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E uma carreira na União Europeia? Há concursos a abrir em maio. Eis 5 pontos que o podem ajudar a ficar mais perto de um emprego

E uma carreira na União Europeia? Há concursos a abrir em maio. Eis 5 pontos que o podem ajudar a ficar mais perto de um emprego
European Youth Event (EYE 2021)

Rebenta a bolha: afinal, a União Europeia não é exclusiva de Bruxelas, e precisa de portugueses. Enquanto os que saem por motivo de reforma são cada vez mais, os que entram são cada vez menos. E este desequilíbrio empurra Portugal para o grupo de Estados membros com menos representatividade na Comissão Europeia, que é quem emprega a esmagadora maioria dos funcionários em exercício nas instituições. Porque é que isto acontece e o que está a ser feito para o reverter? O Expresso elaborou um guia que o pode ajudar ficar mais perto de um emprego

O problema “não é novo” e o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, admite-o - ao mesmo tempo que se demarca da ideia de que a pasta possa ter sido negligenciada por Governos anteriores. A verdade, em números, é que entre 2018 e 2022, os nacionais portugueses a trabalhar na Comissão Europeia (CE) caíram 6,75% - um valor com tendência a “avolumar-se”, não por falta de interesse, mas pelas baixas taxas de sucesso nos testes de acesso.

Alongado, Burocrático e Complexo: o ABC que melhor explica o que tem falhado no modelo usado nos concursos de seleção, que em nada se assemelham aos convencionais, e para os quais os cidadãos portugueses – e não só - não estão preparados. “Houve a consciência estatística de que muitos jovens consideravam estes processos pouco atraentes. Percebemos que era preciso simplificar”, explica Luís Loureiro de Amorim, Chefe da Unidade de Promoção e Relações Externas da entidade responsável pelo Serviço Europeu de Seleção do Pessoal (EPSO).

Assim foi. Aprovado em janeiro e com vista a começar a operacionalizar já nos concursos que abrem em maio, o novo modelo surge a par e passo com a Estratégia Nacional para as Carreiras Europeias, aprovada em Conselho de Ministros em novembro do ano passado, que tem como objetivo primordial colmatar este défice de portugueses em funções nas instituições.

O Expresso conta-lhe tudo o que é preciso para concorrer a um emprego na União Europeia. O caminho para o sucesso é traçado por estes 5 pontos.

1.

O “desmotivante” tempo de espera é encurtado para 6 meses

Os primeiros quatro passos são os mais simples: 1) criar uma conta EPSO; 2) Fazer o upload de documentos relevantes, como é o caso do currículo, que deve estar atualizado e em formato Europass; 3) Atentar aos concursos que vão abrindo, considerando que os próximos para funcionários permanentes abrem em maio, mas também há concursos para staff temporário ou estágios; 4) Aquando da abertura do concurso, pegar na motivação e transpô-la num detalhado formulário que irá conferir a respetiva elegibilidade. E depois? O que se se segue é uma panóplia de procedimentos, que até há bem pouco tempo, de tantos e tão complexos, moviam-se à velocidade de um caracol.

Avançar fase a fase, teste a teste, entrevista a entrevista, aumentando “o tempo de espera para obter respostas”, foi a parte mais “desmotivante” para Inês Gouveia da Silva. É funcionária do Parlamento Europeu (PE) desde 2013, e atualmente coordena o Encontro Europeu para a Juventude (European Youth Event ou EYE). Mas, até o ser, esperou – pelos tais resultados, por mais fases, por mais testes e entrevistas. O caminho fez-se moroso, mas depois de um estágio no PE, Inês continuou a sua vida fora da bolha europeia enquanto tradutora freelancer: “Tinha de ser, não podia estar só a contar com o concurso”. Entre avanços e recuos, uma demora de cerca de um ano. “Uma média de 13 meses”, especifica Luís Loureiro de Amorim.

Eis exatamente o que muda no novo modelo concursal desenvolvido pelo EPSO: um corte para metade, que encurta a duração dos concursos para seis meses. “Era um pedido com uma insistência muito grande”. Por um lado, a espera dos candidatos, por outro, as próprias entidades, que precisavam de iniciar recrutamentos, e ficavam à espera de listas de reserva renovadas que teimavam em não chegar.

Chegado ao fim o concurso, não há um emprego do outro lado. É garantido, sim, um nome numa destas listas de reserva, que funcionam como “uma base de dados de potenciais empregados”. “A maior parte das pessoas está habituada a candidatar-se a um posto”, continua o Chefe da Unidade de Promoção e Relações Externas do EPSO, mas tal não acontece nas instituições europeias. Passar o concurso dá um “carimbo de qualidade” para possível empregado.

