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Insetos são “ferramenta da natureza” para a economia circular: podem ser ração, fertilizantes e uma forma de valorizar resíduos

Através de resíduos orgânicos é possível produzir toneladas de insetos que podem ser convertidos em farinha para ração animal ou num composto para fertilizantes. O objetivo é reaproveitar os nutrientes e voltar a introduzi-los na cadeia de valor

Insetos são “ferramenta da natureza” para a economia circular: podem ser ração, fertilizantes e uma forma de valorizar resíduos

Eunice Parreira

Jornalista

Os insetos podem ser o motor da transição para uma economia circular por aproveitarem os resíduos orgânicos para crescer e quando estão desenvolvidos servem como fonte nutricional para a criação de rações animais ou fertilizantes orgânicos. Estes pequenos seres vivos mostram que o caminho para a sustentabilidade pode ser feito através da “natureza”.

Há mais de uma década que a empresa Ingredient Odyssey, que detém a marca EntoGreen, tem utilizado os insetos, em especial a Mosca Soldado Negro, como fonte de inovação e sustentabilidade. Entre os vários produtos desenvolvidos, destaca-se uma ração animal feita à base de farinha de inseto, que possui benefícios gastrointestinais e dermatológicos.

O objetivo era “dominar esta ferramenta biológica e transformá-la em uma ferramenta industrial”, explica Daniel Murta, fundador da Ingredient Odyssey e diretor executivo da EntoGreen. Esta ideia foi desenvolvida através do projeto EntoValor apoiado pelo COMPETE 2020 em cerca de 728 mil euros, dos quais cerca de 492 mil euros provieram do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER). Os avanços deste projeto consolidaram-se, posteriormente, na primeira unidade industrial de produção de insetos em grande escala em Portugal. “Essa unidade já tem capacidade para produzir várias toneladas de produtos derivados de inseto por dia e aí estamos a focar no mercado dos fertilizantes orgânicos”, diz, ao acrescentar que atualmente conta com 50 funcionários.

A EntoGreen tem mostrado as várias valências dos insetos, entre as quais a possibilidade reutilizar as lamas resultantes do tratamento de água para criar estes seres vivos, que serão transformados em fertilizantes. Este processo foi desenvolvido através do projeto NETA, que recebeu o apoio de cerca de 2,5 milhões de euros, dos quais cerca de 1,6 milhões são fruto do FEDER.

Também são líderes da agenda mobilizadora InsectERA, financiada pelo PRR em quase 43 milhões de euros, cujo objetivo é desenvolver mais de 100 produtos e serviços na área da alimentação humana e animal, cosmética, farmacêutica, além de digitalização da produção ou serviços de aconselhamento. Esta agenda, na qual participam de 42 entidades, “é uma vantagem única de Portugal e que não se tem verificado noutros países, em que as empresas trabalham de uma forma mais isolada e têm mais desafios para conseguir atingir os mesmos objetivos”.

No âmbito desta agenda, a EntoGreen desenvolveu um processo para aproveitar os resíduos da produção de azeite para produzir insetos. A valorização de desperdício é um dos pilares da empresa que utiliza o “desperdício de outras indústrias” para criar os insetos. “Recebemos cebolas greladas ou batatas greladas que não podem ir para o mercado, [porque] o consumidor nunca as consumiria, mas que estão ótimas para serem convertidas por insetos em fontes proteicas. É pegar nestes desperdícios e dar-lhes uma nova oportunidade, convertendo aquilo que de outra forma poderia ir para a compostagem ou muitas vezes até para a queima, como é o caso do bagaço de azeitona, e devolvê-los à cadeia de valor”, diz ainda Daniel Murta.

Por que motivo decidiu utilizar insetos como foco da EntoGreen?

Os insetos têm uma vantagem que é serem uma ferramenta da natureza. Tal como outros seres vivos recorrem a produtos orgânicos em decomposição para os transformar em novas coisas. Nomeadamente o crescimento dos insetos faz-se a partir de, por exemplo, matéria orgânica. Os insetos são muito variados e encontramos todo o tipo, mas selecionando as espécies certas, nós podemos encontrar aqueles que são capazes de valorizar de forma rápida produtos que nós já não queremos. Depois têm a possibilidade de ser produzidos em grande massa e de se fazer uma produção rápida e controlada.

Em que consiste o projeto EntoValor?

O projeto EntoValor foi um projeto Portugal 2020, foi submetido em 2015, aprovado em 2016 e teve o seu término em dezembro de 2019. Durante estes mais de três anos de trabalho, foi possível demonstrar, essencialmente, duas coisas: que era possível passar de uma tecnologia laboratorial muito básica de produção de insetos para uma tecnologia semi-industrial. Estamos a falar desde a capacidade de produzir algumas gramas de insetos para a capacidade de produzir algumas toneladas de insetos. Também foi fácil demonstrar juntamente com os parceiros que existem as condições a nível nacional e também a nível regional para fechar o ciclo de valor dos produtos, utilizando subprodutos hortícolas da AgroMais para produzir os insetos que eram processados. Depois foram testados na alimentação de aves, com as Rações Zêzere e com o INIAV. Desenvolveu-se também um fertilizante orgânico de inseto, que foi o primeiro em Portugal, pelo menos daquilo que eu tenho conhecimento, a ser gerado e a ser testado num nível que contribuiu para a produção agrícola, devolvendo ao solo os nutrientes que de outra forma seriam perdidos.

