‘Dar’ ghosting é, como a palavra indica, tornarmo-nos como um fantasma na vida da pessoa: desaparecer de repente, sem dar explicação, quando já se havia cultivado uma relação. Este fenómeno nasceu na era em que as relações são cultivadas no meio digital.
Repare-se que ghosting é deixar de comunicar por um período prolongado, quando a comunicação é incentivada de um dos lados, sem resposta do outro. Ficar umas horas sem responder é só a vida física a acontecer, não é ghosting.
Atualmente, temos vias de comunicação digitais constantemente ao nosso alcance, o que faz com que muitas relações comecem, ou sejam impulsionadas no meio digital. Muitas vezes, em vez de se falar sobre querer acabar as coisas, simplesmente desaparece-se: não há mais resposta por whatsapp, dm no instagram ou sms. Assim, sem mais nem menos.
Não estou a considerar deixar de responder a alguém que não se conhecesse ou pouco se conhecesse, mas, antes, deixar de comunicar, de forma repentina, com alguém com quem se andava a sair. Depois de várias pessoas a falarem-me de situações destas que lhes aconteceram, fica aqui a crónica.
Centralização das relações do digital
Quando não havia internet, regra geral, as pessoas conheciam-se no seu dia-a-dia: pediam-se números pessoalmente, sem haver nenhuma pesquisa online para encontrar a pessoa. Atualmente, estes são casos muito raros. O medo da rejeição é tanto, que se prefere a possibilidade de uma rejeição online a um rejeição física, mesmo que isso implique uma impessoalização. Há muitos casos, cada vez mais, graças às apps de encontros, de relações que começam no digital: com base em fotos e mensagens, tipo correspondência de carta à antiga, mas com menos tempo de espera pela resposta. Pelo menos, já temos acesso a vídeo, som, embora faltem os aspetos mais importantes: o cheiro, o gesticular, a forma de olhar, a interação com outras pessoas à volta.
No filme “Un Long Dimanche de Fiançailles”, de Jean-Pierre Jeunet, ficamos sem saber até ao final do filme se o noivo de Mathilde realmente sobreviveu à guerra. (E, mesmo depois de vermos o fim, podemos ficar a debater se realmente voltou ou não). Ele deu-lhe ghosting, mas porque não tinha forma de comunicar. Ele tinha ido, literalmente para a guerra.
Em Sexo e a Cidade, Berger acabou a relação com Carrie num post-it. Num. Post. It. “I’m sorry. I can’t. Don’t hate me.” Honestamente, depois de vários testemunhos que recebi, antes um post-it do que desaparecer, porque não há um encerramento do assunto, fica em aberto. É muito mais complicado encerrarmos uma relação sem que haja uma comunicação do outro lado. Nem que seja uma mensagem (que já é mau por si só), que deve ser clara no seu intuito, sem deixar espaço para segundas interpretações.
No entanto, há desculpas válidas para ghosting, como: a morte de um familiar próximo, que desestabiliza qualquer pessoa; perda de memória súbita; dar entrada nos cuidados intensivos, sem autorização de uso de telemóvel; e, ainda, a morte, como aconteceu com o date de (Grandma) Droniak, uma senhora já de alguma idade, muito cómica e bastante conhecida no mundo digital. Num dos seus mais recentes vídeos, a senhora conta como Andrew lhe deu ghosting, só que de forma literal.
Ninguém quer ser rejeitado/a. Ninguém gosta. E o ghosting é uma forma de rejeição. Ignorar alguém de forma consciente. Quando alguém deixa de comunicar mas continua a dar likes na mesma e a ver stories, há quem chame de orbiting. Independentemente do nome específico, trata-se de uma forma de rejeição e ninguém gosta de se sentir rejeitado/a.
Será normal ou falta de responsabilidade emocional?
É com lamento pela primeira e futura explicação pela segunda, que digo: as duas coisas.
Está-se a tornar corriqueiro ser-se ignorado/a do nada, de repente, por alguém com quem já se estava a construir uma relação. Este ghosting acontece na esfera digital e, consequentemente, na física. Ora, ignorar alguém assim é falta de responsabilidade emocional. É escolher o ‘conforto’ de não ter de lidar com o assunto, ou o adiar de uma conversa desconfortável, ao invés de lidar com a situação que se apresenta na nossa vida. A outra pessoa tem direito a ser respeitada. Há que cumprir esse direito.
Se andas a ignorar alguém, este é o teu sinal para finalmente fechares o assunto que deixaste pendurado. Não esperes resposta, porque quem está magoado/a, muitas vezes já continuou a sua vida, mas mais vale tarde que nunca. Toma as rédeas da tua responsabilidade emocional. Pode ser tarde demais para não te guardarem rancor ou para não magoares alguém, mas nunca é tarde para te arrependeres da forma como lidaste com a situação e pedires desculpa. Como escreve Valter Hugo Mãe: “Nunca se torna tarde. Tarde é a metade do meio dos dias”. (pág. 37, “O Paraíso São os Outros”, 1.ª edição).
O meu conselho para quem está a receber ghosting
Se alguém com quem andavas a sair, e até já enrolada/o, te está a dar ghosting, envia uma mensagem a perguntar o que se passa, sem grandes testamentos. Se não houver resposta, procura encontrar paz no silêncio. O silêncio também é uma resposta. Não queiras quem não te quer. Claro que é mais difícil dizer do que fazer, mas o que sei, é que mereces alguém que te dê valor, que te trate com respeito. Explicar por que se desaparece é o mínimo, que nem conta como qualidade de alguém, somente como algo básico de respeito.
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