Geração E

100 anos de Mário Soares: o legado da História aos olhos de um jovem

100 anos de Mário Soares: o legado da História aos olhos de um jovem

João Avelar Dias

Secretário-Geral da SEDES Jovem

Não tive o privilégio de assistir à esmagadora maioria da sua passagem pela História. No entanto, espero ter o privilégio de viver num país que pretende ser o país que Soares sonhou que fosse - cada vez mais livre, mais justo e mais único

A reflexão que faço no Centenário de Mário Soares é a possível a um jovem que nasceu 81 anos depois do seu nascimento, mas que acha que celebrar o seu legado tem tanto de atual como de necessário.

A história de Mário Soares confunde-se com a da construção da nossa democracia. Soares foi incontornável e exemplar em todos os momentos da afirmação em Portugal de uma sociedade livre e justa, desde a resistência à ditadura até todas as fases de consolidação do regime democrático em que vivemos.

Em todas as passadas do seu percurso, tem algo a ensinar-nos. Na resistência à ditadura, é a prova viva de que a coragem é a principal arma de um Homem. Esse destemor teve consequências, mas, na prisão e no exílio, inspira-nos também, nunca se demovendo da luta contra o fascismo até que chegue a «madrugada que esperava», ele e um povo, e que Sophia virá a cantar.

Aí, no pós-revolução, ensina-nos que o valor mais dignificador e basilar de uma sociedade é a liberdade e que, sem ela, nada se constrói justamente. Essa mesma liberdade, que na Fonte Luminosa e no 25 de novembro, só é verdadeiramente garantida graças à sua liderança e à adesão das massas ao projeto de democracia plural que ansiava e encabeçava para Portugal, contra todos os que à esquerda e à direita procuravam desvirtuar ou combater o rumo libertador do 25 de abril. Mais tarde, nas Presidenciais de 1986, mostra-nos, quando avança com 8% nas sondagens para umas eleições que acaba por ganhar, que em política nos devemos predispor, sem tacticismos e condicionamentos, a lutar pelo que acreditamos.

Enquanto Presidente, demonstra que o país também se constrói no diálogo e na abertura do regime a toda a sociedade, com as presidências abertas. Soares, na presidência, mostrou que é possível o Presidente da República ter um papel próximo, ativo e definidor, sem nunca desvirtuar ou vulgarizar o cargo e a sua solenidade necessária. Até mesmo, mais tarde, em 2006, quando já mais velho, mas nunca sem força, se predispõe a um cenário eleitoral sabido à partida desfavorável e irreversível, Soares é exemplo de que um cidadão, enquanto sentir que pode contribuir para o país, nunca se deve demitir desse papel.

Em toda a vida, a procura por sempre mais cultura e mais conhecimento, por ouvir o próximo e perceber a diferença, devem inspirar e servir de guia a qualquer servidor da causa pública. Soares era exatamente isso - um servidor, que nunca teve medo de se assumir como tal, e que sempre advogou que um «político se assume».

Hoje, falta-nos muito de Soares numa era de perpetrado descrédito pela Política. Soares sabia que a política e a democracia ativa eram, e continuam a ser, o ofício mais nobre que se pode escolher. Mário Soares sabia-o e a sociedade portuguesa deve hoje ter presente que valorizar e respeitar aqueles que se dedicam à causa pública é da mais elementar justiça para honrar aqueles que garantiram que era mesmo ao povo que pertencia o poder, a palavra na gestão da pólis.

Por outro lado, a sua visão sobre a Europa é também hoje atual - um projeto comum de progresso, uma ambição coletiva de povos que sabem que se acrescentam e um desígnio de desenvolvimento. A União Europeia, para Mário Soares, nunca foi um chavão ou um projeto tecnocrático. A Europa era, na sua visão, um espaço de construção da política social e humanista que defendia. Foi, por isso, que, pelas suas mãos, aderimos ao projeto europeu, o principal e derradeiro passo para um Portugal que se quis fazer e cumprir, sem se fechar ou entristecer. Esta visão nunca lhe faltou porque o pensamento nunca se deixou condicionar.

Com efeitos à vista de todos, Mário Soares era ele próprio, dizia o que pensava e movia-se pelo que acreditava com uma paixão e determinação inabaláveis. Efetivamente, Soares, sendo um homem convictamente de esquerda, fundador e histórico líder do Partido Socialista, é, ou, pelo menos, deve ser, recordado por todos, sem exceção, como um exemplo a seguir na vida pública.

Soares, que foi acusado injustamente de ter posto o «socialismo na gaveta», ensina também aí uma lição para o presente, a todos, mas, sobretudo, à sua área política. Essa mesma é a de que, em política, os nossos valores e convicções são invioláveis, o que nunca nos deve, por isso, fazer impermeáveis e insensíveis aos tempos, ao seu avançar e circunstâncias próprias.

Não tive o privilégio de assistir à esmagadora maioria da sua passagem pela História. No entanto, espero ter o privilégio de viver num país que pretende ser o país que Soares sonhou que fosse - cada vez mais livre, mais justo e mais único.

Há uma característica de Mário Soares que destaco como necessária para a construção desse país - o otimismo. Em todo o seu percurso, Soares sempre olhou para o futuro munido da confiança de que seríamos capazes de vencer as adversidades. Hoje, esse otimismo faz muita falta a Portugal. Vivemos, enquanto povo, assoberbados pelos nossos problemas e obcecados pelas nossas fraquezas. Soares recomendar-nos-ia olharmos mais para as soluções e buscarmos forças na confiança de que iríamos conseguir.

A sua existência passa hoje a centenária. Quanto a esse facto, diz-se que um homem só morre quando a última pessoa que se lembra dele morre. Façamos com que Mário Soares nunca morra, nunca seja esquecido, sigamos «o caminho que fez caminhando» e construamos o nosso com o exemplo do dele.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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