Geração E

Merecemos qualidade de vida na menopausa: questões sobre a menopausa, antes e depois dos 40

Merecemos qualidade de vida na menopausa: questões sobre a menopausa, antes e depois dos 40

Clara Não

Ilustradora, ativista, autora

Quando há sintomas na menopausa, há que tratar deles, em vez de os desvalorizar. Um tratamento médico dos sintomas da menopausa não se pode ficar por “aceite que é assim, e pronto, pegue lá um anti-depressivo”. Isto nem se pode considerar um acompanhamento médico, mas sim uma desvalorização tal da qualidade de vida da mulher, que a invisibiliza durante um terço da sua vida

Tenho 30 anos. Se tudo correr bem, estou a cerca de meio caminho entre a menarca (primeira menstruação) e a menopausa. Assim, refleti sobre como as mulheres passam mais de um terço das suas vidas em menopausa e tão pouco se fala dela. Regra geral, vemos à nossa volta mulheres simplesmente a aceitar os sintomas por defeito, sem procurar com afinco soluções para lidar com eles, até porque os médicos, genericamente falando, não mostram grande interesse em procurar soluções depois de uma não funcionar.

Os sintomas sãopsicológicos e físicos, incluindo: ansiedade, depressão, falta de concentração, falta de memória, irritabilidade, cansaço, alterações de humor, insónias, redução da líbido; afrontamentos, suores noturnos, secura e irritação da vagina, dores nas articulações, dores musculares, pele seca, cabelo mais frágil / fino, alterações nas unhas, palpitações, dor de cabeça e enxaquecas, olhos secos, boca seca, ardor na boca, alterações no paladar, problemas com os dentes, incontinência urinária, infeções urinárias, alterações intestinais, inchaço abdominal; e ainda é possível haver mais sintomas, como, aumento de peso, osteoporose e doenças cardíacas.

Depois desta enorme lista, é suposto aceitarmos por defeito que não há nada a fazer? Não, não é verdade, merecemos qualidade de vida depois da fertilidade e existem soluções.

Quando há sintomas na menopausa, há que tratar deles, em vez de os desvalorizar. Um tratamento médico dos sintomas da menopausa não se pode ficar por “aceite que é assim, e pronto, pegue lá um anti-depressivo”. Isto nem se pode considerar um acompanhamento médico, mas sim uma desvalorização tal da qualidade de vida da mulher, que a invisibiliza durante um terço da sua vida. Como escreve a Dra. Lisa Vicente, “quando a menopausa ‘vem associada’ a sintomas, então há que os tratar, tal como se tratam as dores de cabeça ou a azia. (...) Tal como pode precisar de óculos para ler ao perto.” A obstetra e ginecologista afirma igualmente que se deve procurar um tratamento individualizado, porque cada mulher tem os seus sintomas. Infelizmente, tendo em conta que o acesso a um cuidado de saúde especializado, a tempo e horas ainda é um privilégio, as mulheres têm atravessado um obstáculo muito grande no acompanhamento médico ginecológico e obstétrico. Graças ao fraco investimento económico do Estado no SNS, ser seguida de forma regular como mulher grávida e parturiente já é complicado, quanto mais como mulher na menopausa.

“A forma de lidar com a menopausa nas mulheres à minha volta resume-se à desvalorização da sintomatologia pelos profissionais de saúde que as acompanham e também pela criação de medo relativamente aos possíveis tratamentos hormonais. Não há partilha de informação suficiente sobre o que se passa com o corpo. A abordagem é muito semelhante às dores na menstruação: “faz parte”.”
Inês

“Quando a minha mãe começou a ter sintomas de menopausa, prescreveram-lhe um antidepressivo. Mais nada.”
Joana

“A minha mãe teve 10 anos com calores.”
Rita

“A minha mãe teve menopausa precoce. Pensava-se que tinha infeção pulmonar! Só passados mais de 10 anos é que se percebeu o que era.”
Maria

