Um grupo de jovens palestinianos deixa pela primeira vez a Cisjordânia e chega a Portugal esta semana para apresentar um espetáculo baseado em histórias reais de violência e morte no Campo de Refugiados de Jenine, sob ocupação militar israelita.
“15, 16 years old -- Stories of children who never grow up” é o título do espetáculo, produzido pelo The Freedom Theatre, sediado em Jenine, na Cisjordânia, e entre os dias 19 e 27 deste mês circulará pelos palcos de quatro cidades portuguesas: Leiria, Coimbra, Porto e Lisboa.
Dirigido por Mahmoud Aita e interpretado por Aws Abu Aita, Mohammed Toobasi, Mohammed Abu Alhayjaa, Nadim Lahlouh e Tareq Alhassan, o espetáculo parte de histórias vividas pelos próprios jovens no campo de refugiados, dando testemunho daquilo que é a transformação do medo, do luto e da violência quotidiana em resistência coletiva através do teatro, contou em entrevista à agência Lusa a realizadora portuguesa Diana Antunes, que acompanha o trabalho do The Freedom Theatre desde 2018 e deste grupo em específico desde 2023.
Nestes últimos dois anos, os jovens “já fizeram três performances diferentes, sempre dentro deste formato ‘15, 16 years old’ e vão trabalhando em histórias. Cada espetáculo retrata sempre histórias diferentes de situações reais que aconteceram no campo”, explicou.
Apesar de o The Freedom Theatre ser uma companhia de teatro profissional, com experiência internacional, este é um grupo de jovens alunos que se estão a iniciar no teatro e que Diana Antunes quis trazer em digressão a Portugal, sobretudo para lhes dar “a oportunidade de poderem sair pela primeira vez da Palestina”.
O objetivo deste projeto “é dar visibilidade ao trabalho do Freedom Theatre, mas, acima de tudo, dar também oportunidade aos jovens e às crianças de Jenine de poderem observar uma realidade diferente, que não seja sobre violência, e dar-lhes um bocadinho de tempo fora desta brutalidade diária”, disse a realizadora, numa conversa telefónica a partir da Cisjordânia.
Campo de refugiados foi evacuado e jovens espalhados por casas familiares ou abrigos improvisados
“O campo de refugiados de Jenine é um quilómetro quadrado com cerca de 20 mil habitantes. Desde janeiro de 2025, o campo foi completamente evacuado e ocupado pelas forças [militares] israelitas. Portanto, cerca de 20 mil pessoas foram forçadas a sair, incluindo o grupo de jovens atores que fazem esta peça, e desde então o campo está interdito. O teatro neste momento está transformado em base militar e estes jovens estão literalmente a viver espalhados em casas familiares ou em abrigos improvisados”, contou.
Desde 2018 que Diana Antunes está quase em permanência naquele território palestiniano ocupado, para desenvolver um documentário independente sobre diferentes formas de resistência cultural dentro do campo de refugiados de Jenine, criado em 1953 e que já foi palco “de sofrimento significativo”, nas palavras das Nações Unidas.
Foi nesse contexto que conheceu e se interessou pelo projeto do The Freedom Theatre, que começou a acompanhar entre 2018 e 2019, numa altura em que o campo passava por uma fase bastante calma, sem episódios de violência -- apesar de existir ainda uma mágoa em relação à incursão do exército israelita ao campo em 2002, que resultou em centenas de mortos e na destruição de 80% do campo.
Entretanto, durante a pandemia de covid-19, “Israel fechou as fronteiras e durante um ano intensificou muito os ataques ao campo de refugiados de Jenine. Aproveitou um pouco o facto de não haver ‘media’ no território para intensificar os ataques e o campo voltou a criar de novo uma resistência armada para se defender, e a situação começou a escalar muito”, recordou, assinalando que 2022 e 2023 foram “os anos mais complicados em termos de mortos” no campo, até àquela altura.
Em outubro de 2023, a realizadora conseguiu regressar a Jenine, onde ficou em permanência até final de 2024, a realizar a sua longa-metragem documental, no âmbito da qual acompanhou diariamente os ensaios, a construção da peça e o dia-a-dia dos jovens, o que lhe permitiu retratar a situação do campo.
