Geração E

Os estudantes que trabalham podem perder mais do que ganham (e agora pedem esta ajuda para resolver o problema)

Os estudantes que trabalham podem perder mais do que ganham (e agora pedem esta ajuda para resolver o problema)
Alys Tomlinson - Getty Images

Se um jovem estiver a estudar e abrir, ao mesmo tempo, atividade na Segurança Social, perde acesso a um largo conjunto de benefícios que tem à disposição. Agora, um grupo de jovens estudantes entregou uma proposta de alteração de lei e procura reunir o máximo de assinaturas. Eis o que está em causa

Estudar e trabalhar ao mesmo tempo não é uma decisão fácil, e neste caso não estamos a falar dos horários preenchidos ou de um maior nível de cansaço, falamos dos desincentivos fiscais que fazem os estudantes pensar duas vezes sobre o que compensa mais.

André Relvas é exemplo disso. Frequenta o último ano de medicina na Faculdade do Porto e pensou em arranjar um part-time, ou um trabalho pontual, para ganhar “alguma independência” e ficar mais “aliviado” nos seus gastos.

O primeiro obstáculo surgiu logo à partida. É difícil encontrar empresas, sites ou plataformas que disponibilizem trabalhos pontuais que rondem as tais duas ou três horas diárias. Para este obstáculo decidiu arranjar solução: juntou-se a alguns colegas de faculdade para desenvolver uma aplicação chamada UNILINKR, cujo objetivo é criar parcerias e juntar, num só universo digital, todas as ofertas disponíveis no mercado - o que logo à partida, facilita todo o trabalho de pesquisa.

A plataforma foi lançada em setembro de 2022 e já conta com mais de 650 estudantes inscritos, mas segundo André Relvas “tem sido um pouco difícil arranjar parcerias com empresas, porque nos perguntam logo: ‘como é que vai ser com a declaração de rendimentos?’”.

E aqui surge o segundo obstáculo, o que mais preocupa os trabalhadores/estudantes.

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Sem benefícios ao declarar

Neste momento, um estudante que exerça atividades profissionais tem, no cômputo geral, os mesmos direitos, deveres e condições no mercado de trabalho que qualquer outro profissional. O estatuto de trabalhador-estudante está espalhado em diferentes diplomas legais e a sua aplicação difere de instituição para instituição.

Isto significa que qualquer rendimento declarado por um estudante – a menos que seja um ato isolado – implica uma inscrição na Segurança Social, o que, por sua vez, obriga ao pagamento dos descontos que já conhecemos. Mas o obstáculo é outro: é que esse passo acarreta muitas outras perdas.

André Relvas diz ao Expresso que “há demasiadas burocracias que tendem a complicar todo o processo e desincentivar o trabalho declarado”, contribuindo assim para uma economia paralela.

Que problemas enfrentam os trabalhadores-estudantes?

  • Segurança Social: no primeiro ano de declaração de rendimentos, todos os contribuintes estão isentos de descontos. Apesar de ser uma boa ajuda, os rendimentos ganhos com um trabalho pontual ou part-time são menores, o que significa que corresponde a uma isenção com um valor bem mais reduzido. Compensa mais estar isento no primeiro ano de um trabalho a ‘full time’. Para além disto, fica-se ainda desfavorecido a nível do IRS Jovem.
  • ADSE: o seguro de saúde dos dependentes de profissionais com cargos públicos é automaticamente retirado a quem estiver inscrito na Segurança Social, por estar a receber rendimentos.
  • IEFP: as medidas Compromisso Emprego Sustentável e ATIVAR.PT, oferecem um apoio às empresas por contratação de desempregados inscritos no IEFP e ajudam os trabalhadores a pagar as contribuições. Não estão destinadas a pessoas que “têm registo na Segurança Social nos últimos 12 meses consecutivos que precedem a data do registo da oferta de emprego.” Os “trabalhadores-estudantes” ficam de fora, uma vez que têm de se inscrever na SS. Para usufruírem do apoio, teriam de encerrar a sua atividade ou terminar o seu contrato de trabalho pelo menos 12 meses antes de poderem ser enquadráveis no apoio.
  • Bolsas: ao abrir atividade na SS o estudante pode ainda perder as bolsas universitárias, ainda que este cenário tenha sido minimizado pelo governo no dia 1 de maio, já que anteriormente dizia respeito a todo o tipo de trabalho e agora só se perde a bolsa ao declarar trabalho independente e se a remuneração ultrapassar até 14 vezes o salário mínimo/ano, ou seja até €10,640.

O que pedem que se mude na lei?

André Relvas e os restantes membros do grupo sabiam que estes obstáculos não eram ultrapassáveis sem uma mudança mais profunda na legislação. Por isso fizeram uma proposta de alteração de lei que está em fase de recolha de assinaturas em formato físico e no site da Assembleia da República.

Neste momento já contam com cerca de 2500 assinaturas e o objetivo é alcançar as 7500 que levam o documento a discussão obrigatória no Parlamento. “Se queremos que as coisas mudem, também é preciso fazer por isso”, diz ao Expresso André Relvas.

Voltamos aos pontos - citados do documento do site da Assembleia da República - para explicar quais as propostas do grupo de estudantes, que argumentam ser baseadas em países da Europa como o Reino Unido e Alemanha:

  • Alteração da legislação da ADSE, do IEFP e da Segurança Social para incluir um campo de "trabalhador-estudante".
  • Englobar os trabalhadores-estudantes à lista de beneficiários, nas medidas de “Compromisso e Emprego Sustentável” e do “Estágio ATIVAR.PT” do IEFP: “trabalhadores-estudantes com rendimentos anuais inferiores a 12 vezes o valor do IAS.”
  • Enquadramento para trabalhadores-estudantes na Regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

De acordo com os dados da Eurostat, em 2022, Portugal teve uma percentagem de ‘trabalhadores- estudantes' de cerca de 10%, enquanto a média da União Europeia é de 23%. Mas André Relvas diz que, em Portugal, este “não é um número real”.

Partilha com o Expresso que nos países nórdicos como a Áustria, Dinamarca ou Países Baixos “são as próprias instituições governamentais que muitas vezes promovem este trabalho jovem, desenvolvendo parcerias com universidades e vários estabelecimentos profissionais/comerciais”, o que acaba por beneficiar a economia do país e o próprio estudante.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: taribeiro@expresso.impresa.pt

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