Com a ocupação da Palestina por parte de Israel, estamos a assistir a uma enorme confusão entre noções de religião, ocupação e ódio. Não devemos escolher de que lado estamos por causa de práticas religiosas. Ora, só porque os israelitas são na sua maioria judeus, não quer dizer que é “errado” alguém ser judeu. Se estiverem do lado de Israel, o problema contra os palestinianos não pode ser serem muçulmanos. Quem sou eu para dizer que é errado ser-se judeu? Ou muçulmano? O problema não é a Fé, é o que fazemos face à nossa Fé e à Fé dos outros. Toda a gente tem o direito de ter uma religião, se assim o quiser.
A Religião é uma escolha?
Quando dizemos que uma pessoa pode escolher uma religião, o verbo “escolher”, na minha opinião, quase sempre fica em itálico: até que ponto podemos mesmo escolher a nossa religião?
Muitas vezes, a religião continua a ser uma característica cultural herdada e, mais tarde, se tivermos livre-arbítrio nessa decisão, podemos continuar a professar essa Fé, ou decidimos, pelas mais variadas razões, abandonar a prática da religião. Por exemplo, no meu caso, fui criada como Católica. A minha mãe, quando era pequena, disse-me: “tu és católica, porque nasceste numa família católica. Se tivesses nascido numa família muçulmana, eras muçulmana.”
O grande problema emocional das religiões, a meu ver, é incutirem-nos sentimento de culpa, desde muito, muito, cedo, como se, de um lado, tivéssemos sempre de nos vigiar, a ver se não pecamos, e do outro Deus a vigiar-nos. Ainda hoje faço terapia para lidar, também, com a noção de culpa constante que vive em mim. Costumo dizer, em tom de brincadeira, que “a culpa não é minha, é católica.”
Para além da culpa, as religiões, no geral, são obcecadas pelo controlo sexual, especialmente das mulheres, como se o sexo por prazer fosse a grande maleita da Humanidade. O problema intensifica-se quando se fala de afeto homossexual. A verdade é que o conservadorismo cultural, social e político alimenta-se dos ideais conservadores das religiões, que muitas vezes são usados como desculpa para justificar guerras — não é por acaso que a Igreja Católica é também Apostólica Romana.
Este é o lado emocional complicado das religiões, fruto da deturpação do contexto bíblico. Mesmo assim, é possível, se assim quisermos, separar a nossa Fé destas construções meramente humanas e culturais. Por isto mesmo, atualmente não sou Católica praticante, mas tenho a minha Fé de aconchego: quando uma coisa boa acontece, olho para cima e agradeço; quando uma coisa má acontece, olho para cima e peço ajuda. Esta é a herança de Fé que escolhi e não há nada de errado nisso, nem motivo de troça, nem deve haver motivo de preconceito.
Mesmo assim, por vezes há dois lados válidos de uma mesma questão, como por exemplo no uso do hijab: é tão errado obrigar a usar hijab, como proibir o seu uso. Há inclusive feministas muçulmanas que usam hijab, defendendo, entre outros argumentos, que o seu uso as afasta das imposições de estereótipos de beleza de mulher. Mais uma vez, o importante é que possa ser uma escolha, e não uma obrigação ou algo interdito.
O importante é que a profissão de Fé seja passível de escolha, e nunca pode ser motivo de preconceito em panorama de guerra. É quando se generaliza sem noção de contextos históricos que estas confusões surgem.
A Rússia está a invadir a Ucrânia, mas isso não quer dizer que todos os russos sejam a favor da Invasão. Houve, inclusive, imensas manifestações contra a Guerra, ao ponto de terem sido tornadas ilegais. Há muita população russa contra a guerra e muita gente em risco de vida por serem LGBT, visto que se tornou ilegal sê-lo. (A/O leitor/a pode ter acesso a esta realidade no documentário Queendom, que segue uma artista trans russa que teve de pedir asilo em França).
Só porque o Hamas atacou Israel, não quer dizer que eles representem a Palestina. Só porque Israel está a ocupar a Palestina, não quer dizer que os judeus sejam horríveis. Há que separar as coisas. Nesta questão, o papel dos media é extremamente importante, já que a maior parte das vezes só temos acesso à versão dos factos da história partindo do ponto de vista dos países com maior poder económico. A História é escrita pelos poderosos, não pelos oprimidos, e esse é o maior problema.
Nota conclusiva
A invasão da faixa de Gaza por parte de Israel é um problema complexo, com uma linha temporal imensa, com muitos interesses económicos à mistura, por parte de países externos. Uma coisa é certa: não é razão para odiar muçulmanos por serem muçulmanos, nem judeus por serem judeus. Não é válido. E quem mais sofre são as pessoas inocentes que em nada têm a ver com a Guerra.