"Será crucial que o Ministério da Economia retome a tutela conjunta da saúde"
Rui Duarte Silva
A propósito do Prémio Bial de Medicina Clínica 2020, que será entregue esta quinta-feira numa cerimónia organizada em parceria com o Expresso, falámos com Luís Portela, três dias depois de ter deixado a presidência da empresa e assumido a presidência da Fundação Bial, criada precisamente para gerir os prémios e desenvolver atividades de apoio à ciência e à investigação em saúde
Estamos num momento de viragem no mundo e na medicina em particular. A investigação é agora mais importante que nunca?
Não sei se se deve dizer que “a investigação é agora mais importante que nunca”, mas penso que, no período de crise pandémica que atravessamos as pessoas percebem a grande importância da investigação em saúde para a resolução da situação. E, talvez por isso, atualmente se ouçam frases como essa. O que me parece mais importante é que as pessoas em geral, e os governantes europeus (e portugueses) em particular, percebam que a saúde tem, nos últimos anos, sido asfixiada por políticas orçamentais estritamente focadas no imediato, mas que não servem os superiores interesses das populações. É preciso que existam políticas equilibradas que permitam fazer os investimentos necessários à investigação e encontrar soluções mais apropriadas para a saúde das pessoas. Porque a investigação em saúde é muito importante para a melhoria das condições de saúde e de vida das pessoas. E tem sido de uma enorme importância. Os seus resultados, em medicamentos, dispositivos médicos e cuidados possibilitaram que a esperança média de vida à nascença na Europa passasse de cerca de 40 para 80 anos no último século. Claro que houve outros fatores que contribuíram para isso, mas o sector da saúde foi absolutamente crucial para que as pessoas vivam mais e com mais qualidade.
“A investigação em saúde tem sido de uma enorme importância. Os seus resultados, em medicamentos, dispositivos médicos e cuidados possibilitaram que a esperança média de vida à nascença na Europa passasse de cerca de 40 para 80 anos no último século”, refere Luís Portela, presidente da Fundação Bial
Porque é que é tão caro e tão difícil fazer investigação? É mais difícil em Portugal? Precisamos de mais apoios?
A investigação em saúde e, sobretudo, a investigação em medicamentos inovadores, é muito dispendiosa porque envolve peritos altamente qualificados, necessita de tecnologias e equipamentos altamente diferenciados e tem um ciclo muito longo, demorando-se dez ou mais anos desde que se sintetiza uma nova molécula até se chegar ao mercado com o novo medicamento que dela resulta, tendo comprovado a sua eficácia e a ausência de efeitos secundários significativos. Em Portugal foi mais difícil, porque nunca ninguém o tinha feito, não havia hábitos de inovação no sector, nem peritos traquejados. Agora que Bial levou ao mundo dois medicamentos inovadores e se prepara para levar o terceiro, penso que poderei dizer, com satisfação, que é tão difícil em Portugal como nos outros países. Mas isso só será verdade se as políticas de saúde tiverem em consideração as necessidades de investimento que permitam a concretização da inovação. Os apoios nesse sentido serão bem-vindos, mas, antes disso, é necessário um maior equilíbrio na definição de políticas, pelo que será crucial que o Ministério da Economia retome a tutela conjunta da saúde como aconteceu ao longo de todo o século XX e se perdeu a partir de 2012.
As distinções e prémios também ajudam…
Esse é o outro tipo de investigação que também permite melhorar os cuidados de saúde prestados aos doentes e o conhecimento que temos das próprias doenças. Os trabalhos galardoados no âmbito do Prémio Bial de Medicina Clínica acompanharam a evolução e as tendências da investigação na medicina, estudando temas relativos às doenças civilizacionais emergentes, como a obesidade, o cancro, a depressão e as doenças geriátricas. Mais recentemente foram distinguidos estudos na área da genética, da medicina molecular, da imagiologia funcional, das terapias substitutivas e das terapias regenerativas. É muito gratificante, através da fundação Bial, apoiar esta investigação que se faz nas universidades, nos centros de saúde e nos hospitais.
Agora que assume a fundação a tempo inteiro e dado o seu gosto especial pela área da investigação, pretende reforçar os apoios e/ou os prémios?
