Ser ou não ser renovável? Já não é questão

Transição. O momento que o mundo atravessa é “um beco sem saída em termos de alterações climáticas”. Por isso, “não há que ter hesitações”, a descarbonização “é a aposta certa”. Mas há muito a fazer
Transição. O momento que o mundo atravessa é “um beco sem saída em termos de alterações climáticas”. Por isso, “não há que ter hesitações”, a descarbonização “é a aposta certa”. Mas há muito a fazer
Jornalista
Portugal foi um dos primeiros países da Europa a apostar na produção de eletricidade através de fontes renováveis, já lá vão mais de 20 anos. Mas se, primeiro, essa aposta foi contestada porque onerava os consumidores, agora existe aprovação e incentivo. Porque “as alterações climáticas aceleraram a transição energética” de tal forma que “hoje as renováveis têm custos inferiores às tecnologias fósseis” e são “a forma de baixar os preços da eletricidade”, diz João Peças Lopes, professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
Aliás, para o secretário de Estado da Energia, João Galamba, apesar dos aumentos recorde que se têm verificado no mercado grossista — onde se compra a eletricidade para vender aos consumidores —, essa redução de preços, por via das renováveis, vai ser evidente, no mercado regulado, já em janeiro de 2022. “Tínhamos energia renovável, ligada a contratos de tarifa fixa, que estava acima dos valores no mercado grossista, mas, com esta alta de preços, a situação inverteu-se e o sobrecusto que havia, na ordem dos €1500 milhões por ano, passou a superávite. Isto permitiu que, em 2022, o impacto [do aumento dos preços grossistas] seja quase nulo para os domésticos e que as tarifas de acesso às redes para os industriais desçam 94%”, explica João Conceição, COO da REN.
Mas a aposta nas renováveis implica desafios, diz Peças Lopes. “É uma tecnologia variável, que traz questões de segurança de abastecimento”, para as quais é preciso “encontrar soluções, como a capacidade de armazenar a eletricidade que se produz através de renováveis e não se consome no imediato” ou “ajustar consumos para os períodos em que as renováveis estão a funcionar mais”, sugere.
Por isso é que Rodrigo Costa, CEO da REN, ressalva a importância do Prémio REN, entregue esta segunda-feira, num evento que contou com um debate sobre preços de energia e descarbonização. “Estamos num beco sem saída em termos de alterações climáticas, precisamos de inovação e todos nós precisamos muito daquilo que nos possam trazer”, diz. De facto, uma das teses vencedoras estuda a expansão das redes tendo em conta o aumento de consumo por via dos carros elétricos; outra avalia a possibilidade de produzir hidrogénio através de parques
eólicos em alto mar; e outra ainda analisa de que forma o armazenamento pode baixar os preços.
Mas, como referiu o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, “a questão energética não é só tecnológica”. E João Conceição concorda: “O funcionamento dos mercados grossistas tem de ser reavaliado, porque está construído com base numa realidade tradicional”, quando “agora temos fontes de energia com custos variáveis [as renováveis]”.
Rafael Pereira, vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e presidente da Associação dos Industriais Metalúrgicos Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP), concorda com a descarbonização, mas considera que a União Europeia está a avançar sem dar tempo nem apoios suficientes às empresas. É que, afirma, o sector é composto por muitas micro e pequenas empresas, com menos capacidade de investimento, e que, além da transição energética, têm pela frente a transição digital. Adicionalmente, em 2021, têm estado a lidar com o aumento dos preços de energia. Os combustíveis atingiram recordes e dispararam os custos de transporte e logística. No gás, “uma empresa do sector têxtil passou de uma fatura de €100 mil para €400 mil”, conta. Já na eletricidade, lembra que, em março de 2020, um grupo de empresas de metalurgia fez um contrato de longo prazo de compra de energia a €55/MWh, mas no geral estão “a comprar [no mercado grossista] a €212/MWh e já esteve a €281/MWh”. Ou seja, o aumento foi tão significativo que nem a já referida descida de 94% nas tarifas de acesso — que se somam ao custo da energia — chega para a conta final voltar ao pré-covid.