Esta janela temporal mais curta deve-se, em parte, pela reestruturação principal deste novo modelo: a eliminação da segunda fase do concurso, o “Assessment Centre” (Centro de Avaliação). Mas se esta é a segunda fase, qual é a primeira?

2.

Ser bem sucedido nos testes de raciocínio: praticar, praticar, praticar

Depois de selecionados os candidatos elegíveis, a primeira fase do concurso funciona como “filtragem” e está dividido em várias secções de escolha múltipla. Tal esclarece, com base na sua experiência, Inês Gouveia da Silva. Desde exercícios de compreensão verbal e numérica, à compreensão abstrata (ou “lógica”, como prefere Luís Loureiro de Amorim), no qual o objetivo é descodificar as regras de uma sequência de figuras e, entre as possibilidades de resposta, compreender qual obedece a tais regras. O pior inimigo dos candidatos continua a ser o tempo que, desta vez, é curto - são poucos os minutos para cada grupo de perguntas.

Ainda nesta fase, o último grupo de questões “é de conhecimento geral”, continua Inês Gouveia da Silva, que acrescenta ainda que há “recursos online” que podem ajudar no estudo. Mas o principal conselho que tem é um: “praticar muito”. Como? Fazendo muitos testes com um cronómetro ao lado. Para tal, além de vários manuais com “uma bateria de exercícios”, existe uma plataforma que disponibiliza pacotes pagos de testes de treino o que, segundo a coordenadora do EYE, “ajuda bastante”.

Nos concursos ditos “generalistas”, para passar é necessário atingir uma nota combinada de 50% - ou seja, e segundo o exemplo de Luís Loureiro de Amorim, se o teste completo valer 100 pontos, ao atingir os 50, distribuídos pelas secções de forma independente, o candidato é automaticamente elegível para a fase seguinte – ao contrário do que acontecia antes da reestruturação, no qual passavam apenas os candidatos com melhores resultados, independentemente de cumprirem com a nota mínima. Mas atenção: exceções podem ser aplicadas, a pedido da entidade que procura, nos concursos “especialistas”, que requerem de competências específicas em determinadas áreas. Por exemplo, numa posição de contabilista, para passar, pode ser necessário uma nota mínima à secção que concentra os exercícios de matemática.

3.

Precisa de uma mãozinha extra? Vem aí um novo Centro de Formação que pode dar várias

“Está a ser montado”, garante o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, sobre o Centro de Formação que pode ajudar os futuros candidatos ao concurso. E lançado está o compromisso: é já nos próximos concursos, que abrem em maio, que os candidatos nacionais podem usufruir de um centro totalmente gratuito e essencialmente online, o que ajuda a uma descentralização regional, mas também dá uma hipótese àqueles que estejam “no ecossistema de Bruxelas”, em regime de estágio ou contratos temporários – como é o caso de cerca de 40% dos vínculos laborais dos funcionários portugueses na Comissão Europeia – e estão à procura de integrar os quadros de forma definitiva.

Funciona como um dos cinco pilares sobre os quais assenta a Estratégia Nacional para as Carreiras Europeias e, para o Secretário de Estado, é “talvez o mais relevante” por contribuir para o princípio primário da Estratégia: “aumentar a taxa de sucesso nas provas de acesso”. Apesar de interesse não ser o problema, já que Portugal tem “um número significativo de candidatos”, essas taxas ficam aquém do desejável para que se mantenha o “princípio de equilíbrio geográfico” delineado pela própria Comissão que, embora não tenha de obedecer a um sistema de quotas, estima a proporcionalidade ideal de representantes de cada Estado membro.

Para que se tenha uma ideia, a taxa de referência apurada para Portugal é de 3,1%. Mas acontece que, em junho do ano passado, essa mesma taxa chegou apenas aos 2%, o que confirma um desequilíbrio significativo em ambas as categorias de Administradores (AD), niveladas consoante o grau de experiência, do AD05 ao AD08 (que constituem 80% do recrutamento) e do AD09 ao AD12. Nos concursos generalistas, entre 2016 e 2021, a taxa de sucesso dos candidatos portugueses foi de apenas 0,4%, o que corresponde a metade da média europeia.

