Geração E

A (des)União Europeia e a ameaça aos Direitos LGBTI+

A (des)União Europeia e a ameaça aos Direitos LGBTI+

Ana Aresta

Presidente da Associação ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo

As mesmas elites que, não há muito tempo, negavam às mulheres o direito ao voto, agora querem continuar a vetar a existência de todos os corpos e modelos familiares que não sejam semelhantes aos seus.

Acordámos por estes dias com a notícia de que o Governo de direita radical italiano começou a retirar o nome das mães não-biológicas das certidões de nascimento de todas as crianças filhas de casais de mulheres, proibindo novos registos e abrindo a possibilidade a que qualquer agregado constituído por pais e mães do mesmo sexo venha a ser ilegalizado. O ataque às famílias não fica por aqui: está neste momento em discussão uma proposta parlamentar para criminalizar a gestação de substituição, à qual recorrem, sempre fora do país, tanto casais heterossexuais como famílias homoafetivas.

Este terá sido um dos mais exímios exemplos de como se consegue, num estalar de dedos, reverter duras e longas conquistas em matéria de Direitos Humanos. A realidade em Itália nem sequer era exemplar, já que o registo destes agregados, cujos processos de procriação medicamente assistida eram iniciados noutros países, só era possível na cidade de Pádua, que tinha eliminado as designações tradicionais de "mãe e pai" das certidões de nascimento.

Esta retórica anti-LGBTI e consequente ataque e reversão de direitos não é novidade: neste velho e cansado continente europeu, vários partidos antidemocráticos têm usado o medo para ascender ao poder, sedentos por reinstalar os modelos machistas, xenófobos, racistas e “tudo-fóbicos” que tão bem serviram as elites privilegiadas do tempo dos impérios, do colonialismo e da supremacia branca. As mesmas elites que, não há muito tempo, negavam às mulheres o direito ao voto e que agora querem continuar a vetar a existência de todos os corpos e modelos familiares que não sejam semelhantes aos seus.

Mas esta reinstalação do ódio não acontece em nações desagregadas uma das outras do ponto de vista geopolítico: acontece no seio de uma União Europeia, que tão bem sabe o peso e a destruição que os regimes autoritários podem causar, mas que tanto demora a reagir ao ataque crescente e declarado às chamadas minorias.

Entre silêncios diplomáticos e falta de ação, abrem-se as portas à repetição da História cuja premissa já conhecemos: a ameaça e retirada de direitos às mulheres, às pessoas LGBTI+, a migrantes e a outras comunidades historicamente marginalizadas passarão, no mesmo estalar de dedos, a violações generalizadas aos direitos sociais e humanos de todas as pessoas – afinal, quando a norma é a do poder desenfreado, interessa que sejam poucos aqueles que têm acesso a todos os direitos e privilégios.

Os países estão a falhar no dever de defender os valores fundamentais da UE, provocando um paradoxal isolamento de quem sofre na pele a violência. A esta altura, já todos os mecanismos legais e financeiros deveriam ter sido acionados para travar quem quer pôr fim a uma era de conquistas de direitos e liberdades fundamentais para o desenvolvimento social da UE.

Antes que estes partidos ironicamente anti-europeístas alastrem, os organismos da UE têm a obrigação de salvaguardar os seus tratados e acelerar a produção de legislação que garanta a igualdade e combata a discriminação. Isto implica supervisionar o cumprimento das leis e normas relacionadas com direitos LGBTI+. Implica erradicar violações e melhorar a proteção das comunidades. Implica acionar os Tribunais e reforçar com urgência a nossa proteção em áreas como a saúde, educação, justiça ou habitação.

As nossas vidas estão de novo postas em causa. Descruzar os braços, abrir os olhos, perder o medo, agir com coragem: é o mínimo que se pode exigir ao sonho europeu.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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