Geração E

Na era da Direita Pop, em Portugal temos a Direita Foleira

Na era da Direita Pop, em Portugal temos a Direita Foleira

João Salazar Braga

Autor e consultor de comunicação

Há uma direita que está a ser capitalizada – vendida e revendida, adaptada e por vezes regateada – porque entrou na moda e dela não sairá tão cedo

Logo no início do ano, muito se escreveu e falou sobre a reconquista de terreno por parte de uma certa direita que terá finalmente percebido o que é isso da pop culture. Foi assunto nos Estados Unidos, que receberam Trump de braços abertos. Cá não se escreveu nem falou muito sobre isso. No máximo, partilhou-se aqui e ali a peça da “New York Magazine” sobre os pequenos trumpistas que, de iPhone empunhado e com os olhos postos no X e no TikTok, querem redefinir a cultura dominante e acham-se em boa posição para o fazer.

O trabalho jornalístico faz um retrato, presumivelmente imparcial, dos jovens norte-americanos que, sendo mais ou menos de direita, confiaram o país aos Republicanos. A reportagem abre os olhos, faz rir (um entrevistado com particular sentido de humor admite mesmo que os eventos organizados para celebrar o segundo mandato de Trump correspondem a um Coachella Republicano – no qual Trump seria Beyoncé) e permite, havendo engenho e espírito para isso, analisar as jovens direitas que ressurgem nas sociedades ocidentais. É uma tarefa difícil porque requer um domínio de percepções, mas vale a pena por mais fútil que pareça.

Os norte-americanos referem-se mesmo a um vibe shift. É uma expressão sofrível. Não quero dar razão aos que criticam este semanário por estar repleto de tipos viciados em estrangeirismos, mas é essencial utilizar essa e outras expressões quando se propõem análises à pop culture, porque realmente é disso que se trata: de um vibe shift com consequências sociopolíticas. Os boletins de voto são esclarecedores já por si, mas não se perde nada em atentar no facto de a mudança ser cada vez mais audível e visível, já que tem operado ao nível da estética e do discurso, beneficiando da agilidade própria das redes sociais.

Pode ser uma questão de algoritmo, mas aos dias de hoje não é necessário passar mais do que 10, 15 minutos na Internet para interagir com um conteúdo (meme, moodboard ou notícia, não interessa) alinhado à direita. Já não é novidade. Pode ser que esta ideia tenha exposto o meu algoritmo desnecessariamente. Não me inquieta, porque o que pretendo é perceber, à escala global, por que razão é que símbolos culturais conotados com a direita estão de regresso.

Parece que há uma direita que está a ser capitalizada – vendida e revendida, adaptada e por vezes regateada – porque entrou na moda e dela não sairá tão cedo. (Terá sido a política a pô-la no circuito? Ou é este afluente da pop culture que legitima a corrente política?) Trata-se de uma nova direita (uma direita muito própria, quase de nicho) que se reinventou, sendo moldada pelos todo-poderosos do entretenimento que se adaptaram ao shift antes de todos. Em breve, faremos todos parte dela (até os mais à esquerda no espectro, portanto), se é que já não fazemos devido ao simples facto de estarmos inseridos na sociedade digitalizada em que ela se manifesta.

Aqui, em Portugal, esta direita ainda não deu lucro – e é muito possível que não venha a dar porque, como a maioria do produto estrangeiro que é introduzido no país, não temos escala. É tramado: os nossos yuppies têm menos poder de compra. Às tantas, apetece escrever, à boa maneira do TikTok, que, por cá, “we can’t have shit” – nem uma direita que sabe finalmente usar o telemóvel, construir narrativas (não alicerçadas obrigatoriamente em fake news) ou estar simplesmente na Internet sem chatear (desrespeitar) os outros com o seu «conservadorismo».

A nossa direita, que é, enfim, aquela que merecemos, nunca esteve tão torta. Nela, e num campo estritamente digital, destacam-se perfis (no X, acima de tudo) pouco recomendáveis e extremamente discutíveis. Por exemplo, não sei se é com figuras que falham a reprodução do look «Rolão Preto» que a nossa direita vai ao sítio, mesmo que ela vá tendo cada vez mais votos. E, fora das redes, desconfio também de que não é com raciocínios populistas, mesmo que esses continuem a garantir poltronas parlamentares.

É, pois, a direita que temos: uma direita com pouco gosto. E este é o país que temos: um que raramente arranja forma de se dar bem com ela, fazendo com que os perfis que se recomendam tenham pouco espaço e tempo para falar da direita que importa, pensa e constrói – ou que importava, pensava e construía – sem provocar asco. A nossa direita já teve mais cultura e, acima de tudo, critério e gosto. A nossa e a dos outros, mas sobretudo a nossa, que é a que nos deve interessar mais. Já foi verdadeiramente pop – colorida e frenética (e até dançável) – e já esteve na moda e nos tops. Agora resta-nos, como sempre nos resta, o revivalismo e uma direita que não é direita. É foleira.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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