E porquê centralizar a questão na Comissão Europeia? Além de ser a única que fornece dados concretos sobre a gestão do seu pessoal (80% de todos os que trabalham nas instituições), é aquela que detém o monopólio de iniciativa legislativa. Quer isto dizer que cabe à instituição presidida por Ursula von der Leyen elaborar propostas de legislação que, posteriormente, e depois de aprovadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia, implementa.

É precisamente neste ponto que Luís Loureiro de Amorim, diz estar o “impacto mais significativo” desta sub-representação. “É importante ter acesso mais direto a informação pertinente sobre cada Estado membro, evitando criar propostas que não tenham em conta a realidade de cada um e que possam, por isso, ter efeitos negativos”. É também do interesse da própria Comissão Europeia instar os Estados membros a colmatar este défice de modo a evitar “ângulos cegos” a nível institucional.

Regressando às provas de acesso, o Secretário de Estado admite que nunca realizou os testes de seleção, mas a linha de contacto que mantém com recém-laureados do concurso, atuais e antigos funcionários portugueses nas instituições, ajudou-o a compreender a raiz do problema: os portugueses não estão preparados. Por esse motivo, com ajuda daquela que diz ser a sua “task force”, transpôs para a prática a necessidade de uma “formação específica”, que passará a ser assegurada pelo Centro Nacional de Formação Europeia (CNFE).

No grupo de formadores estarão, entre outros, funcionários e ex-funcionários que, inclusivamente, já integraram o painel de júri nestes processos de seleção, e nos quais Tiago Antunes reconhece uma imediata “manifestação de disponibilidade para ajudar os outros e passar o conhecimento”. Um conhecimento que vai muito além da primeira fase supramencionada.

Embora, segundo dados que o EPSO disponibilizou ao Expresso, nos últimos cinco anos a maioria (cerca de 59%) dos portugueses candidatos não tenham passado dos testes de raciocínio em concursos tanto para Administradores (AD), como Assistentes (AST), esta não é a fase destacada como aquela que gera maiores dificuldades. Esse estatuto cabe à segunda: o Assessment Centre (Cento de Avaliação).

4.

Os “pomposos” Centros de Avaliação que deixam de existir

Sempre de um jargão inglesado, o chamado “Assessment Centre” (Centro de Avaliação) deixa de existir. Consistia numa fase, já depois do conjunto de testes primários de raciocínio lógico, que além de exigir a deslocação dos candidatos a Bruxelas (ou, por vezes, e dependendo do concurso, ao Luxemburgo), aglomerava em si um conjunto de provas estruturadas que variavam desde entrevistas situacionais, estudos de caso, apresentações orais ou exercícios de grupo. Um tipo de modelo que, nas palavras de Luís Loureiro de Amorim, “não era convencional”. Exemplifica: “Não se perguntava ao candidato que competências tinha – como é habitual nas entrevistas de emprego. Apresentava-se, ao invés, um exercício em que essas competências pudessem ser postas em prática”.

Estes procedimentos e tipologias pouco usuais que pressupõem de uma preparação que os candidatos não tinham, levou os Estados membros a pressionar as instituições para a alteração de modelo. Na Estratégia Nacional para as Carreiras Europeias, os dados mostram que os candidatos portugueses apresentam maiores dificuldades de sucesso exatamente na etapa do “pomposo e pouco explícito” Centro de Avaliação. Os adjetivos são do Chefe da Unidade de Promoção e Relações do EPSO, que, ao lado da sua equipa de 17 pessoas, depois de alguns anos de preparação e avaliação de novos métodos, eliminou a fase prática desta segunda fase de concurso, sobrando apenas as provas escritas.

Provas essas que, além de simplificarem o acesso e encurtarem o tempo do procedimento, podem ser feitas remotamente. “Toda a gente consegue ter acesso?” Luís Loureiro de Amorim responde à própria pergunta: “Não”, e porquê? “Nem toda a gente tem computador”. “Mas se se verifica uma melhoria? Isso sim”, continua. Porque se antes eram precisas deslocações para fora da zona de residência, obrigando a que o candidato, antes de ser parcialmente reembolsado, tivesse dinheiro para investir nas viagens, a partir de maio tudo é remoto.

E com “tudo” entenda-se também a primeira fase do concurso, dedicada aos testes de escolha múltipla de raciocínio lógico. Sempre foram feitos a partir de um computador, mas antes da pandemia exigiam que os candidatos em Portugal se deslocassem ao Centro de Testes localizado em Lisboa, o que trazia, novamente, constrangimentos a nível da acessibilidade.