A fundação Bial tem desenvolvido iniciativas de interesse público como os seus três prémios – Prémio Bial de Medicina Clínica, Bial Award in Biomedicine e Prémio Maria de Sousa – , as suas bolsas de investigação em Psicofisiologia e Parapsicologia – com as quais já beneficiámos mais de 1.600 investigadores em 29 países – e ainda os simpósios bienais “Aquém e Além do Cérebro”. A nossa primeira preocupação é robustecer estas atividades, procurando criar condições para que os seus resultados sejam cada vez mais eficazes, no benefício das populações. Se nos for financeiramente possível, procuraremos reforçar essas atividades.
Rui Duarte Silva
O que é que esta pandemia já mudou e vai ainda mudar na medicina, na forma como se exerce e se investiga e na forma como se gerem os serviços de saúde e as farmacêuticas?
Esta pandemia veio mostrar a necessidade de os governos europeus (incluindo o português) criarem condições de atractividade para o investimento em saúde, contrariando a tendência dos últimos anos de deslocalização da produção para o Oriente e de deslocalização da investigação para os EUA. Também veio acentuar a necessidade da saúde ser gerida tendo em atenção as soluções de médio e longo prazo, o planeamento e a prevenção. E isto deverá ser feito utilizando os recursos mais apropriados, nomeadamente na área informática, sempre com o foco de melhor servir os interesses da saúde das pessoas. Simultaneamente tem sido também notória a capacidade de colaboração entre as diferentes entidades públicas e privadas na busca de uma solução para a pandemia. A fundação Bial, enquanto impulsionadora da investigação científica, há muito que tem também feito e procurado incentivar este caminho de colaboração. Esperemos que os novos hábitos de colaboração surgidos durante a pandemia se mantenham no futuro.
Como é que vê a rapidez com que a vacina foi desenvolvida? Um avanço ou um risco? Será a causa dos problemas que têm sido encontrados em algumas das marcas?
As vacinas que estão disponíveis no caso da covid-19 foram desenvolvidas em tempo recorde, mostrando uma grande capacidade de resposta da indústria e da área da saúde em geral. Acresce que se têm revelado eficazes. É verdade que, nalguns casos, tem havido efeitos laterais absolutamente indesejáveis, embora em muito pequena percentagem, e espera-se que essas situações indesejáveis sejam rapidamente corrigidas. A passagem do tempo ajudará, como é normal, à melhor compreensão das situações e ao seu ajuste. Será ainda de valorizar o facto de estarem a ser estudados mais de uma centena de novos medicamentos, com o objetivo de anular os efeitos e, se possível, a própria eclosão da doença. Mas o processo de concretização de um novo medicamento é sempre mais longo que o de uma nova vacina.
Prémio Bial de Medicina Clínica
O que é?
Criado em 1984 e entregue de dois em dois anos, o prémio Bial de Medicina Clínica distingue uma “obra intelectual, original, de índole médica, com tema livre e dirigida à prática clínica, que represente um trabalho com resultados de grande qualidade e relevância”, pode ler-se no site da empresa portuguesa. O vencedor recebe um prémio de €100 mil, sendo ainda atribuídas duas menções honrosas no valor de €10 mil cada. Apesar de ser um prémio gerido pela Fundação Bial, a fundação não tem qualquer interferência na escolha dos vencedores. Esse trabalho é feito por um júri autónomo e independente, constituído por representantes dos conselhos científicos das faculdades de Medicina portuguesas.
Quando, onde e a que horas?
Dia 29 de abril, quinta-feira, às 12h00 no Facebook do Expresso, transmitido a partir da Ordem dos Médicos, em Lisboa.
Quem vai estar presente (além dos vencedores)?
Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães;
Presidente da Fundação Bial, Luís Portela;
Presidente do júri do Prémio Bial, Manuel Sobrinho; Simões;
Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
Porque é que este prémio e este encontro são centrais?
A investigação em saúde é uma das grandes responsáveis pela melhoria da saúde, das condições de vida e da esperança média de vida das populações. Este prémio, bem como outros galardões ou bolsas, são importantes para que continue a haver essa investigação, um trabalho que é longo, detalhado e dispendioso.