Dado este panorama, abri uma caixa de partilha nas minhas stories de instagram para que as minhas seguidoras pudessem partilhar as suas experiências e dúvidas com a menopausa, da qual surgiram as experiências que pautam este artigo. Foi então que me deparei com esta realidade: há muitas mulheres nos seus 30 anos na menopausa, por causa de, por exemplo, tratamentos oncológicos. Se a menopausa já é um tabu quando acontece aos 40 e 50, quanto mais aos 30. A verdade é que a validação das mulheres como mulheres ainda está, infelizmente, muito alicerçada na questão da fertilidade. Tal vê-se em comportamentos simples como ainda haver quem diga a uma pré-adolescente que menstruou pela primeira vez: “agora já és uma mulher”. Outro exemplo é aquela frase corriqueira e deplorável: “os homens envelhecem como o vinho, as mulheres como o leite”. Pois bem, se assim for, um dia eu haverei de ser um queijo curado de extrema qualidade. A sexóloga Marta Crawford falou precisamente sobre esta relação social nociva entre fertilidade e validade, na conferência “Não fica bem falar de... menopausa”, organizada pela Wells, com o Expresso como media partner, ainda este ano.

“A chegar lá, com 32 anos. A consulta para confirmar é só em dezembro. Mas perceber que nunca se aprendeu sequer na escola sobre o assunto e até agora a única coisa com que os médicos se parecem preocupar é com a questão da fertilidade. Nunca quis ter filhos, isso não me apoquenta, mas e então o resto?”
Ana

Como a construção social de género da mulher ainda está muito vinculada à maternidade, existe esta limitada noção de correlacionar o género feminino com a capacidade de gerar vida. Não só esta é uma conotação nociva para quem muito quer ser mãe e atravessa problemas de fertilidade, como cria momentos muitos desconfortáveis para quem é mulher e não quer ser mãe. Além disso, faz com que haja ainda este pudor em falar da menopausa. Ora, imaginem o que acontece quando se junta esta construção do género feminino fortemente baseada na fertilidade com o início da menopausa aos 30, por razões de saúde.

A Luísa, com 31 anos, descobriu que iria entrar na menopausa em breve, devido a uma doença genética. A Patrícia entrou em menopausa aos 36. A Inês está em perimenopausa com 37 anos.

Regra geral, as mulheres entram na pré-menopausa pelos 40 e depois na perimenopausa quando os sintomas típicos desta fase começam a dar sinal, como refere Patrícia Lemos no seu livro “Não é só sangue”. Mais adianta que é um processo estendido no tempo, não acontecendo de um dia para o outro, excepto em casos em que os ovários são retirados cirurgicamente. (pág. 82, 1ª. edição)

Dada toda esta complexidade de falta de informação, fertilidade, condições de saúde e acesso a terapias, contactei diretamente a Dr. Lisa Vicente, obstetra e ginecologista.

Na minha cabeça, e na caixa de perguntas, surgiram muitas questões, muita ansiedade ao que se avizinha e em relação ao que já é real para muitas, muitas pessoas. É natural ter medo do desconhecido. No entanto, acredito firmemente que havendo mais informação, o medo se torna menor. Dito isto, passarei, de seguida, a responder a algumas questões.

Quais são as diferentes reações que uma paciente tem em consulta, quando se fala de menopausa?

A Dra. Lisa afirma que há, na generalidade, dois tipos de posicionamento da paciente em consulta, dependendo do facto de já ter tido, ou não, acesso a informação sobre a menopausa.

As mulheres que se informam fora do contexto hospitalar, através de livros e podcasts, por exemplo, chegam com uma visão totalmente diferente à consulta, com perguntas mais específicas e direcionadas, com menos pudor, porque já ouviram pessoas a falar da menopausa de forma descomplicada e sem tabus. Isto pode acontecer graças a podcasts, como o episódio de Lisa Vicente no Voz de Cama (com Tânia Graça e Ana Markl); livros, como é o caso do ‘Não é só Sangue’, de Patrícia Lemos e o livro ‘O Atlas da V’ da Dra. Lisa Vicente.

