Quer ver as ruínas subaquáticas no Mar Adriático? Agora está ao alcance de qualquer um, como num jogo
Um mergulhador recolhe imagens para criar o modelo 3D da aeronave alemã Junkers da Segunda Guerra Mundial ao largo da ilha de Zirije, na Croácia
Tea Katunaric
Um projeto que reuniu o Montenegro, a Croácia e a Bósnia e Herzegovina quis alertar para a existência do património cultural subaquático, transformá-lo num produto turístico valorizado e promover a sua inclusão aquando da definição de políticas públicas
A 24 de fevereiro de 1915, durante a Primeira Guerra Mundial, o famoso navio de guerra francês Dague estava ancorado no porto da cidade de Bar, no Montenegro, quando uma mina austro-húngara o atingiu e o afundou. Normalmente, os seus destroços estariam apenas acessíveis aos mergulhadores, mas através de uma app de realidade virtual qualquer um pode hoje visitar este navio e outros pontos de interesse cultural debaixo do mar.
Na costa que se estende entre a Croácia e o Montenegro, o património cultural subaquático é vasto, passando por um navio da era romana, uma aldeia afundada, um avião da Segunda Guerra ou uma gruta natural. Contudo, “há muitas disparidades entre a Croácia, o Montenegro, a Albânia e a Grécia, relativamente ao desenvolvimento do turismo de mergulho e ao reconhecimento do património cultural subaquático como uma fonte de atração turística, assim como o nível de proteção e sensibilização para esta cultura”, explica Darko Kovacevic, docente e investigador no Centro de Arqueologia e Instituto de Estudos Interdisciplinares e Multidisciplinares da Universidade de Montenegro.
Para valorizar este património e torná-lo num produto turístico apelativo, o projeto Wrecks4All uniu organizações e universidades no Montenegro, Croácia e Bósnia e Herzegovina. “Quando o mergulhador tira uma fotografia do naufrágio, trata-se apenas de uma secção e não é possível vê-lo todo. Com a tecnologia 3D, é possível ver todo o naufrágio no ecrã e entender o quão grande é ou quão preservado está”, explica.
A escolha recaiu sobre a realidade virtual devido à possibilidade de imersão total. “Queríamos um cenário no qual o utilizador se sentisse como um mergulhador a sério”, afirma o líder do projeto. Durante o desenvolvimento da ideia, os mergulhadores digitalizaram destroços e outros locais de beleza natural, como grutas ou corais, que foram transpostos num modelo 3D para a realidade virtual.
O sistema funciona como um jogo, no qual o utilizador é um mergulhador que explora uma parte do património cultural subaquático, ouve uma narração sobre a história daquele local, enquanto se mantém atento ao seu nível de oxigénio e outras componentes importantes no mergulho. “Isto fez uma diferença enorme na acessibilidade ao património cultural subaquático”, há uma "democratização” no acesso porque “todos podem explorar os naufrágios sem terem de descer ao fundo do mar”.
Imagens da app Wrecks4All
Universidade de Montenegro
Esta experiência está disponível através de uma app grátis, Wrecks4All, mas também em três locais físicos: no Museu Croata Marítimo em Split, na Croácia, na Associação de Mergulhadores, em Mostar, na Bósnia e Herzegovina, e na Faculdade de Estudos Marítimos da Universidade de Montenegro. Há ainda um mapa virtual que reúne toda a informação sobre o património existente nestes países.
Os locais físicos funcionam como uma “ferramenta educacional” e são frequentemente visitados por alunos do ensino básico e secundário. “Sentem-se muito atraídos pela realidade virtual e pela possibilidade de explorar os naufrágios num ambiente do jogo. Por isso, o impacto educativo é enorme, especialmente porque há um curador que os guia durante a experiência e discutem o que viram, colocando-o num contexto mais alargado, histórico e cultural”, garante Darko Kovacevic.
Através destas tecnologias, a iniciativa quis despertar a atenção de um público mais vasto e também dos decisores políticos. “O património cultural subaquático está escondido sob as ondas, pelo que todas as histórias dos naufrágios nas comunidades costeiras são parte de uma narrativa de lendas. Todos sabem que existem, alguns mergulhadores viram os destroços, mas a realidade virtual trouxe-os para os escritórios, para as casas, para os showrooms e as pessoas começaram a mudar a sua atitude e a compreender por que motivo a sua proteção é tão importante”, explica o investigador.
Existia uma “desconexão” neste setor porque não havia um conhecimento real do património existente. “Embora estes países tenham assinado a Convenção da UNESCO de 2001 sobre a Proteção do Património Cultural Subaquático, nunca a aplicaram porque este património é muito abstrato”, diz Darko Kovacevic. Graças à imersão da realidade virtual, “foi criado um fascínio e disseram-me: venha segunda-feira ao meu gabinete e discutiremos a legislação, estatutos e estratégias para este assunto”. Pela primeira vez, no Montenegro foram incluídos nos programas governamentais os locais de património cultural subaquático, além de ter sido conferido um maior nível de proteção.
Após o término do Wrecks4All, o investigador decidiu dar o passo seguinte e implementar o Wrecks4All 2.0 com o objetivo de transferir a experiência adquirida para a região sul do Mar Adriático, em especial no sul de Itália e Albânia. Através de conferências que reuniram especialistas em arqueologia subaquática, indústrias criativas e profissionais de turismo, foi desenvolvido um plano de ação e cooperação entre os países para transformar o património aquático num produto turístico de larga escala.
Trata-se de “trazer o património cultural subaquático à população” numa experiência que pode estar ao alcance de qualquer um. “Já não algo elitista, em que apenas os que têm dinheiro suficiente para ter uma educação de mergulho e comprar equipamento, podem mergulhar e desfrutar dos naufrágios. Agora, qualquer grupo social pode desfrutar utilizando a realidade virtual”, diz o líder dos projetos.
A ajuda imprescindível dos fundos comunitários
O projeto Wrecks4All foi desenvolvido pela Faculdade de Estudos Marítimos da Universidade de Montenegro, a Organização Municipal de Turismo de Bar, Conselho de Turismo da Herzegovina-Neretva, a Faculdade de Estudos Marítimos da Universidade de Split e o Museu Marítimo Croata. Foi financiado pelo programa Interreg IPA CBC, que é apoiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, em cerca de um milhão de euros.
A continuação desta iniciativa, o Wrecks4All 2.0, foi apoiado também pelo Interreg em cerca de 154 mil euros e liderado pela Faculdade de Estudos Marítimos da Universidade de Montenegro, em conjunto com a Universidade de Salento, o Município de Vlorë, na Albânia, e o Município de Campomarino, na Itália.
“Este tipo de projeto nestes países não poderia ser implementado com este impacto sem financiamento”, assegura Darko Kovacevic. O apoio da União Europeia permite uma enorme contribuição para a “cultura, a economia e coesão social, mas também oferece muitos instrumentos para influenciar a governação para compreender e solucionar os problemas”.
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