Paralelamente ao documentário, começou a produzir esta digressão em Portugal, que também surgiu de forma independente, tendo agora como principal objetivo “conseguir cobrir as despesas da iniciativa”, contando já com alguns parceiros e ajudas, nomeadamente de municípios e de teatros que estão a ceder salas e receitas de bilheteira.
“Mas o objetivo é também angariar lucros, conseguir cobrir as despesas, mas angariar lucros, para conseguir apoiar principalmente o grupo, porque todos eles, neste momento estão sem casa. [Ao todo] são seis alunos, mas apenas um deles frequenta a escola neste momento, porque os restantes [cinco que vão viajar] estão a viver longe de Jenine e não têm carro e não têm dinheiro para transportes, para frequentar a escola”.
Em dezembro de 2024, Diana Antunes saiu da Cisjordânia, deixando para trás um campo mergulhado em extrema violência "com mortes diárias, invasões diárias, a destruição constante, bombardeamentos semanais", com “o cerco da Autoridade Palestiniana ao campo, a mando de Israel”, com a missão de dominar a resistência armada e tomar o campo.
Este conflito entre palestinianos durou até janeiro de 2025, quando “o Estado de Israel decidiu finalizar a missão”: foram “dois dias que levaram para atacar, para invadir, e depois deram cerca de meia hora às pessoas para abandonarem o campo”, e elas tiveram de deixar tudo para trás.
Desde então, o campo está fechado e a entrada interditada, mas de vez em quando algumas destas 20 mil pessoas que ficaram sem nada tentam entrar para reaver pertences. Umas conseguem, outras são mortas.
“Na semana passada, vivemos um dia muito triste, porque de manhã alguém conseguiu entrar dentro do campo, não viu militares, então a palavra espalhou-se e houve um grupo de pessoas que entraram dentro do campo e duas crianças de 13 anos foram mortas e várias pessoas foram presas ou foram atacadas”, relatou.
Esta é parte da realidade que as histórias em cena vão contar, sempre centradas em “jovens entre os 14 e os 17 anos, que são mortos pela ocupação israelita, durante diversas incursões ao campo”.
Para além das invasões do exército israelita, há as operadas por “forças especiais”, que incluem grupos de israelitas que aparecem vestidos de palestinianos, fazendo-se passar por vendedores de fruta, e de comida, numa carrinha, onde transportam, escondidos, elementos do exército.
“Ou seja, do nada, nós estamos dentro do campo e de repente começamos a ouvir tiros e começa uma incursão. E há muitas crianças, muitas histórias sobre crianças que morreram nesses momentos. Há também histórias de crianças, por exemplo, que estão só a caminhar dentro do campo e que são mortas”, acrescentou.
Diana Antunes salienta, contudo, que a versão do espetáculo que vem a Portugal não é como as anteriores - compostas por “testemunhos mais curtos de histórias de mortes que aconteceram” -, é antes uma peça que “retrata uma invasão, uma das histórias é uma peça mais longa, que retrata uma noite de invasão no campo”.
“A verdade é que o que acontece na Cisjordânia diariamente, e acontece mesmo diariamente, é muito violento, e não é só o exército israelita. Todos os dias os 'settlers' [colonos israelitas] invadem, são grupos de miúdos de 14 aos 20 anos, invadem aldeias, invadem cidades na Palestina, espancam pessoas, destroem casas completamente, de forma gratuita. É uma violência muito, muito presente, que infelizmente não é muito divulgada, daí ser importante para mim, e urgente também, esta iniciativa, de levar este grupo, de poderem partilhar esta história, porque é uma realidade um bocado abafada”.
“15,16 years old” estreia-se no dia 19 no Teatro Miguel Franco, em Leiria, seguindo depois para O Teatrão, em Coimbra, onde se apresenta a 22, e para o Clube Fenianos Portuenses, no Porto, no dia 23, para terminar em Lisboa, com apresentações no Teatro da Barraca, nos dias 26 e 27.