Geração E

Estes putos deviam era fazer a tropa

Se preferir não levar balázios é ser pusilânime, somos todos pusilânimes

O Almirante Gouveia e Melo regressou da submersão para, num artigo no Expresso, apelar a uma reflexão sobre o regresso do Serviço Militar Obrigatório. A exortação é enquadrada por uma análise ao contexto de insegurança no mundo Ocidental, que aparente e infelizmente não é solucionada com a entoação em coro da canção “Where Is The Love” dos Black Eyed Peas. O artigo de Gouveia e Melo tem sido lido como um toque a reunir. Porém, uma vez que uma putativa reposição do serviço militar obrigatório incidiria sobre os adolescentes dos dias de hoje, teria sido mais eficaz um TikTok a reunir.

No texto, Gouveia e Melo declara urgente que o país volte a produzir armamento. Pessoalmente, só estava à espera de me arrepiar com um “às armas, às armas!” em junho, antes do apito inicial do Portugal - Chéquia. Entendo a preocupação do chefe do Estado-Maior da Armada, mas os portugueses já têm demasiados complexos - acho que não aguentam um que seja industrial-militar.

Não alinho na ideia de que a nova geração é demasiado vulnerável para a guerra. Todas são. Claro que é divertido imaginar militares a afirmar que o inimigo é cringe e a acusar os superiores hierárquicos de gaslighting. Sim, não teríamos tatuagens com "amor de mãe", já que as novas gerações estão a desconstruir as relações familiares em psicanálise e concluiriam que um ato desses só reforçaria a constante necessidade de aprovação das progenitoras com traços narcisistas. Mas de certeza que os adolescentes portugueses dos anos 60 também prefeririam o flower power ao mato da Guiné. Se preferir não levar balázios é ser pusilânime, somos todos pusilânimes.

Gouveia e Melo tem razão quando alerta para o facto inegável de que temos as defesas em baixo. Alguns julgarão que a infantaria portuguesa é um mito urbano, que já não é vista na rua há cinquenta anos, desde que houve chaimites na urbe. As Forças Armadas Portuguesas têm sensivelmente tantos efectivos como o Pingo Doce. Se a guerra com a Rússia envolver o registo frenético na caixa registadora de iogurtes líquidos, hortaliças e amaciadores de roupa com fragrância jasmim/mirtilo, somos capazes de ter hipótese. Claro que há, em Portugal, homens em idade militar que estão em boa forma. Ainda assim, a sua conscrição obrigaria o gabinete de guerra a garantir a capacidade logística nas frentes para receber encomendas da MyProtein.

Se Gouveia e Melo tem legitimidade para apelar ao regresso do SMO, muitos de nós não. Em Portugal, a obrigação legal de prestação de serviços às Forças Armadas terminou efetivamente em 2004, altura em que foi substituída pelo Dia da Defesa Nacional e pelo apoio patriótico à seleção de futebol, à época comandada pelo sargentão Scolari. Os jovens que hoje seriam chamados para prestar o serviço nasceram todos depois do seu fim. Tanto a geração que se baldava por causa de alegadas dores nas costas, como a minha, que foi meramente convidada a fazer uma visita de estudo à base naval do Alfeite, com direito a sandes mista em forma de triângulo, não têm autoridade para obrigar os putos de hoje a acordar às seis da manhã para fazer a cama. Não é concebível convocarmos os outros para o dever quando só conhecemos as armas pelo Call of Duty.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate