco mais de 400 pessoas. A água mantém-se como um dos ex-líbris, tal como o pão de centeio que Manuel ainda faz no forno a lenha de sua casa. Mas Videmonte não parou no tempo. O ano passado abriu um espaço de cowork da Aldeias de Montanha e já há quem lá passe o dia a trabalhar
O café de Videmonte é o ponto de encontro desta pequena aldeia com pouco mais de 400 pessoas. A água mantém-se como um dos ex-líbris, tal como o pão de centeio que Manuel ainda faz no forno a lenha de sua casa. Mas Videmonte não parou no tempo. O ano passado abriu um espaço de cowork da Aldeias de Montanha e já há quem lá passe o dia a trabalhar
José Fernandes

Centro. Videmonte é uma pequena aldeia a 20 minutos da Guarda, conhecida pelo pão e pela água. Vive muito do que a terra dá, mas tem uma dinâmica tão particular que mais parece um bairro de uma grande cidade

Ana Baptista

Joana nasceu em Lisboa, estudou Artes Plásticas nas Caldas da Rainha, apanhou fruta nas quintas de França e flores na Holanda, mas escolheu assentar em Videmonte, uma pequena aldeia a 20 minutos da Guarda, encavalitada entre montes e inúmeros ribeiros. Aliás, Joana, 30 anos, diz que foi lá parar por causa do pão, mas que foi a água que a fez ficar. “Vim cá em 2019 durante o Festival do Pão e, na altura, eu e o meu namorado andávamos à procura de quintas e de autonomia alimentar. Era julho, estava imenso calor e reparei que ainda estava tudo verde. Decidimos logo que era aqui, por causa da água”, conta. O vice-presidente da Junta de Freguesia, Afonso Proença, até diz que “há água a mais”, mas só porque não há pessoas que cheguem para trabalhar na agricultura e na pastorícia, duas atividades que se mantêm vivas na aldeia, não só para subsistência. “Quando trabalhava na construção chegava a casa e ia para a horta. Era como se fosse terapia”, conta Manuel Proença, 58 anos. Tanto assim era que quando deixou as obras dedicou-se à horta, à apanha de ervas aromáticas e ao fabrico de pão que depois vende na Guarda e em feiras por todo o país. Tudo com “levedura à moda antiga”, ovos das 23 galinhas que tem em casa e “azeite do bom”, explica. Joana também tem uma horta, galinhas — seis para já — e um galo, que se tornou agressivo e já tem destino: a panela.

José Fernandes
José Fernandes

Por isso é que no único café da aldeia — onde há um constante corrupio de pessoas de manhã à noite e onde Joana trabalha desde fevereiro — se diz que a lisboeta é uma lufada de ar fresco e a prova de que se pode ser feliz numa pequena aldeia, seja qual for a idade e a origem. Leonor nasceu lá, tem 11 anos, e a única coisa que não gosta em Videmonte é “ter de acordar às 6h30 da manhã para ir para a escola”. Tiago Tavares, de “21 quase 22 anos” e empregado numa empresa de ar condicio­nado na Guarda, garante que é feliz em Videmonte. “Se puder, não saio daqui. É a minha terra natal, mas também temos aqui um pouco de tudo. Temos o ar puro da serra [da Estrela], fazemos churrascadas em casa uns dos outros e, ao fim de semana, vimos aqui para o café até às 3 da manhã. Não precisamos de discotecas”, conta.Videmonte tem, de facto, uma dinâmica particular que mantém os que lá nasceram, atrai novos moradores e traz de volta os que imigraram ou saíram para estudar.

José Fernandes

“Mais valia ir para Videmonte”

Andreia Proença, de 27 anos, é um exemplo disso. Numa conversa ao telefone enquanto estava de férias nos EUA, a gestora de produto na Farfetch, conta que foi estudar para o Porto e acabou por lá ficar a trabalhar, mas depois veio a covid e “para estar fechada num quarto, mais valia ir para Videmonte, onde está a família”. A ideia era regressar ao Porto, mas depois decidiu ficar. “Percebi que consigo estar aqui e ter uma vida social e ter mundo. Não só a comunidade é muito próxima como estou a 20 minutos de uma capital de distrito onde há atividades culturais e ligadas à natureza. Além disso, pago uma renda muito baixa e o que não gasto nisso e numa vida de cidade permite-me fazer o que estou a fazer agora, que é viajar”, diz. Há cerca de 30 anos, já o seu pai, Manuel Proença, tinha feito o mesmo. “Vivi em Genebra, na Suíça, e não troco Videmonte por nenhuma cidade. Aqui há sossego, há convívio, há trabalho.” E também água — nos ribeiros afluentes do rio Mondego, nos oito chafarizes e na praia fluvial da Quinta da Taberna. Há pão e queijos artesanais, há solidariedade e apoio entre moradores e até já há, desde outubro de 2021, um espaço de cowork tão moderno como qualquer outro numa grande cidade, com wi-fi, cozinha e até dois quartos. Uma ideia que partiu do projeto Aldeias de Montanha, coordenado por Célia Gonçalves, e onde Andreia passa agora os dias a trabalhar. “Há aqui muita coisa boa”, diz a pequena Maria dos Anjos que, aos 96 anos, só se queixa de uma coisa: o toque gravado do sino da Igreja. “Já pedi para baixarem, mas depois dizem que não se ouve no resto da aldeia.”

José Fernandes

O que é o “Bairro Feliz”

O projeto

  • O “Bairro Feliz” é uma iniciativa do Pingo Doce, a que o Expresso se associa, e que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais ou grupos de vizinhos inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros. As ideias são depois analisadas por um painel de jurados e levadas a votação popular nas lojas.

As ideias

  • Enquadram-se em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; saúde, bem-estar e desporto.

O prémio

  • Inscreveram-se associações, IPSS, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas, e grupos de vizinhos com cinco pessoas. Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o projeto.

Os prazos

  • As candidaturas já terminaram e estão agora a ser avaliadas pelos jurados. Serão coladas nas lojas para votação de 10 de setembro a 22 de outubro.

Saiba mais

  • Em pingodoce.pt/bairrofeliz. E acompanhe no Expresso e na SIC.

Ideias para um bairro feliz

  • “Ter árvores nas ruas pode diminuir três graus a temperatura do ar”, diz a socióloga Luísa Schmidt
  • “É bom haver momentos recreativos, por exemplo, tirar os carros num fim de semana e ocupar as ruas com jogos”, sugere a engenheira Alexandra Monteiro

BAIRROS MAIS FELIZES

O que pode tornar os nossos bairros melhores? Que ideias novas, que projetos? O que precisamos para melhorar a nossa qualidade de vida? No segundo ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto “Bairro Feliz”, um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias. Acompanhe a nossa viagem ao longo dos próximos seis meses, do Continente à Madeira e aos Açores. Sempre nas páginas do Expresso.

Textos originalmente publicados no Expresso de 17 de junho de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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