As pacientes que descobrem em consulta que podem estar na menopausa, muitas vezes, rejeitam essa informação, considerando a menopausa um bicho-papão. São estas situações que mostram que não há dúvida de que procurar informação fiável é um ato de auto-empoderamento.

Secura vaginal na menopausa é automaticamente sinónimo de falta de desejo sexual?

Há uma ideia aterradora de que a secura vaginal é automaticamente sinónimo de falta de desejo, quando não é assim tão linear. Pode ser falta de estrogénio. Se olharmos para o modelo mais recente de resposta sexual aceite pela comunidade médica, o modelo de Basson, facilmente nos apercebemos de que o desejo espontâneo não é a única forma de iniciar uma resposta sexual, podendo haver excitação sexual após estimulação sexual consentida e com vontade. Ou seja: havendo disponibilidade, vontade, para se tornar receptiva, uma mulher pode, com estímulos sexuais num contexto apropriado, chegar à excitação sexual sem que tenha havido um desejo espontâneo prévio.

Modelo de resposta sexual de Rosemary Basson, 2000 (Lisa Vicente, pp. 82-84)

A Dra. Lisa afirma, ainda, que “tal como usamos cremes hidratantes para a face ou para o corpo, também a vulva e vagina precisam de hidratação. Sem isso, muitas vezes tornam-se secas. Estes factos propiciam o aparecimento de infeções vaginais e/ou urinárias. E este cuidado é importante mesmo para as pessoas que não têm uma vida sexualmente ativa.” (Lisa Vicente, pág. 106) Resta realçar que existem no mercado cremes especificamente para secura vaginal com muita qualidade, não devendo ser substituídos por cremes de hidratação genéricos que não têm em conta o contexto a tratar e o pH da vulva-vagina.

Quando uma mulher cis faz histerectomia, entra em menopausa?

“Fiz uma histerectomia, e não sei como vou reconhecer sinais menos óbvios da menopausa quando for a altura dela.”
Joana

“Eu tive fibromiomas. Acabei por ter de tirar o útero aos 36 anos.”
Patrícia

Há uma ideia base de que a menopausa acontece quando se deixa de menstruar, mas, mais uma vez, não é assim tão simples. A menopausa acontece quando cessam os ciclos menstruais. Estes são controlados pelo cérebro, através do eixo hipotálamo-hipófise-ovários (Patrícia Lemos, Não há Sangue). Ora, como vemos, não há aqui a palavra “útero”, porquê? Porque são os ovários que produzem estrogénios, entre outras hormonas. Desta forma, quando é retirado o útero cirurgicamente (histerectomia) — por exemplo devido a fibromiomas ou a endometriose severa no útero — e são preservados os ovários, embora deixe de haver menstruação, os ovários continuam a produzir as hormonas. Por consequência, não se dão os sintomas típicos da menopausa. No entanto, quando as mulheres são submetidas a uma ooforectomia (remoção dos ovários), a produção de hormonas cessa repentinamente, fazendo com que os sintomas da menopausa surjam de forma intensa e repentina (geralmente). (Lisa Vicente, Atlas V, pág. 107).

Qual a relação entre cancro da mama e menopausa?

A probabilidade de uma mulher ter cancro da mama ao longo da sua vida é de 1 em cada 8 (fonte de informação, SNS). Embora a maior parte dos casos diagnosticados aconteça depois dos 40, há cada vez mais jovens com cancro da mama.