Mas desengane-se quem pensar que isso faz dos testes menos exigentes. Se para Inês Gouveia da Silva “não ir stressado” ajuda bastante, no meio remoto há todo um protocolo de instruções que deve ser seguido ao detalhe. Além dos potenciais problemas de acesso à rede, a minutos de começar o exame o candidato deve passar por uma verificação de segurança onde é exigido que forneça uma visão de 360º do ambiente à sua volta, bem como o que está por cima e por baixo da secretária onde se vai sentar, garantido que está livre de canetas, papéis, dispositivos eletrónicos ou conteúdo que lhe possa potenciar uma vantagem injusta. Durante o teste a câmara e o microfone ficam ligados para que o candidato possa ser controlado.

5.

Colégio da Europa: a “porta de acesso” difícil de abrir

Um ano de “ensino de excelência”, ministrado por uma “instituição de referência” que destranca a “porta de acesso” para as carreiras europeias custa à volta de 27 mil euros. São 2250 euros por cada um dos doze meses que compõem o ano – ainda que nem todos beneficiem de estatuto “letivo”.

Aspadas estão as palavras que o Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes, escolheu para adjetivar o Colégio da Europa, instituição universitária sediada em Bruges (Bélgica) e Natolin (Polónia) com cursos especializados em assuntos europeus, da qual diz não querer que “ninguém fique de fora por questões económicas”. Mas de questões económicas está Portugal cheio. Com um salário médio nacional que ronda os 1114 euros, e um salário mínimo de 760 euros, a pergunta deveria incidir numa outra: Quem é que consegue não ficar de fora? “É justamente por isso que há um investimento significativo do Estado português na criação de um programa de bolsas”, explica.

De nome “Bolsas Mário Soares”, chega ao ano letivo 2023/24 reforçado: “está previsto um investimento de 250 mil euros”. Mas o valor alocado a cada aluno beneficiário depende de ano para ano e não chega a todos. Até ao ano passado, eram “tipicamente” atribuídas cinco bolsas que cobriam metade do valor total da propina. Entre os 16 portugueses que se matricularam no Colégio da Europa em 2021/22, Rita Leitão, portuense de 26 anos, fez parte dessa mão cheia, matriculando-se no curso de Direito Europeu (European Legal Studies). Para conseguir fazer face aos custos da outra metade, teve de pedir um empréstimo ao banco – que ainda lhe sai, agora inflacionado, do próprio bolso.

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Mas admite: “Não sei até que ponto conseguiria chegar onde estou sem o Colégio”. Onde está é numa Sociedade de Advogados, em Bruxelas, a Freshfields Bruckhaus Deringer, depois de ter terminado um estágio na Comissão Europeia. “E não é só em termos de oportunidades, mas também as redes que se estabelece. Muitas das pessoas com quem nos cruzamos, incluindo colegas de trabalho, estudaram no Colégio, o que acaba por ser um ponto em comum, que ajuda a puxar conversas, seja para falar sobre em que residência ficámos ou que professores tivemos”.

Para quem quer seguir uma carreira europeia, o Colégio da Europa parece ser um bom ponto de partida – ainda que não o seja de verdade. São poucas as pessoas que entram sem um “currículo fora da média”, assim o define a ex-aluna. Antes de se candidatar ao Colégio, já tinha o seu currículo carimbado, com a ordem de advogados feita e dois anos de experiência profissional, depois de uma Licenciatura em Direito, pela Universidade Católica do Porto, e um Mestrado em Direito Europeu e Integração de Mercado, pela Universidade de Maastricht.

São investimentos antes do investimento, que valeram a Rita Leitão não só a entrada no Colégio da Europa, depois de uma minuciosa entrevista, que misturava inglês e francês, feita por membros do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do comité de seleção do próprio Colégio, mas também a atribuição da bolsa, cujo princípio de distribuição é o da “meritocracia”, e não fatores socioeconómicos. Quem o reforça é o próprio Secretário de Estado mesmo depois de dizer que este reforço tem como objetivo tornar a frequência nesta instituição de ensino “acessível a todos”.

Além dos custos da propina, que assegura a frequência de ensino, alojamento e refeições (exceto domingos e feriados), há outros encargos e o próprio Colégio da Europa faz uma estimativa dos gastos durante o ano. As sebentas, dependendo do curso, podem custar entre os €50 e os €350. As fotocopias e impressões, ao ano, podem valer cerca de €75 e as cerca de meia centena de refeições que não estão abrangidas no valor da propina, ficam a mais ou menos €1000. Fora voos, e outros tantos gastos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mortigaodelgado@gmail.com

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