Projetos Expresso

“Aqui, desço para comprar o pão e é logo tudo lindo”

Norte. A viagem pelos bairros felizes começa na Foz Velha, no Porto. Aqui, onde a traça antiga se mantém e o mar é importante, é o espírito de comunidade, o associativismo e o “ter tudo perto” que tanto atrai os moradores. Os novos e os velhos

Ana Baptista

Foi entre dicas sobre como cozinhar lampreia, enguia e até gaivota que a dona Fernanda nos contou a sua história. “Aos 27 anos já tinha sete filhos. Na altura não havia televisão, mas havia gira-discos e bailes”, diz com um sorriso maroto. Dos sete filhos, dois faleceram, mas os cinco que ficaram deram-lhe 17 netos, que mima com francesinhas e americanas quando vão lá a casa, uma pequena moradia amarela na Cantareira, a zona piscatória da Foz Velha, no Porto. Para esta fozeira, que ainda vive na casa onde nasceu há 77 anos, o bairro é especial, porque “temos a água”. E não é assim só para ela. “Aqui, saio à rua e tenho logo a praia. Desço para comprar o pão e é logo tudo lindo”, diz Fernanda Chalupa, diretora do Orfeão da Foz, uma associação recreativa com 106 anos.Aqui, o mar é importante. “Quando morrer, quero ir para o mar, para a Pedra do Gilreu. Em miúdos íamos a nadar até lá”, conta Luís Filipe Almeida. Este fozeiro de corpo e alma, nascido há 64 anos no “meio da Foz Velha”, agora mora em Gaia, “porque os preços aqui estão muito caros”, mas passa os dias de reformado na Foz. E, como ele, há Sebastião Campos, 72 anos, aficionado e tesoureiro do clube de minigolfe, ou Pedro Lopes, 43 anos, cozinheiro no restaurante 13% e assíduo na Cantareira. Para eles, o mar torna a Foz mais bonita, mas são as pessoas e a comunidade que os fazem voltar. “A Foz tem uma vida associativa muito ativa”, diz Jorge Cunha, o ponderado pároco da Igreja Matriz.

No Orfeão, por exemplo, há ensaios do Grupo de Cantares Regionais e do grupo de teatro, aulas de danças de salão, uma faculdade sénior, jantares dançantes e campeonatos de subúteo (o jogo de futebol de mesa com figuras humanas em miniatura). “E ao sábado temos sempre de ter cartas e cerveja”, conta Álvaro Cardoso, outro membro da direção. Não muito longe, numa escola primária junto à Fortaleza de São João da Foz, está a Academia de Danças e Cantares; e mais acima há o Paraíso da Foz, um clube desportivo com 85 anos de vida, e o estádio do Futebol Clube da Foz, que já soma 88 anos. Nestas associações juntam-se novos e velhos, atuais e ex-moradores, e até gente de outros bairros. Clementina Delgado, 48 anos, veio de Trás-os-Montes para o Porto fazer a faculdade e agora é a modista responsável por alguns dos trajes de papel para o Cortejo de São Bartolomeu, a principal festa religiosa da Foz. “Sou completamente apaixonada por este projeto. Aqui podemos exuberar tudo”, confessa com um brilho nos olhos. E o pequeno mas enérgico Toni Montana, 58 anos, nasceu na Ribeira, vive na Pasteleira, mas passa os dias na esplanada improvisada do Paraíso. São duas mesas e umas cinco cadeiras de plástico vermelho já gasto pelo sol, assentes numa estrada desnivelada entre um carro e uma casa quase em ruínas.

Mas a Foz Velha é assim: um bairro que mantém a traça original da aldeia que foi até ao século XIX. Há ruas estreitas, moradias baixas, roupa no estendal, grelhadores à porta de casa à espera do São João, minipalacetes que eram antigas casas de veraneio, e, claro, o rio e o mar, sempre ali, em pano de fundo. E depois há a praia, jardins, escolas e “tudo o que precisamos sem precisar de sair de carro”, conta Francisco Rio, 51 anos, que cresceu na Foz e ali se manteve em adulto com a família. Tal como fez Tiago Mayan Gonçalves, 45 anos, orgulhoso fozeiro e presidente da União de Freguesias de Lordelo do Ouro, Foz e Nevogilde.Apesar do nome — Foz Velha —, este não é um bairro de velhos. Armando tem 24 anos e desde os 14 que toca guitarra no Grupo de Cantares do Orfeão. Ainda não sabe quando sairá da casa dos pais, mas uma coisa é certa: “Gostava de ficar a morar na Foz.” Claro que, como em todos os bairros, há problemas. Há casas degradadas e com infiltrações, onde as rendas pouco passam dos €60, e outras que já foram recuperadas e têm rendas de €500 ou mais. Há ruas esburacadas e zonas onde “só há seis anos é que fizeram saneamento”.

Mas já aqui estabelecemos que não há bairros perfeitos e que o que procuramos são bairros felizes, onde os seus moradores se sintam bem. E a Foz Velha “é o melhor sítio para se viver. É quase como um segredo”, confidencia Francisco Rio. “Não contem a ninguém.”

Ideias para um Bairro Feliz

  • “Os orçamentos participativos podiam ser alargados a comissões de moradores”, diz o sociólogo João Teixeira Lopes
  • “Ter uma boa rede de internet ou wi-fi gratuito num jardim pode ser um critério para um bairro feliz”, nota o psicólogo António Fonseca

O projeto

O que é?

O “Bairro Feliz” é uma iniciativa do Pingo Doce, a que o Expresso se associa, e que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida nos bairros portugueses. Para isso é lançado um desafio onde entidades locais ou grupos de vizinhos inscrevem projetos “que promovam um impacto positivo” nos seus bairros. As ideias são depois analisadas por um painel de jurados e levadas a votação popular nas lojas.

As ideias

Têm de se enquadrar em seis áreas: ambiente; apoio animal; apoio social e cidadania; cultura, património, turismo e lazer; educação; saúde, bem-estar e desporto.

As candidaturas

Podem inscrever-se associações, IPSS, fundações, cooperativas, entidades públicas ou privadas, e grupos de vizinhos com cinco pessoas. Cada vencedor ganha até €1000 para desenvolver o projeto.

Os prazos

As candidaturas arrancaram a 19 de abril e terminam a 2 de junho.

Inscrições e regulamento

Pode saber mais em AQUI. E acompanhe no Expresso e na SIC.

Bairros mais felizes

O que pode tornar os nossos bairros melhores? Que ideias novas, que projetos? O que precisamos para melhorar a nossa qualidade de vida? No segundo ano consecutivo, o Expresso associa-se ao projeto Bairro Feliz, um desafio lançado pelo Pingo Doce a todos os bairros, a todos os vizinhos, para descobrirem e apostarem em novas ideias. Acompanhe a nossa viagem ao longo dos próximos seis meses, do continente à Madeira e aos Açores. Sempre nas páginas do Expresso.

Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de maio de 2022

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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