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Seis meses de guerra na Ucrânia

O plano é regressar, mas “ainda não vai dar”. Portugal é cada vez menos um lar temporário para quem fugiu da guerra

Anastasiia e Yehven Kravchenko, com Lev e o recém-nascido Kit, no Príncipe Real, em Lisboa, onde costumam ir em família nos dias de folga. Chegaram a Portugal diretamente de Istambul, onde estavam de férias quando a guerra começou. Já vivem sem ajuda há cerca de quatro meses
Anastasiia e Yehven Kravchenko, com Lev e o recém-nascido Kit, no Príncipe Real, em Lisboa, onde costumam ir em família nos dias de folga. Chegaram a Portugal diretamente de Istambul, onde estavam de férias quando a guerra começou. Já vivem sem ajuda há cerca de quatro meses
TIAGO MIRANDA

Mãe e filha sozinhas pela segunda vez nesta vida de refugiadas; um casal tão jovem que ele chegou menor e teve de esperar até aos 18 para poder ganhar o seu salário e um outro casal que já ficará ligado a Portugal para sempre: têm um filho que já nasceu em Lisboa. Todos conseguiram já autonomizar-se, graças à ajuda de uma rede de solidariedade que se montou através de vários grupos do Whatsapp, Não mudou o desejo de voltar à Ucrânia, mas todos reconhecem que Portugal já não é só morada temporária

Há sirenes a tocar em Lviv. Yana está em Lisboa, a caminhar por um jardim calmo sob o sol quente da hora de almoço, fala do clima, da praia acessível numa breve viagem de comboio desde o centro da cidade, mas quando o telefone que traz na mão emite o sinal de uma nova notificação, por milésimos de segundo Yana está de novo na Ucrânia. A guerra no seu país, a mais de 3500 quilómetros de Portugal, volta a entrar pelo seu dia. Há sirenes a tocar na cidade onde deixou a mãe, o marido e a irmã. “Continua a haver muitas sirenes, mesmo em Lviv, porque as autoridades mandam soar o aviso num raio sempre muito maior do que a ameaça direta. Se houver suspeita de bombardeamento de Odessa, por exemplo, soam sirenes em todo o oeste”, explica Yana Strunina, ilustradora e designer de 37 anos, originalmente de uma pequena localidade perto da cidade de Donetsk, na região do Donbas, de onde fugiu pela primeira vez em 2014. Nessa altura, de uma outra guerra com a Rússia, que há mais de oito anos vem erodindo a paz da zona leste do país.

À época, a sua filha, Yeva, tinha cinco anos. “Graças aos céus ela não tem nenhuma memória dessa primeira fuga, mas desta vez, a cada sirene que tocava em Lviv eu via-a a ficar um pouco mais calada, um pouco mais introspetiva, menos comunicativa, mais triste e decidi que tinha de partir, por causa do trauma que podia criar na minha filha. Talvez eu, sem ela, tivesse ficado, mas ela precisa de paz e estabilidade”. Yeva já tem 12 anos, hoje está num campo de férias para crianças ucranianas, foram à praia, Yana suspira - “ai, que bom, ainda bem que foram à praia”.

Yeva está com o coração cada vez mais apertado de saudades dos amigos de Lviv e quer regressar às aulas em setembro, quer voltar à Ucrânia, e a mãe espera que com estas atividades ela possa desenvolver algum apego a novas pessoas, pessoas que vivam também em Lisboa. O plano das duas, traçado na altura da partida, era realmente regressar em setembro e Yeva não quer largar essa esperança. Mas sem uma resolução pacífica no horizonte, com a instabilidade à volta da maior central nuclear da Europa, em Zaporíjia, regressar é um perigo que esta mãe não está disposta a correr. “Ainda não vai dar, até porque se depois quiser regressar para aqui já vai ser muito mais díficil”.

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