“Estamos a entrar num conceito de economia circular e de resíduo zero em que tudo é aproveitado”, explica por Ana Barros, docente e investigadora na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e coordenadora do projeto SoilRec4+Health - Soil recover for a healthy food and quality of life, terminado em 2023 e apoiado em cerca de 588 mil euros através do programa Norte 2020, dos quais quase 500 mil euros provieram do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
Regenerar os solos através de resíduos e melhorar a qualidade dos produtos agrícolas, enquanto se produz um puré nutritivo e com benefícios para a saúde dos idosos, e a possibilidade de quantificar o valor nutricional do desperdício alimentar desde o consumidor até à indústria. São duas estratégias de projetos financiados por fundos europeus para tornar a União Europeia (UE) mais verde e amiga do ambiente.
A partir de resíduos de diferentes indústrias e de bactérias boas, o projeto melhorou a qualidade dos solos afetados pela salinidade das regiões portuguesas Norte e Centro. Consequentemente, melhorou a qualidade dos produtos agrícolas plantados nesses solos ao facilitar a absorção de nutrientes contidos em subprodutos, como as cascas ou o engaço da usa, parte que sobra do cacho da uva após ter sido esmagado na produção de vinho. A técnica continua a ser implementada e aplicada com melhorias tanto na qualidade dos solos como dos alimentos.
Outro projeto coordenado por Ana Barros é o Wasteless, que envolve 29 organizações de 14 países europeus com um orçamento total de quase 5,5 milhões de euros através do projeto europeu Horizon. Um dos aspetos distintivos deste projeto é a possibilidade de visualizar os nutrientes desperdiçados nos alimentos. “Muitas vezes nós não vemos a parte funcional, que são compostos extremamente benéficos para o nosso organismo porque podem até ter atividade antioxidante” e preventiva de várias doenças, salienta.
O objetivo é reduzir o desperdício alimentar em, pelo menos, 20%, para tal estão a desenvolver ferramentas que estão a ser aplicadas em cantinas, restaurantes, fábricas e nas casas do consumidor para sensibilizar para os cerca de 88 milhões de toneladas de alimentos que são desperdiçadas por ano na UE. Há ainda instrumentos preventivos, como é o caso de um mecanismo de análise de imagem que indica o estado de deterioração de um alimento. “Às vezes, o consumidor diz ‘isto já não está em condições de ser consumido, vou deitar fora’, mas efetivamente ainda há uma parte que pode ser consumida”, explica.
Em que consiste o projeto SoilRec4+Health?
Aquilo que nós tentámos fazer nesse projeto foi aproveitar resíduos orgânicos de várias origens e que fossem desprovidos de valor, porque nós temos solos na região norte litoral, que são de baixa qualidade, porque são solos extremamente salinos. Então, aquilo que nós tentamos fazer foi, através do aproveitamento desses resíduos orgânicos e através da utilização de fungos e de rizóbios, tentar avaliar de que forma poderíamos melhorar a qualidade do solo e, consequentemente, melhorar a qualidade dos produtos agrícolas obtidos. Aquilo que nós desenvolvemos foi a parte da produção, estruturámos as condições de pré-colheita e depois de produzidos os alimentos, avaliámos a qualidade [dos produtos agrícolas] com esta implementação dos resíduos orgânicos.
Por fim, depois de produzidos os produtos, selecionámos aqueles que tinham melhor qualidade e desenvolvemos um produto alimentar inovador para melhorar a qualidade de vida de idosos. Por isso a terminologia Soil Rec for Health, porque, no fundo, é a recuperação de algo que não é utilizado para o solo, para que dê um valor acrescentado e permita mais saúde.
Quais foram os produtos agrícolas usados no projeto?
Aquilo que nós trabalhámos mais foi o feijão-frade e a alface, [mas] aquele que deu origem ao desenvolvimento de um novo produto alimentar foi a vagem imatura do feijão-frade. Nós recolhemos do solo antes de formar o feijão-frade, porque a vagem imatura do feijão-frade é muito rica num aminoácido, que é o triptofano, o precursor da melatonina e da serotonina. A melatonina é indutora de sono e a serotonina acaba por ser aquilo que nos dá a sensação de bem-estar e de felicidade. No fundo, o que nós tentámos fazer ao desenvolver esse novo produto alimentar foi tentar verificar se nós conseguíamos melhorar as propriedades cognitivas e as propriedades de sono de idosos.
