Geração E

Estamos aqui e vamos lutar

Estamos aqui e vamos lutar

Clara Não

Ilustradora, ativista, autora

As minorias de poder juntas são a maioria. Quem tem de ter medo são os fachos. Temos de nos unir. Transformemos a raiva em motor de revolução, de esperança, de luta. Que as nossas diferenças formem uma união, contra os ideais fascistas, xenófobos, homofóbicos, transfóbicos, racistas. Estamos aqui e vamos à luta

Ontem, as conversas de café subiram ao pódio nas eleições. O bêbedo que diz “se eu mandasse nisto era tudo diferente” foi louvado. Os distraídos com a conversa, não repararam qual era o trunfo na sueca e perderam a jogada. E as mulheres foram mandadas para casa.

A taxa de abstenção foi a mais baixa desde 1995. Houve cem mil pessoas a votar no ADN, sendo que, alegadamente, muitas julgavam votar na AD. E passamos de um parlamento com 85 mulheres (que já era um mau número) para um com apenas 76.

O Chega, partido de ideais fascistas, racistas, misóginos e xenófobos, alto comissariado de reprodução de conversas de café em discursos, promotor de falácias de cariz pessoal em contexto político, conseguiu mais de 1 milhão de votos, o que, contas feitas, resulta em 48 apoiantes dos seus ideais no parlamento. Para quem acha que estou a exagerar nesta adjetivação dos ideais do partido, que leia o programa do mesmo para tirar as dúvidas. Na verdade, duvido muito que a grande maioria das pessoas que votaram nele tenha lido o programa. Acredito bem mais vincadamente que o voto tenha sido o resultado de um desejo de algo diferente, movido a desespero e ao reconhecimento das palavras das conversas de café.

Não me vou alongar sobre o programa do partido, porque isso é dar-lhes palco e não é esse o foco desta crónica. No entanto, importa destacar que o Chega quer acabar com a Comissão para a Igualdade de Género e promover a época dos “Descobrimentos” — que, na verdade, foram invasões coloniais — como o tempo áureo dos portugueses. Tanto um como outro são medidas tipicamente fascistas.

Mudado o parágrafo, o tema que hoje vos trago é o da inclusão. Numa atmosfera propícia a este tipo de ideais opressores, as comunidades que mais depressa perdem os seus direitos são as mais subjugadas, as que vêm a política a ser feita para elas e não com elas. Ora, a verdadeira inclusão tem de incluir as pessoas nas decisões, através da representatividade, o que não acontece. Relembro que as pessoas consideradas minorias, são minorias de poder, e não necessariamente minorias em número de pessoas (como é o caso das mulheres).

Desta forma, as pessoas que nunca têm direitos garantidos e estão em maior perigo no meio de ideais de cariz uniformizador pela heteronormatividade, machismo, nacionalismo e racismo são: as mulheres, a comunidade LGBTI+, as pessoas migrantes, comunidades racializadas, pessoas com deficiência e a comunidade neurodivergente.

São as pessoas que são consideradas “minorias” que se vêem constantemente no grupo “dos outros”. Quantas e quantas vezes vemos pessoas de alguma forma inseridas num grupo de elite a dizer que ‘temos de incluir “os outros”’? Basta de sermos “os outros”. Os homossexuais não são “os outros”. As pessoas negras não são “os outros”. Esta uniformização de categorização da diferença só mostra que o que é considerado “normal” é uma pessoa branca, heterossexual, sem deficiência e sem neurodivergência. Esta definição padrão é muito nociva. E que tal desconstruirmos o que é “normal” e desmontarmos as caixas todas de categorização no tratamento social? Não se trata de não olhar para as diferenças, mas sim de reparar nelas sem preconceito, de forma a conseguirmos uma equidade de oportunidades e tratamento social.

Se analisarmos bem, as pessoas a quem chamam “aquelas pessoas” são as vossas irmãs, as vossas amigas, as vossas primas, mães, avós, tetravós, filhas, futuras pessoas que namoram e casam com pessoas da vossa família. “Elas” não são as “outras pessoas” só porque não estão na caixinha da pessoa branca, heterossexual, sem defeciência, sem neurodivergência. “Elas” fazem parte da realidade comum a toda a gente. É preciso uma verdadeira inclusão, que seja feita com as pessoas e não para as pessoas.

Como mulher bissexual, sinto muito mais raiva do que medo do futuro que nos avizinha. Estou farta de ser metida no saco das “outras pessoas”, como se não ser hetero fosse esquisito. Estou farta de ver amigos olhados de lado por serem imigrantes. Cansada de ver amigas com medo de ficarem sem casa, a contar os dias para os resultados atrasados do “Porta 65”, num país em que o mercado só é livre para quem tem dinheiro. Cansada de ver artistas a viver de concurso em concurso. Farta de ver violência gratuita contra pessoas trans, através de falácias ignorantes sobre biologia.

Está na altura das minorias se juntarem porque os próximos tempos não serão fáceis, mas serão decisivos. As minorias de poder juntas são a maioria. Quem tem de ter medo são os fachos. Temos de nos unir. Transformemos a raiva em motor de revolução, de esperança, de luta. Que as nossas diferenças formem uma união, contra os ideais fascistas, xenófobos, homofóbicos, transfóbicos, racistas. Estamos aqui e vamos à luta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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