Geração E

Chega, a crise da meia-idade

No fundo, o Chega tornou-se num computador da função pública: ficámos sem anti-sistema

Na área dedicada à imprensa da 6ª Convenção do Chega, Ventura garantiu ser "radicalmente contra o despesismo do Estado". No púlpito, gastou 11,5 mil milhões de euros em 45 minutos de discurso. No passado, propunha acabar com o Ministério da Educação e entregar os edifícios das escolas a quem demonstrasse interesse neles. Agora, promete a recuperação do tempo de serviço aos professores. Afilia-se a anti-europeístas como Marine Le Pen e depois sugere que será Bruxelas a pagar a sua irrealista proposta para as pensões. Insinua que o PSD é uma espécie de PS, porém, é lá que vai angariar quadros.

André Ventura promete “limpar Portugal”. Faz sentido: alguns dos interessados no sucesso do Chega são obcecados com lavagens. Contudo, as limpezas são ineficazes se não se souber arrumar. E Ventura precisa de dar um jeitinho ao pensamento. Ora “não haverá governo sem o Chega; ora “não será obstáculo a um governo de direita”; ora “estou pronto para ser primeiro-ministro”. No fundo, o Chega tornou-se num computador da função pública: ficámos sem anti-sistema.

Não foi por acaso que esta convenção foi organizada durante a vigência do mercado de transferências. A mais recente gabarolice injustificada do Chega é o facto de terem convertido alguns antigos militantes do PSD de quem nunca ninguém ouviu falar. Querem passar a ideia de que têm um projecto tão atrativo que há quem largue uma sólida carreira política num partido de poder para se juntar ao Chega.

A verdade é que são políticos que deixaram de ser relevantes ainda Ventura estava no seminário. Estão a querer fazer-nos acreditar que estas contratações constituem traições revolucionárias ao nível de João Vieira Pinto ou Simão Sabrosa, quando são meras mudanças de empregador ao estilo de Yannick Djaló ou Bruno Cortez.

André Ventura completou, nesta segunda-feira, 41 anos. Mas como o Chega é o André Ventura e André Ventura é o Chega, foi o partido que entrou na crise da meia-idade. Decidiu divorciar-se (das bandeiras fundacionais, como a castração química e a prisão perpétua); quer fingir que ainda é cool e sabe falar à jovem (entronizando Rita Matias como princesa herdeira do movimento); sente uma necessidade de tomar decisões financeiras que o podem levar à ruína (propostas no valor de 4,4% do PIB) e vive um dilema provocado pelo confronto entre a ânsia de encontrar um novo hobby (o sonho de governar) e o seu propósito de sempre (o protesto).

André, liga antes ao Pedro Nuno e pergunta-lhe por bons modelos de descapotáveis.

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