Pacientes com cancros hormono-dependentes (como o cancro da mama e do útero), tomam inibidores de aromatase e tamoxifen, medicamentos que bloqueiam os receptores e inibem a ação do estrogénio. Esta terapêutica é necessária já que o desenvolvimento deste cancro e possíveis recidivas podem ser potenciados pelo estrogénio. Por consequência, pessoas a tomar estes inibidores que antes não estavam na menopausa, com este tratamento, entram na menopausa. Neste contexto, ainda, não nos podemos esquecer de que 75% das sobreviventes de cancro da mama demonstram sintomas ginecológicos e do trato urinário, incluindo secura vaginal.

Ora, uma mulher sobrevivente de cancro, após término de tratamento oncológico que tenha incluído este tipo inibidores, não pode fazer a típica terapia de substituição hormonal oral. No entanto, hoje em dia, já há a possibilidade de tratamento tópico vaginal com estrogénio, como referido no artigo “Safety of vaginal oestrogens for genitourinary Symptoms in women with breast cancer”, de Belinda E Kiely, Rhea Liang, Christina Jang, Karen Magraith (de Maio de 2004, de ALGP — Australian General Practice Accreditation — Vol. 53.)

Ter sobrevivido a um cancro da mama é uma dádiva, mas não deve ser usado como retórica de invisibilidade: uma mulher sobrevivente de cancro merece uma vida sexual e conforto vulvo-vaginal. Que esse direito não seja desvalorizado, que não se aceitem argumentos de gaslighting como “se tiveste a sorte de sobreviver, isso dos afrontamentos e da secura vaginal não vale nada”. Felizmente, hoje em dia, já há formas de lidar com estes sintomas e voltar a ter relações sexuais de forma prazerosa. Se há coisa que uma sobrevivente de cancro merece é o prazer de viver.

Como fazer para haver consultas médicas mais sensíveis à menopausa?

Para além de formações dentro da comunidade médica, é preciso treinar a retórica de abordagem da comunidade médica. “É preciso treinar os médicos e médicas a fazerem as perguntas, de forma a conseguirem abrir porta para todo o tipo de questões”, afirma a Dra. Lisa. A verdade é que, especialmente quando as mulheres chegam à consulta com o tabu da menopausa e da sexualidade feminina, muitas questões ficam por fazer, por vergonha. Muitas mulheres não estão confortáveis em fazer perguntas relativamente à sua vida sexual, mesmo em contexto de consulta médica. Desta forma, é preciso treinar a comunidade médica de forma a conseguirem criar um ambiente de conforto, propício à partilha, sem julgamentos. Não é uma tarefa fácil, ainda por cima quando existe este contexto da dádiva de sobreviver a um cancro.

No artigo “Sexualidade e Cancro”, da Liga Portuguesa Contra o Cancro”, encontram, inclusive, uma lista de 12 perguntas que podem, e devem, fazer em consulta, como pacientes, logo no início do tratamento oncológico. Desta forma, conseguem afastar-se da vossa vida íntima em si e dizer algo como “li estas perguntas a fazer no site da Liga Portuguesa Contra o Cancro e gostava de saber a resposta, para agora e para o futuro”. A lista inclui perguntas como:

  • "É natural que eu venha a ter alterações sexuais devido ao tratamento?"
  • "Quais serão os efeitos secundários, relacionados com a sexualidade, que poderão acontecer durante e após o tratamento?"
  • "Os efeitos secundários serão permanentes? Desaparecerão naturalmente?"
  • "É normal que os tratamentos afetem o meu desejo sexual?"

Há uma sensação muito bonita de empoderamento quando aprendemos mais sobre o nosso próprio corpo e como cuidar melhor dele. Além disso, é importante partilhar informações e experiências com mulheres que nos são próximas, seja sobre menopausa ou outras questões do foro da vida sexual e reprodutiva. Mulher empodera mulher.

Acabo este artigo com uma partilha de uma seguidora, a Anabela:

“A minha menopausa não me define, como a minha menstruação nunca me definiu.”

Links e Livros úteis:


Um obrigada enorme à Dra. Lisa Vicente pela sua disponibilidade e entrega profissional e pessoal à área de ginecologia e obstetrícia.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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