Geração E

O PS afastou-se do seu eleitorado — foi para onde ninguém estava

O PS afastou-se do seu eleitorado — foi para onde ninguém estava

João Avelar Dias

Militante da Juventude Socialista e secretário-geral da SEDES Jovem

Pedro Nuno Santos tentou colar ao PS uma roupagem de radicalismo soft, de inconformismo ensaiado, de proximidade forçada com franjas do eleitorado que, historicamente, nunca reconheceram no PS o seu espaço natural. O resultado foi o afastamento daqueles que sempre foram o coração do projeto socialista: a classe média urbana, os profissionais liberais, os pequenos empresários, os jovens qualificados, os pensionistas

Os portugueses vieram confirmar nas urnas o que há muito se sentia. Era evidente para alguns — embora impercetível para muitos — que o PS caminhava para um destino errado: para longe do seu eleitorado tradicional e, mais grave ainda, para perto de ninguém. A derrota foi, portanto, mais do que anunciada. Foi construída. Decisão a decisão. Discurso a discurso. Tijolo a tijolo.

A noite eleitoral de ontem não foi apenas má — foi histórica, pela negativa. Nem com Almeida Santos, nem com Vitor Constâncio, o PS tinha conhecido uma derrota com este peso simbólico e político. Não é apenas o número de deputados que impressiona. É a constatação de que um partido que há menos de três anos conquistou uma maioria absoluta foi agora empurrado, ao que tudo indica, para a posição de terceira força política no Parlamento. A pergunta impõe-se com urgência: como é que se perde tanto em tão pouco tempo?

Poder-se-ia dizer que o Partido Socialista ficou órfão de António Costa, e que essa orfandade se traduziu num vazio estratégico e numa perda de norte. Mas a realidade é ainda mais desconfortável: o PS teve, efetivamente, uma estratégia. Teve uma orientação clara. O problema é que essa estratégia falhou redondamente — e não por falta de definição, mas por falta de encaixe no país real.

Pedro Nuno Santos, ainda que herdando em larga medida o legado programático de Costa, conduziu o partido para um campo discursivo e estético que não é o seu. Tentou colar ao PS uma roupagem de radicalismo soft, de inconformismo ensaiado, de proximidade forçada com franjas do eleitorado que, historicamente, nunca reconheceram no PS o seu espaço natural. O resultado foi o afastamento daqueles que sempre foram o coração do projeto socialista: a classe média urbana, os profissionais liberais, os pequenos empresários, os jovens qualificados, os pensionistas. Portugueses para quem o PS foi, durante décadas, sinónimo de elevador social, de estabilidade, de progresso e de esperança. Em menos de nada, já não confiavam no partido de toda uma vida.

E não, o partido não conseguiu compensar essa perda nunca, aliás, conseguiria. A aposta num discurso mais à esquerda não se traduziu em maior mobilização das classes mais desfavorecidas— antes pelo contrário. Basta olhar para o crescimento do Chega nas zonas economicamente mais frágeis do país. Pedro Nuno tentou falar aos esquecidos, mas acabou a falar sozinho.

A verdade é esta: o PS afastou-se do seu eleitorado e não se aproximou de mais ninguém. E um partido que não fala com ninguém é um partido que deixa de contar. Os partidos servem para representar e, se o deixam de fazer, estão destinados ao fracasso.

Se há utilidade na derrota, é a de servir de lição. A catástrofe, quando assumida, pode ser um ponto de viragem.

É urgente um PS que volte a ouvir — e a respeitar — os melhores que o serviram. Mas é igualmente essencial que saiba valorizar os melhores entre os jovens: quadros qualificados, disponíveis para o renovar. O partido precisa de se abrir — para dentro e para fora.

Precisa de voltar a ser previsível no melhor sentido: estável, responsável, capaz de garantir uma governação séria. Um PS que deixe de gastar energia a dizer o que não é — e volte a afirmar, com clareza, o que representa. O que propõe. O que concretiza.

Porque, no essencial, é disso que se trata: de reformismo. E reformismo é compromisso. É desenvolvimento com justiça. É liberdade com solidariedade.

Hoje, o maior desafio do Partido Socialista não é apenas disputar o poder. É voltar a fazer sentido — e a merecer confiança.

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