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Portugal perde milhares de litros de água em fugas da rede de abastecimento, mas agora há um sistema que deteta rapidamente essas perdas

Software desenvolvido pelo Water Data Solutions
Software desenvolvido pelo Water Data Solutions
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Para enfrentar um dos “grandes desafios” do serviço público de abastecimento de água, que perde anualmente milhares de litros de água, um projeto consegue identificar as fugas de forma rápida e apresentar indicadores chave sobre o estado da rede, além de avisar o consumidor de possíveis fugas na sua habitação

Portugal perde milhares de litros de água em fugas da rede de abastecimento, mas agora há um sistema que deteta rapidamente essas perdas

Eunice Parreira

Jornalista

Quase um terço da água que entra nas redes de abastecimento em Portugal é desperdiçada devido a ruturas. O serviço público de abastecimento de água perde anualmente cerca de 163 milhões de metros cúbicos de água, o equivalente a 65 mil piscinas olímpicas, segundo o relatório de 2024 da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos. Para evitar este desperdício de água tratada que não chega à casa dos consumidores, um projeto nacional desenvolveu uma solução inovadora que já está implementada.

O objetivo do projeto Water Data Solutions (WDS) era conceber uma solução para identificar as fugas de água invisíveis e que podem “estar, inclusive, anos sem serem detetadas”. “Quando falamos de procurar, detetar e resolver as fugas de águas, estamos a falar de um processo que é muito moroso e dispendioso”, afirma Fabíola Freitas, líder do projeto e gestora de inovação e desenvolvimento na empresa Wada Solutions.

Normalmente, as entidades gestoras possuem equipamentos de deteção de fugas em zonas de monitorização e controlo, ou seja, estratégicas. Durante a madrugada são analisados os caudais e consoante os dados, pode ser detetada uma fuga se existir uma tendência crescente de consumo. Após ser decidida a ordem pela qual serão fechadas as válvulas, uma equipa tenta identificar a fuga ao longo de vários metros de rede, se não quilómetros. “Isto é um trabalho que, muitas vezes, demora vários dias ou mesmo meses”, explica.

Para evitar este processo, a iniciativa desenvolveu uma resposta rápida e eficiente para a deteção de fugas. São colocados sensores acústicos em locais estratégicos da rede e, através de algoritmos de machine learning, vão identificar se é um padrão normal ou atípico de som. “Quando detetam uma fuga, vão lançar um alerta e nós já sabemos que, na zona circunscrita àquele sensor, há uma fuga”, diz Fabíola Freitas.

Já existem soluções no mercado que utilizam este tipo de sensores, mas são muito dispendiosas e “não estão ao alcance de qualquer entidade”, em especial em Portugal, que é maioritariamente constituído por entidades gestoras de pequena e média dimensão. “Às vezes, estamos a falar de entidades municipais que têm apenas um engenheiro para tratar da água, dos resíduos, dos cemitérios, do ambiente”, alerta. Por isso, o projeto desenvolveu uma versão deste sensor de baixo custo ao terem concebido o seu próprio hardware.

“O WDS é uma solução integrada de várias pequenas soluções”, salienta. Os dados recolhidos por estes sensores são integrados numa plataforma que integra informações de outros mecanismos, como caudalímetros, transdutores de pressão ou boias de nível. Com esta informação, “esta solução acaba por reduzir, de uma forma imediata, os trabalhos que são necessários na monitorização ativa das soluções, porque vai dando alertas”, como as perdas reais por quilómetro ou as zonas de monitorização e controlo com pior desempenho.

Ter todos os indicadores-chave sempre disponíveis é uma “grande beneficio” para a entidade gestora perceber como evolui a sua rede de abastecimento. “O conhecimento é muito importante para a tomada de decisão e com isto advém a otimização operacional técnica e financeira. Com uma maior deteção de fugas, há mais reparação e menos custos com a perda desse recurso”, afirma a coordenadora do projeto.

O Water Data Solutions quis ainda conferir aos consumidores um “papel preponderante” na eficiência hídrica. Conceberam uma aplicação móvel para sensibilizar os consumidores para o consumo de água na sua habitação, com a apresentação dos consumos diários, mensais ou até por eletrodoméstico, graças a algoritmos de machine learning,

Outra vantagem desta app é um aviso face a uma possível fuga ou consumo anómalo. Ainda durante a fase de testes, notaram, durante a ausência de uma família, que o consumo de água tinha atingido mais de 140 litros, o que permitiu rapidamente descobrir a fuga e repará-la. “O nosso objetivo é que esta aplicação seja dada aos consumidores através da entidade gestora”, diz.

App móvel do Water Data Solutions
DR

Fabíola Freitas garante que esta aplicação pode até melhorar a relação entre o consumidor e a entidade gestora. “Quando a fatura vem já não é propriamente uma surpresa, porque já tem essa expectativa, o que depois permite inclusive evitar possíveis reclamações oriundas destas questões”, explica.

Embora não estejam ativos, o WDS desenvolveu ainda sensores para monitorizar a qualidade da água. Como as soluções existentes no mercado são muito caras, o controlo costuma ser feito manualmente através de análises laboratoriais. Esta ferramenta inovadora permite medir os parâmetros à distância, contudo devido a restrições a nível da segurança para que estes estivessem em contacto com a água da rede de abastecimento, não foram colocados em prática.

As soluções estão, na maioria, aplicadas em entidades gestoras, mas estas tecnologias podem ser aplicadas a outras situações, como indústrias com elevado consumo de água, hotéis e hospitais. “Esta solução acaba por ser facilmente adaptada a esses setores”, salienta Fabíola Freitas.

A ajuda imprescindível dos fundos comunitários

O projeto Water Data Solutions foi desenvolvido pela empresa Wada Solutions, em conjunto com a Universidade de Aveiro e o CeNTI – Centro de Nanotecnologia e Materiais Avançados. Através do programa COMPETE 2020 receberam cerca de 723 mil euros, dos quais cerca de 532 mil foram do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

O apoio financeiro permitiu desenvolver, testar, validar as soluções e ter um consórcio multidisciplinar, mas sobretudo permitiu “abrir portas para novas parcerias e novos projetos”, como uma iniciativa desenvolvida pelas mesmas entidades e mais duas em Coimbra para monitorização das afluências indevidas nas redes de drenagem de águas residuais. “Sem dúvida de que o apoio vai além do financeiro”, afirma Fabíola Freitas.

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