Sei que, muitas vezes, dar visibilidade a crises humanitárias que estão interligadas a fatores políticos polémicos pode ser um risco bem grande para pessoas que trabalham como influencers, como artistas, com grande exposição mediática, por isso percebo as reticências. Mas não será importante dar voz a quem não a tem?
Antes de mais, divido as pessoas influencers, apenas por um questão de categorização, em dois grandes grupos:
as que têm um trabalho fora das redes sociais, que as fez ficar conhecidas, e que em paralelo desenvolvem trabalho de influencers (partilham a sua opinião sendo opinion makers, e, ou, partilham marcas com as quais se identificam, sendo pagas por estas, já que estão a dar a sua opinião positiva sobre as marcas);
as que ficaram conhecidas precisamente por partilharem a sua opinião, modo de vida, estilo de roupa, maquilhagem nas redes sociais. Aqui, faço uma subdivisão entre as influencers oldschool, que começaram com um blog; e as da nova geração, que começaram diretamente nas redes sociais.
Tendo em conta a minha observação e participação, por vezes, no primeiro grupo, as pessoas influencers do primeiro grupo tendem a falar mais de causas sociais, embora se veja um medo generalizado de pôr em risco contratos de trabalho por causa de mostrar opiniões dentro de crises humanitárias ligadas a questões políticas polémicas, como está agora acontecer com o chamado “conflito Israel-Hamas”, que na verdade é atualmente uma tentativa de extermínio do povo palestiniano.
Ainda estes dias, Jorge Corrula, conhecido ator, incluído no primeiro grupo acima referido, publicou um reel na sua conta de instagram que dizia, passo a citar:
“Fui aconselhado a não falar mais do genocídio que está a acontecer em Gaza!
Se continuar a fazê-lo posso vir a ser prejudicado profissionalmente! Mais ninguém recebeu esta mensagem??? … Ou o silêncio é mesmo uma escolha vossa???”
Estas últimas semanas vêem-se, em inúmeras publicações sem nada a ver com a crise humanitária em Gaza, comentários sobre o assunto. Observe, por exemplo, esta secção da caixa de comentários de um dos vídeos de maquilhagem de Mirta Miler, conhecida influencer de maquilhagem:
Ora, Mirta, como quase todas as influencers de lifestyle, não falou sobre o assunto, o que indignou muita gente. Será errado não falar de crises humanitárias? A meu ver, pode ser um desperdício de plataforma, mas também é compreensível e passo a explicar porquê.
Influencers como personal brands
As pessoas influencers podem ser vistas, em termos de marketing, como marcas pessoais, ou seja, uma marca vista como a representação de uma pessoa online: com traços distintivos, focos de atenção, ideais. Tal é semelhante a uma marca normal presente na nossa vida, mas com uma característica que a distingue: um rosto, uma comunicação de pessoa para pessoa. Assim, o consumidor sente-se muito mais próximo, a título de exemplo, da Bárbara Corby, da Inês Rochinha, da Bárbara Inês — influencers que sigo com gosto — do que, diga-se, da Maybelline ou da Compal. Porquê? Porque as influencers partilham os seus gostos pessoais, a sua vida pessoal (até determinado ponto), a sua rotina pessoal. É tudo pessoal. Dito isto, considerando influencers como marcas, quando vou ao perfil de influencers de lifestyle e, ou, maquilhagem, estou à espera de ver lifestyle e maquilhagem e não informações sobre crises humanitárias ou políticas. Comparando à bruta, quando quero comprar cebolas, maçãs, vou ao mercado ou ao supermercado e não a um cabeleireiro ou estádio de futebol: cada marca, cada serviço, tem o seu propósito.
No entanto, quando falamos de crises humanitárias, falamos de pessoas, pessoas em crise, pessoas com a sua vida em risco. E isso é superior a qualquer definição de marketing ou posicionamento de marca. Por isso, não seria importante que as influencers aproveitassem o seu grande público?
De uma forma imparcial digo: sim e não.
Conteúdo de lifestyle e moda como escape ou como alienação?
Por exemplo, quando estávamos confinadas, por causa da pandemia, os vídeos de maquilhagem da Mirta eram para mim uma brisa de ar fresco no meio do caos: faziam-me desligar e acalmar a ansiedade. O mesmo pode acontecer a quem vai ver os outfits do dia de influencers. Ao mesmo tempo, também pode parecer estranho, como uma alienação, ver esse tipo de conteúdo numa altura em que estamos a passar por uma crise humanitária tão grande no mundo. A meu ver, também é por isso que existem diferentes tipos de perfil. Um jornal tipicamente de notícias não tem uma secção sobre os outfits dos seus jornalistas, assim como uma influencer de moda tipicamente não tem um podcast só sobre questões políticas. É precisamente por isso que é bom seguir os dois e ter um equilíbrio de informação: um para nos alertar e outro para nos relaxar.
Ora, se uma influencer decidir falar de um assunto que não é a sua especialidade, e não procurar em fontes seguras, corre um grande risco de partilhar desinformação. Foi o que aconteceu com algumas influencers de lifestyle que começaram a propagar desinformação contra vacinas. O perigo é que, dada a grande quantidade de seguidores que têm — que grande parte faz mais do que assistir ao que publicam, são mesmo fãs — dá-se mais do que um movimento de dominó: acontece uma situação de mimesis. Paul Pethick define o termo de uma forma simples e concisa no livro “The Power of Play”, já que tudo na comunicação e retórica pode ser visto como um jogo, dizendo que a “Mimesis é uma comunicadora social fantástica quando há uma audiência para interpretar o que está a ser mostrado. A sua beleza intrínseca é ser capaz de re-apresentar situações e eventos na mente de quem assiste e interpreta.”
No entanto, muitas vezes, o público toma opiniões de quem admira como certas, ao invés de as interpretar e pensar sobre elas. Ao público falta-lhes, muitas vezes, sentido crítico e capacidade de entender o que está a ver como uma perspetiva das coisas.
Quando é a Humanidade que está em crise
Depois de tudo isto, resta-me dizer que, quando se trata de crises humanitárias, do meu ponto de vista, quem tem uma grande quantidade de seguidores, deveria preocupar-se em apoiar causas importantes, tendo a devida informação. É superior a tudo. Se não o fizerem, não culpo ninguém, porque percebo a situação, tal como expliquei acima. Mas é nestas situações de crise que temos de nos apoiar como podemos, e que temos de nos unir contra as injustiças do mundo.
Sei que, muitas vezes, dar visibilidade a crises humanitárias que estão interligadas a fatores políticos polémicos pode ser um risco bem grande para pessoas que trabalham como influencers, como artistas, com grande exposição mediática, por isso percebo as reticências. Mas não será importante dar voz a quem não a tem?
Já dizia Audre Lorde: “Your silence will not protect you”.