João Galamba concorda que a indústria tem feito um esforço e, em resposta ao pedido de Rafael Pereira para reforçar os fundos para a descarbonização disponíveis no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), assegurou que esse aumento está previsto. Mas avisou que é acelerando a transição energética e a aposta nas renováveis que o país (e a indústria) se torna menos dependente do gás, dos combustíveis fósseis e menos condicionado por questões geopolíticas internacionais. “Estamos reféns das economias mais carbonizadas”, concorda Rafael Pereira.
Para a indústria atenuar o aumento da conta de energia, ao mesmo tempo que se protege da volatilidade dos preços, João Galamba dá sugestões além dos contratos de longo prazo. “Pode fazer PPA [contratos de compra de eletricidade a produtores renováveis], pode instalar painéis solares nos telhados e terrenos para autoconsumo”, diz, lembrando que esses projetos foram agilizados pelo Governo e que agora dispensam aprovação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). De tal forma que, este ano, “tivemos uma subida galopante. Até ao início de setembro tínhamos instalado 200 MW de autoconsumo, comparado com os 30 MW instalados no ano passado”, conclui.
Nesta 26ª edição dos Prémios REN foram entregues seis prémios e mais quatro medalhas de mérito científico para estudantes e mulheres de países africanos de língua portuguesa, que resultam de uma parceria entre a REN, o Centro Ciência LP e a Fundação para a Ciência e Tecnologia
Fabian Heymann, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)
Trabalho: “Modelos de Difusão no Planeamento e Políticas dos Sistemas Elétricos”
1º prémio (€25 mil): Pedro Gonçalo da Silva, FEUP
Trabalho: “OPF Robusto”
2º prémio (€15 mil): Tiago José Torres, FEUP
Trabalho: “Comparação entre o Reforço Tradicional das Redes e o Uso da Flexibilidade DER”
3º Prémio (€10 mil): Nassir Rodrigues Cassamo, Instituto Superior Técnico (IST)
Trabalho: “Aplicação do Modelo de Controle Preditivo na Direção das Esteiras: Abordagem de Decomposição do Modo Dinâmico Koopman”
Tiago José Lucas, IST
Trabalho: “Viabilidade da Energia Eólica para a Produção de Hidrogénio: O Caso de Estudo da WindFloat Atlantic”
Inês Reis Gaspar, IST
Trabalho: “Uso de Sistemas de Armazenamento de Energia em Mercados de Eletricidade”
Jovens Investigadores
1º Prémio (€5000): Denis Albertino dos Santos, Cabo Verde
Trabalho: Tese de Mestrado em Engenharia Eletrotécnica — Energia e Automação Industrial (2020), com o título “Otimização do Trânsito de Potência da Rede de Média Tensão (MT) com Tecnologia de Armazenamento na Ilha do Sal (Cabo Verde)”
2º Prémio (€2500): Adyler Frota, São Tomé e Príncipe
Trabalho: Tese de Mestrado Integrado em Engenharia da Energia e de Ambiente (2020), com o título “Otimização do Desempenho Ótico de Amostras de Silício Cristalino por Metal Assisted Chemical Etching (MACE)”
1º Prémio (€5000): Felicidade Pemba Kinzo Garcia, Angola
Trabalho: Tese de Mestrado em Engenharia Elétrica (2020), com o título “Controle de um Retificador Regenerativo PWM Trifásico”
2º Prémio (€2500): Luzia Mendes Oliveira, Cabo Verde
Trabalho: Tese de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas de Desenvolvimento Sustentável (2018), com o título “A Sustentabilidade do Desenvolvimento em Cabo Verde no Contexto dos Pequenos Estados Insulares: A Política Pública de Energia”
Textos originalmente publicados no Expresso de 11 de dezembro de 2021
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