Adaptação, a nova palavra de ordem

Transformação. O sector do retalho já estava a mudar e a pandemia, que já dura há 16 meses, trouxe um novo fator de alerta: a incerteza. A capacidade de reação tem, por isso, de ser maior e mais rápida
Transformação. O sector do retalho já estava a mudar e a pandemia, que já dura há 16 meses, trouxe um novo fator de alerta: a incerteza. A capacidade de reação tem, por isso, de ser maior e mais rápida
Se quisermos sumarizar todas as inovações que têm surgido no sector do retalho nos últimos anos e, em particular, no último ano e meio — o da pandemia — não o conseguíamos fazer em apenas uma frase. Nem sequer num parágrafo. São muitos os exemplos. Dois para começar: o Continente abriu uma loja autónoma em Lisboa, ou seja, um supermercado sem caixas de pagamento e onde basta entrar, pegar no que se quer e sair (ver coluna ao lado para perceber como). O Minipreço vai abrir darkstores para reforçar o comércio online e tornar as entregas mais rápidas, diz a diretora comercial do grupo Dia Portugal, Helena Guedes. O que faz sentido, porque o comércio online no retalho alimentar “triplicou no primeiro trimestre deste ano”, sendo usado por 23% das famílias, diz Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED.
Outro exemplo é uma loja da Sonae, esta no Porto, onde um carrinho de supermercado com sensores identifica o que está mal arrumado e o que está em falta, facilitando a gestão, explica Liliana Ferreira, diretora da Fraunhofer Portugal, o centro de investigação que desenvolveu este protótipo. Há também, e cada vez mais, lojas online com provadores digitais e armazéns equipados com sistemas de inteligência artificial para antever roturas de stock, conta Miguel Veloso, diretor sénior da Accenture Portugal.
O rol de inovações tecnológicas não pára e não vai parar e o sector está cada vez mais digital e tecnológico, até porque isso tem ajudado a reagir às mudanças dos hábitos de consumo, à preocupação pela sustentabilidade e, claro, à pandemia. “Não há uma batalha entre o físico e o digital. Há necessidades imediatas para as quais o online serve mas, por exemplo, na roupa não há nada como a realidade”, diz, por sua vez, Vasco Portugal, CEO da Sensei, a startup portuguesa que desenvolveu o conceito tecnológico da loja autónoma do Continente. Aliás, segundo Miguel Veloso, o que vai acontecer é um equilíbrio entre o físico e o digital. Uma opinião partilhada por Liliana Ferreira, para quem “a tecnologia serve para ajudar as pessoas e não para as substituir”. E serve também para ajudar os funcionários e as empresas, por exemplo, “na previsão da procura, na redução do desperdício e na adaptação rápida às novas exigências dos consumidores”.
A loja autónoma criada pela Sensei é um exemplo. “Ninguém gosta de estar em filas e aqui não há filas, e como temos sensores espalhados por todo o espaço, esta será a loja mais arrumada de sempre e sem quebra de stock”, garante Vasco Portugal. Além disso, as evoluções no digital não pretendem excluir o consumidor ou as empresas mais tradicionais. Mesmo que não façam usufruto dela num primeiro momento, “a sociedade está cada vez mais digital”, diz Miguel Veloso, e “as infraestruturas, como o 5G, estão a acompanhar a evolução da tecnologia”, repara Gonçalo Lobo Xavier. E até há algumas surpresas: “A primeira cliente da loja autónoma foi uma senhora com mais de 80 anos que já tinha a aplicação no telemóvel e estava ansiosa para experimentar”, conta Vasco Portugal.
O diretor-geral da APED foi um dos convidados do CEO Retail Forum, uma iniciativa da Accenture e do Expresso que decorreu esta quarta-feira em formato online e presencial, num programa na SIC Notícias. Além dos nomes já referidos em cima, estiveram presentes Manuela Vaz, vice-presidente da Accenture Portugal, Elena Aldana, diretora-geral internacional da Mercadona, e Luís Teixeira, da Farfetch. E entre todos não há dúvida de que, atualmente, a palavra de ordem do retalho é adaptação. Não só à pandemia, mas também às preocupações com a sustentabilidade e com a ética das empresas e ainda adaptação às mudanças de hábitos dos consumidores e todas elas aceleradas e enfatizadas com a covid-19.
Neste momento, no Minipreço, “quase 50% das vendas são feitas com produtos de marca própria”, afirma Helena Guedes, o que levou a empresa a melhorar e aumentar a disponibilidade destes artigos. Depois, diz Gonçalo Lobo Xavier, perante um aumento da preferência dos consumidores pelo comércio tradicional, a maior parte das aberturas de 2020 foram lojas de proximidade, mesmo das grandes marcas de retalho alimentar. E há ainda a preocupação com o ambiente, não só nos produtos, mas também nas empresas, que os consumidores de hoje exigem que sejam mais sustentáveis e éticas. E tudo isto com preços adequados. Ou seja, é um “pano de fundo muito complexo”, este com que o retalho tem de lidar atualmente, remata Manuela Vaz.
A pandemia alterou hábitos de consumo e acelerou algumas das mudanças tecnológicas já previstas
Lojas sem caixas
São no retalho alimentar e há dois tipos: lojas autónomas e scan & go. Em ambas é preciso ter uma aplicação no telemóvel, não há caixas de pagamento e basta pegar nos produtos e sair, porque o valor é descontado na aplicação. Mas há diferenças. Nas scan & go, o consumidor usa o telefone para passar o código de barras dos produtos e nas lojas autónomas há sensores espalhados que fazem isso.
Vinhos e chocolates
Os produtos mais comprados no retalho alimentar alteraram-se não só desde que começou a pandemia, mas também do primeiro para o segundo confinamento. No primeiro confinamento, compraram-se muitos colorantes de cabelo e farinhas, mas no segundo as preferências foram para os vinhos, chocolates e acessórios para animais.
Click & collect
O aumento do comércio online fez crescer a função click & collect, ou seja, os espaços onde se levanta o produto comprado online. E num futuro próximo pode haver espaços só para levantamento deste tipo de mercadoria.
Provadores virtuais
Com as lojas de retalho não-alimentar fechadas, as marcas tiveram de recorrer ao digital e à tecnologia. Por exemplo, a H&M criou provadores virtuais para experimentar a roupa online; a Massimo Dutti tem uma aplicação com realidade aumentada para experimentar sapatos, e a Chanel criou o Chanel Try On, que permite experimentar maquilhagem de forma virtual.
Ambiente e ética
Aumentou também a procura por éticos, obrigando a escolher os fornecedores “tendo em conta a diversidade e inclusão”, diz Miguel Veloso, da Accenture. E continua a procura pela sustentabilidade no produto em si e no abastecimento, obrigando a fazer alterações na logística, no tipo de embalagens e na redução dos desperdícios.
“Lojas escuras”
Também por causa do crescimento do comércio online estão a surgir darkstores (“lojas escuras”), ou seja, lojas sem atendimento ao público e que só servem para fornecer as compras online. Segundo Miguel Veloso, algumas lojas físicas podem mesmo ser convertidas nestes centros de abastecimento de encomendas online.
Textos originalmente publicados no Expresso de 2 de julho de 2021
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes