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Sustentabilidade nas borras de café? É possível recuperar ingredientes valiosos para a indústria alimentar, cosmética e até farmacêutica

Uma empresa polaca recupera cinco químicos ecológicos e de alta qualidade dos resíduos da indústria do café. O objetivo é substituir matérias-primas não renováveis por outras com baixa pegada carbónica na alimentação, cosmética, produção de talheres e até nos aditivos do biodiesel

Sustentabilidade nas borras de café? É possível recuperar ingredientes valiosos para a indústria alimentar, cosmética e até farmacêutica

Eunice Parreira

Jornalista

Estima-se que, por dia, sejam bebidas cerca de 2,25 mil milhões de chávenas de café, o que produz cerca de 30 mil toneladas de desperdício diariamente. Em Portugal, cada português bebe em média cerca de 2,5 cafés por dia, o que equivale a uma média de consumo por ano de cinco quilos de café por pessoa, segundo a Associação Industrial e Comercial do Café. Para reduzir o desperdício desta indústria, um projeto polaco recupera químicos valiosos dos grãos usados e desperdiçados.

Quando se prepara um café é usado apenas apenas até 10% do seu potencial, enquanto o restante é desperdiçado, por isso, através de um processo inovador e circular, que aguarda patente, a empresa polaca EcoBean consegue recuperar cinco importantes compostos do café, que podem ser utilizados em diversas indústrias. Num processo quase sem resíduos, retiram óleo de café, antioxidantes, ácido polilático (um polímero biodegradável), lenhina e aditivos proteicos.

Houve empresas que experimentaram, com sucesso, usar estes compostos ecológicos como aditivos no biodiesel, enquanto “os polímeros biodegradáveis e a lenhina, [extraídos do café], são ingredientes que podem ser utilizados na produção de embalagens”, revela Marcin Koziorowski, diretor-executivo da EcoBean. Estão ainda a utilizar esses compostos para produzir vasos de flores totalmente biodegradáveis.

“Começámos com uma ideia muito simples, usávamos pellets de café para as lareiras e para os churrascos, em que bastava espremer e colar as borras do café”, conta. Com a pandemia covid-19 e a consequente escassez de matérias-primas, aperceberam-se do potencial de extração dos resíduos de café de produtos químicos alternativos de alta qualidade e com um impacto ecológico muito baixo.

Marcin Koziorowski revela que já recuperam e reciclam “cerca de 200 toneladas nas nossas pequenas instalações, o que comparativamente ao que é gerado a nível global, ainda é muito pouco”.

Para aumentar a escala, a empresa, apoiada pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT), desenvolveu instalações modulares de biorrefinaria para instalar junto a fábricas de café, de forma a transformar os grãos usados em matérias-primas capazes de substituir ingredientes convencionais utilizados nas indústrias cosmética, alimentar e até farmacêutica, assim como encontrar novos substâncias valiosas. O objetivo é que estas instalações reduzam os resíduos e, em simultâneo, sejam uma fonte de receitas para a indústria.

Onde recolhem o café que utilizam na EcoBean?

A nossa tecnologia consiste em recolher borras de café usadas de diferentes fontes. A maior fonte é a indústria, torrefações industriais e instalações de café instantâneo. Algum deste café está fora do prazo de validade, por vezes não passou no teste de qualidade, pelo que é possível utilizá-lo para fazer algo de bom.

Além disso, após a produção de café instantâneo, ainda há resíduos nas instalações, também nas cafetarias, nas estações de serviço, nos escritórios, pelo que é uma fonte de biomassa espalhada. São necessárias mais soluções logísticas para a sua recolha, mas nós também resolvemos esse problema.

Como são reaproveitados os grãos de café?

Desenvolvemos um processo químico e biotecnológico contínuo que transforma estes resíduos em ingredientes valiosos. Começamos com a extração do óleo de café, depois passamos à extração de antioxidantes, depois extraímos açúcares, que podemos transformar em ácido lático, e depois polimerizamos em polímeros biodegradáveis, depois extraímos aditivos proteicos e no final obtemos a lenhina pura de café.

Onde podem ser aplicados os compostos extraídos do café?

Nada é desperdiçado, este é um processo totalmente circular e podemos utilizar os ingredientes onde quer que seja, desde a indústria de embalagens à indústria alimentar, à indústria cosmética e, no futuro, até à indústria farmacêutica. Portanto, há muitas aplicações que dependem [do grau] de pureza, dependem da especificidade de cada fração. Cada um dos nossos produtos pode ser ajustado às necessidades do nosso cliente, queremos ser um fornecedor de novos tipos de ingredientes químicos alternativos e verdes para estes diferentes setores.

Quais são as vantagens destes ingredientes?

Podem ser alternativas aos produtos existentes no mercado, mas como são provenientes de resíduos, têm uma pegada de carbono muito menor, pelo que são mais sustentáveis. Por exemplo, na Europa estamos a importar muitos óleos naturais para a indústria cosmética, mas temos uma alternativa natural no óleo de café, que pode existir localmente a partir do café, que bebemos todos os dias. Portanto, esta é uma solução circular.

O que distingue o processo desenvolvido pela EcoBean?

O que acontece agora com as borras de café usadas, especialmente na indústria, é que a sua primeira opção é irem para o aterro, a segunda é incinerá-las e usá-las como combustível e fonte de energia em caldeiras de biomassa e, por vezes, usam-nas na compostagem.

Portanto, a quantidade de borras de café usadas equivale a energia que se pode recuperar, o que se traduz em cerca de 200 a 250 euros por tonelada, mas o que estamos a fazer, permite, neste momento, pelo menos nove mil euros por tonelada. Portanto, a diferença é enorme, graças ao facto de executarmos o nosso processo sustentável circular, utilizando solventes e recuperação de solventes. Devido a isso, é um processo quase sem resíduos.

Onde está instalado o sistema da EcoBean?

Estamos na fase final de diálogo com grandes produtores de café sobre a construção de uma instalação modular junto às suas fábricas. A primeira irá provar à indústria que a tecnologia, de facto, funciona e gera lucro. Isto mudará a forma como os grãos de café usados são tratados e atrairá outros, para que a solução possa ser ampliada.

Além disso, continuamos a desenvolver o nosso I&D. Neste momento, estamos a falar de cinco produtos, mas podemos ir mais a fundo em cada fração, podemos descobrir cada vez mais ingredientes valiosos, que podemos simplesmente extrair e vender separadamente. Um bom exemplo de extração de antioxidantes é a cafeína, é possível extrair cafeína pura e colocá-la nas bebidas energéticas ou, novamente, num café com cafeína dupla. Portanto, ainda existe alguma cafeína nas borras de café usadas, que pode ser reutilizada de novo.

Que outros planos têm para o futuro?

Neste momento, estamos a recolher apenas na Polónia, mas fizemos muitos projetos de prova de conceito, até em Portugal há alguns anos, fizemos na Alemanha, cooperámos com empresas que enviaram amostras de resíduos de café de todo o mundo. Graças a isso, estamos a verificar os resíduos, a preparar os relatórios e a criar casos de negócio. Portanto, agora funciona assim, mas no futuro queremos começar a implementar esta solução – um modelo de transformação dos resíduos de café, que iremos construir, por exemplo, na Polónia e que enviaremos para as instalações de café instantâneo ou torrefações, onde serão reciclados no próprio local.

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Notícia atualizada no dia 25 de junho face às alterações que a empresa EcoBean, entretanto, verificou.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: colaboradordi28@expresso.impresa.pt

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