Quais as vantagens de usar insetos para produzir fertilizantes e rações?

O fertilizante orgânico de inseto tem a capacidade para mobilizar matéria orgânica para o solo. Cerca de 90% deste produto é matéria orgânica e tem um equilíbrio muito importante de NPK (nitrogénio, fósforo e potássio), de carbono e de azoto, o que contribui não só para a nutrição das plantas, mas devido a princípios ativos presentes no fertilizante contribui também para a resiliência da planta porque mimetiza a presença de agressores, porque [os fertilizantes] têm quitina de inseto presente, e também estimula o desenvolvimento radicular das plantas. Portanto, contribui para a resiliência das plantas e para a nutrição do solo, contribuindo também de uma forma positiva para a microbiota benéfica que existem no solo.

Por outro lado, foi possível desenvolver não só farinha de inseto, mas uma farinha desengordurada de inseto, ou seja, mais rica em proteína e em outros princípios ativos, por exemplo, péptidos antimicrobianos e quitina. Este produto tem sido utilizado e de forma validada em suínos, nomeadamente em leitões, contribuindo para substituir outras matérias-primas de elevado valor e contribuindo para a saúde dos leitões e para a sua capacidade de crescimento e também da mesma maneira em animais jovens, por exemplo, frangos. [Mas] onde temos tido mais sucesso tem sido em aquacultura, principalmente a nível de mercados internacionais e em pet food, sendo que já existe no mercado nacional uma ração feita com proteína derivada de inseto da nossa empresa, que é a HappyOne Premium da PetMaxi.

Em que consistiu o projeto NETA?

No projeto NETA, o que nós fizemos foi uma tecnologia que tinha sido desenvolvida pelo Instituto Politécnico de Beja, que se chama Técnica de Precipitação Química, em que nós conseguimos converter águas residuais em lamas e água filtrada e limpa. O nosso papel seria a utilização dessas lamas para converterem em fertilizantes [através da utilização de insetos].

Qual é o estado atual do projeto?

Este projeto não teve o mesmo sucesso do EntoValor, porque ainda é preciso trabalhar muito a nível legal e de segurança para que essas oportunidades possam ser valorizadas. Então, o projeto demonstrou que é possível tecnologicamente e fez igualmente uma prova de conceito, mas do ponto de vista regulamentar ainda há muito trabalho que tem de ser feito.

Esse trabalho tem sido feito pela EntoGreen a nível internacional, através de uma associação que é a IPIFF, Associação Internacional dos Produtores de Insetos, em que nós temos trabalhado diretamente com a Comissão Europeia e com outras universidades a nível internacional para demonstrar a segurança de utilização desses recursos e como eles poderiam ser uma matéria-prima para a produção de insetos. No entanto, isso ainda não é uma realidade e ainda deverá levar alguns anos até que possa ser considerado.

De que forma atuam na agenda InsectERA?

Esta agenda mobilizadora pretende criar um verdadeiro setor em Portugal e tornar Portugal um dos líderes mundiais neste setor bioindustrial dos insetos. Em boa medida, isso tem sido possível. A agenda prevê a criação de mais de 100 produtos, processos e serviços novos. Já criámos vários produtos novos, nomeadamente a ração da PetMaxi, que tem vantagens muito significativas para os animais não só a nível da apetência, que é bastante palatável porque os animais gostam de comer, como a nível de efeitos gastrointestinais e da pele, sendo que alguns animais que têm alergias melhoram substancialmente quando utilizam este alimento.

Mas temos outros [produtos] a serem desenvolvidos, temos rações para suínos a serem desenvolvidas, principalmente para leitões, e temos demonstrado a eficiência deste produto quer em aquacultura quer em avicultura, permitindo que os produtores encontrem uma nova matéria-prima para as suas rações. Uma matéria-prima que não só consegue substituir as fontes tradicionais de proteína, como a farinha de peixe ou a soja, mas que adiciona mais, porque é uma proteína funcional e que atribui benefícios de saúde e de bem-estar aos animais, contribuindo para que eles tenham uma maior capacidade de crescimento e uma maior capacidade de resiliência a algumas doenças. Isso tem sido demonstrado nos ensaios que temos feito no âmbito da agenda mobilizadora InsetERA.

Qual foi o processo de produção de insetos desenvolvido na agenda InsectERA?

Recebermos bagaço de azeitona e outros produtos vegetais. Com o recurso aos insetos que são basicamente uma ferramenta que pega nessa mistura de bagaço de azeitona com outros vegetais e em 12 dias passam de insetos muito pequeninos… Uma grama de ovos de insetos produzidos na nossa unidade tem cerca de 37 mil potenciais larvas e uma grama de larvas tem cerca de sete larvas, ou seja, eles crescem cerca de cinco mil vezes. É uma capacidade de crescimento muito grande e em muito pouco tempo. Esse crescimento é feito à base dos nutrientes que ainda estão presentes nos subprodutos vegetais e no bagaço de azeitona, que se não fossem convertidos por insetos, poderiam ser perdidos, indo para a queima ou para outros processos extrativos que não resultariam na utilização dos seus nutrientes de volta à cadeia alimentar. Isto é o que os insetos permitem, [pois] ao crescerem nestes subprodutos vegetais, permitem a recolha dos nutrientes que seriam perdidos, transformando-os em produtos de elevado valor.

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