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O Estado não garante futuro, não gaste tudo antes do tempo

c. 1958
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Com a pandemia, as poupanças dos portugueses aumentaram, mas o cenário é apenas conjuntural: a previsível subida das taxas de juro, o aumento da idade da reforma e o crescimento da inflação vão ser determinantes quando chegar o fim da vida ativa. Ao longo das próximas semanas, o Expresso e o BPI debatem a reforma e a poupança em Portugal

“A Segurança Social não tem um problema de sustentabilidade de pagamento de reformas. O problema está no valor futuro das reformas, que serão muito baixas.” A previsão é do ex-ministro do Trabalho e Segurança Social, Pedro Mota Soares, que deixa um aviso quanto à taxa de substituição – valor calculado entre o último salário e o valor da pensão atribuída pelo Estado. “Vai ser um problema para os portugueses que não tiverem outro tipo de poupanças”.

Estimular a poupança. Este é um dos principais desafios que Portugal – e o Governo – enfrentam. Tendo um índice de envelhecimento elevado, a população ativa será cada vez menor, o que terá implicações diretas no valor das pensões. Por isso, diz Mota Soares, é essencial começar a poupar cedo e não gastar demasiado, porque as pensões dificilmente serão próximas do salário auferido durante a vida ativa. Trata-se de uma discussão fundamental, nem sempre abordada no espaço público: “É um desafio bastante ausente, por exemplo, da campanha eleitoral, e dos média”

Por outro lado, lembra Mota Soares, “temos no horizonte uma segunda questão que não estávamos habituados a pensar: a inflação e subida de taxas de juro, que tem grande impacto na poupança e aforro para o futuro. Ao mesmo tempo, já vimos que a idade da reforma baixou durante a pandemia, mas depois vai retomar a sua lógica de subida. E isso reforça a necessidade de encontrar estímulos à poupança em Portugal.”

Mas afinal qual é a idade aconselhada para começar a poupar? Preferencialmente, diz o ex-ministro, “quando entramos no mercado de trabalho”. “Temos de ter consciência para aforrar e salvaguardar o futuro, embora quem entra num mercado de trabalho, com vencimento baixo, não tem facilidade de aforro. Mas é nessa altura que se deve pensar, talvez um pouco mais tarde”. Seja como for, “é importante que o façam assim que for possível. Numa carreira longa não serão os últimos cinco anos que vão aforrar o futuro.”

António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, olha para a questão da poupança como “uma ilusão”, sobretudo pensando na poupança alcançada pelas famílias durante a pandemia. “Em Portugal falta uma verdadeira política de rendimentos”, diz, enunciando o “peso dos impostos e o custo de vida” como fatores decisivos que esvaziam os bolsos dos contribuintes. “É preciso uma grande ginástica financeira para se conseguir poupar”, afirma. O provedor levanta ainda outra questão: “Temos das gerações mais bem preparadas de sempre com salários impossíveis de competir com os valores praticados no estrangeiro. Se antes as pessoas emigravam porque eram  pobres, hoje fazem-no porque são qualificadas e não ganham o suficiente.”

A questão dos salários, essa sim, tem sido muito debatida nos últimos tempos, e foi um dos temas centrais da campanha eleitoral das legislativas. O aumento anunciado do salário mínimo para €700 até pode ser uma boa notícia – embora o provedor considere o valor “uma miséria” – mas a questão é se o país aguenta um salário mínimo de €1000 euros. António Tavares fala em mudanças estruturais: “É preciso também aliviar a carga fiscal que está a asfixiar a classe média. Muitas vezes, receber um aumento da entidade empregadora pode não compensar, porque esse aumento vai ser comido pelo Estado”, afirma, alertando para a necessidade de “aliviar a carga fiscal da classe média”.

Mesada

Voltemos à idade indicada para começar a poupar. António Tavares diz que se trata de um hábito que deveria estar enraizado desde os tempos da mesada, ou seja, na adolescência. Numa fase mais avançada, já a trabalhar, o provedor diz que o ideal será conseguir colocar de lado “entre 10 %a 15%  da remuneração”. Claro que as desigualdades da própria sociedade constituem fortes entraves ao aforro. “Há muitas famílias cujas crianças, desde que nasceram até aos 18 anos, viveram sempre com Rendimento Social de Inserção. Pedir a estas pessoas para poupar é pedir muito, mas a dinâmica da poupança tem de começar cedo.”

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