Desenvolveram outras ferramentas no projeto SoilRec4+Health?
Nós trabalhamos na qualidade do alimento, mas muitos dos componentes químicos que nós analisamos são metabolitos secundários e eles acabam por ser maioritariamente produzidos pela planta em condição de stress. Isto significa que nós devemos ter sempre a correlação com o estado do tempo naquele dia ou durante aquele período, [por isso], nós desenvolvemos um atlas onde estão registadas todas as condições climatéricas durante o período em que nós fizemos o manejar do solo até à recolha do produto alimentar, ou seja, temos os registos das condições climáticas durante esse período.
Como funciona esse atlas?
Nós temos o registo daquilo que aconteceu e podemos correlacionar a maior ou menor quantidade destes componentes químicos de acordo com as condições climatéricas que decorreram durante esse período.
Em que consiste o projeto Wasteless?
O nosso objetivo principal é a diminuição do desperdício alimentar. Nós organizamos o projeto em alguns work package. No primeiro work package, que já está praticamente terminado, nós estivemos a fazer uma pesquisa daquilo que é feito em cada um dos países envolvidos neste projeto, ou seja, quais são as práticas comuns que são utilizadas para a redução do desperdício alimentar. Depois temos dois work packages que estão muito interligados e acabam por ser determinantes, que é o desenvolvimento de ferramentas digitais para serem aplicadas em estudos de caso. Os estudos de caso são outro work package, em que vão ser aplicados estas ferramentas desenvolvidas.
Depois temos um work package que é determinante e que nos diferencia de todos os outros projetos que estão a ser desenvolvidos nesta área. Neste caso, nós estamos a quantificar não apenas aquilo que é desperdiçado em quilos, mas também estamos a quantificar o que é desperdiçado em termos de valor nutricional, ou seja, proteína que é desperdiçada, gordura que é desperdiçada, hidratos de carbono que são desperdiçados, vitaminas, sais minerais, etc. Estamos também a tentar quantificar o desperdício em termos de qualidade funcional, [ou seja], em compostos bioativos que existem em alguns alimentos e que estão diretamente relacionados com efeitos benéficos para a saúde, onde se englobam, por exemplo, os compostos fenólicos que existem em grande quantidade nas frutas e nos legumes, ou carotenoides que muitas vezes estão associados a alguns efeitos benéficos e que existem, por exemplo, em tomate.
Quais são os cinco estudos de caso?
Nós temos a indústria alimentar, temos os serviços da parte alimentar, onde se engloba a restauração, temos os hipermercados e supermercados e temos o consumidor. Neste caso, o consumidor é onde existe o maior desperdício alimentar e é aqui que nós estamos a aplicar as ferramentas.
No consumidor, as ferramentas passam, por exemplo, por uma balança, na qual é colocado o prato, depois é colocado um telemóvel em cima e esse telemóvel retira imagens para agrupar em várias categorias da forma que nós categorizamos, como em peixe, carne, frutas e legumes, que é isso que depois nos vai permitir ligar à ferramenta e que vai quantificar o valor, não só em peso de desperdício, mas nas proteínas, nas vitaminas ou nos compostos fenólicos que são desperdiçados.
Por que motivo quantificam o valor nutricional no desperdício alimentar?
Quantificar o desperdício é também uma sensibilização, porque se tivermos um consumidor que utiliza esta balança, vai perceber que desperdiça 250 gramas por refeição de algo que não deveria desperdiçar, mas se isto for uma quantidade apenas se calhar não lhe diz nada, mas se tivermos um consumidor consciente, pensa “eu perdi nestas 250 gramas 10% de teor de proteína, eu podia ter aproveitado e ter consumido porque é benéfico para mim. Eu estou a perder vitaminas, eu estou a perder sais minerais”.
Quando nós falamos de desperdício, não estamos apenas a falar de parte não é edível. Não são apenas cascas, estamos a falar de um bocado de peixe que deixamos ficar porque não consumimos, um bocado de carne que não consumimos ou uma fruta é descascada e nessa casca é onde está o maior aporte de vitaminas e o maior aporte de compostos fenólicos, que são muito importantes para nós, então por que não consumir com casca? É sobre tudo isto que nós estamos a tentar consciencializar o consumidor.
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