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Neutralidade carbónica: desafio para 25 anos

Desde 1990 a União Europeia reduziu em 32,5% as suas emissões de CO2
Desde 1990 a União Europeia reduziu em 32,5% as suas emissões de CO2
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Desafio. Educar o consumidor e criar produtos sustentáveis e inovadores são apostas para a transição energética. Os fundos comunitários desempenham um papel fundamental ao apoiar tecnologias que ainda não são competitivas

Neutralidade carbónica: desafio para 25 anos

Eunice Parreira

Jornalista

A União Europeia (UE) comprometeu-se a atingir a neutralidade das emissões de dióxido de carbono até 2050. A meio caminho do prazo para alcançar esta meta, e com Portugal a antecipar as datas estabelecidas, os especialistas entrevistados pelo Expresso acreditam que a Europa será o primeiro continente neutro em carbono, mas pedem cautela na rapidez desta transição.

Desde 1990, a UE reduziu em 32,5% as emissões de dióxido de carbono (CO2), segundo a Comissão Europeia. Ainda assim, Portugal não tem conseguido utilizar os progressos na transição energética para a reindustrialização da economia, de acordo com o “Índice de Industrialização e Transição Energética”, da consultora McKinsey & Company.

“Não tenho dúvidas de que a Europa será de facto o primeiro continente neutro em carbono, mas a questão, agora, é percebermos as consequências dessa velocidade”, alerta António Cardoso Marques, professor catedrático da Universidade da Beira Interior especializado em economia da energia. Atualmente, a UE precisa de ultrapassar a escassez de matérias-primas “essenciais para a transição energética, que estão concentradas em poucos países, nomeadamente na China”, e manter a competitividade, porque “já não há sequer a realocação de empresas, confrontamo-nos com o encerramento de fábricas na Europa e despedimentos”.

Filipe de Morais Vasconcelos, fundador e administrador da consultora de sustentabilidade S317, defende que a descarbonização deve ser acompanhada por sustentabilidade económica e social. “O esforço da União Europeia e de Portugal deve ser muito direcionado em procurar a diferenciação, que passa por produtos mais sustentáveis ao menor preço possível e com a maior incorporação de inovação possível”, diz.

Reaproveitar, partilhar

“As pequenas centrais de biomassa deslocalizadas, com centros de entrega dessa biomassa, poderão ser uma medida interessante”, devido à possibilidade de armazenar energia, admite António Cardoso Marques, que também é vice-presidente da Associação Portuguesa de Economia de Energia. O projeto PigWasteBiorefinery, desenvolvido no Instituto Politécnico de Portalegre e apoiado por fundos europeus, é um bom exemplo desta aposta, ao aproveitar as águas residuais da suinicultura convertendo-as em hidrogénio, que é utilizado para a produção de eletricidade da própria empresa.

O uso de fundos comunitários para apoiar ideias que promovam a descarbonização é um dos principais instrumentos da UE para atingir a neutralidade carbónica, mas Filipe de Morais Vasconcelos alerta que a prioridade destes apoios deve ser “apoiar as tecnologias que ainda não são competitivas, [porque] tecnologias que já sejam competitivas no mercado não precisam de apoio, já que o mercado responde por si”. Um dos exemplos seria uma aposta no isolamento térmico das habitações, que reduz o custo do consumo de energia.

Precisamente com essa preocupação, a cooperativa de energia Coopérnico promove comunidades de partilha de energia e um acesso mais democrático a este sector, porque “a transição energética não é só uma transição de tecnologia. Para isto resultar, temos mesmo de repensar também os nossos modelos de consumo”, defende Ana Rita Antunes, coordenadora executiva da cooperativa e um dos membros fundadores.

“A energia elétrica é um bem essencial nas sociedades modernas”, mas “os desafios da transição energética são muito grandes e vamos precisar de todas as tecnologias renováveis, da imaginação de todos e da contribuição de todos”. Um dos aspetos cruciais nesta transição é assegurar que todos conseguem acompanhá-la. Por isso, de forma a combater a pobreza energética, a Coopérnico reabilitou 10 habitações através do projeto FORTESIE, financiado pela UE.

Este é um dos maiores desafios para António Cardoso Marques, uma vez que cerca de 100 milhões de europeus vivem em pobreza energética. É preciso apostar na “educação para a energia, porque a chave desta transição está no consumidor”. “A transição tem esta grande vantagem de reduzir no mercado os grandes players e empoderar os pequenos consumidores”, afirma.

Do ambiente à competitividade projetos que constroem o nosso futuro

PROJETO BE@T

Têxteis O projeto, desenvolvido num consórcio liderado pelo Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário (CITEVE) e financiado por fundos comunitários através do PRR, desenvolve matérias têxteis a partir de resíduos locais como da produção da banana ou resíduos da produção de ananás e fibras sustentáveis, como o cânhamo ou o linho. Estão ainda a desenvolver processos de reciclagem de produtos têxteis que garantam a obtenção de uma fibra de qualidade a partir de solventes orgânicos não nocivos. O objetivo é tornar um dos sectores mais poluentes numa economia sustentável e circular sem comprometer a qualidade dos produtos, além de permitir que a Europa não dependa de terceiros relativamente ao fornecimento de matérias-primas têxteis.

PROJETO AEROS CONSTELLATION

Satélite Um consórcio liderado pela empresa Thales Edisoft Portugal e apoiado por fundos comunitários através do Compete 2020 desenvolveu um nanossatélite, denominado de Aeros MH-1, para estudar a costa portuguesa a partir do espaço. O pequeno satélite, totalmente português, permite visualizar vários quilómetros da superfície marinha e localizar as “etiquetas” colocadas em tubarões ou tartarugas para monitorizar os seus movimentos e, caso um problema no fornecimento de energia seja resolvido, será ainda possível observar a cor do oceano ou detetar frentes oceânicas. O Aeros ronda a Terra há cerca de nove meses e será o precursor de uma futura constelação de mais satélites portugueses que também irão vigiar o oceano Atlântico.

PROJETO THEIA

Veículos Com o objetivo de tornar os veículos autónomos mais seguros, o projeto THEIA, desenvolvido pela Universidade do Porto e pela Bosch Braga e financiado pelo Compete 2020, estudou os sensores LiDAR, que possuem maior resolução e percecionam melhor o espaço em redor do carro para garantir que são capazes de substituir a visão humana. A tecnologia desenvolvida analisou também o comportamento do veículo em caso de chuva ou nevoeiro, uma vez que são situações frequentemente descartadas dos estudos, e garantiu que o sistema de inteligência artificial conseguia tomar a resposta correta. Houve ainda um foco na privacidade do utilizador, para salvaguardar que não seria possível aceder a dados como a localização do veículo ou dados pessoais do condutor.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: colaboradordi28@expresso.impresa.pt

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