Nota editorial do Expresso: a explicação para um cabeçalho não neutral

O cabeçalho da edição desta sexta-feira do Expresso mudou. O do site também. Esta é a justificação
O cabeçalho da edição desta sexta-feira do Expresso mudou. O do site também. Esta é a justificação
Expresso
Há momentos em que palavras não bastam. Quando está em causa o ataque sistemático a princípios basilares do Estado de direito e da construção europeia, há atos que são decisivos — ainda que sejam simbólicos. A Hungria optou por mais um atropelo à liberdade e ao respeito pelo outro, desta vez sobre a comunidade LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexuais). O Expresso decidiu associar-se à denúncia desse ataque, alterando nesta edição a cor do seu logótipo. Fazemo-lo porque este jornal nasceu também com o propósito, como refere o nosso estatuto editorial, de divulgar e sustentar causas comuns à cidadania, “como sejam a da defesa das liberdades fundamentais e da democracia, a de um ambiente saudável que não ponha em risco as gerações futuras, a da língua e do património histórico do país, a da paz e da participação plena de Portugal na União Europeia, a do incitamento à participação da sociedade civil na resolução dos problemas da comunidade”.
Esta decisão do Governo húngaro não pode ser vista isoladamente, porque faz parte de uma estratégia permanente de limitar a liberdade num país que é membro pleno da União Europeia. O Governo de Viktor Orbán forçou a reforma antecipada de centenas de juízes e procuradores, o que foi recebido como um ataque à independência do sistema judicial; promoveu uma reforma do sistema político que beneficia o seu partido; introduziu sistemas de controlo e multas para órgãos de comunicação social que publicassem notícias que fossem consideradas contrárias ao “interesse público”, à “moralidade comum” ou à “ordem nacional”; limitou a liberdade de associação e de investigação científica e académica, que resultou num voto de condenação aprovado por unanimidade pela nossa Assembleia da República; aprovou legislação, contrária às regras europeias, para restringir o financiamento estrangeiro a organizações não-governamentais a operar na Hungria; e fomentou uma estratégia anti-imigração espelhada no ataque e desrespeito das regras comunitárias sobre a recolocação de refugiados.
O crescimento deste tipo de democracias iliberais não é novo. E, infelizmente, o mundo está repleto de países onde governos mais ou menos autoritários promovem a permanente violação dos direitos humanos mais básicos. Alguns desses exemplos acontecem às portas da Europa, na Turquia de Erdogan, na Bielorrússia de Lukashenko ou na Rússia de Putin. Mas agora a ameaça está entre nós e é permanente. Seja na Hungria, na Polónia e até na Eslovénia, que recebe de Portugal a presidência da União Europeia debaixo de fortes críticas perante os ataques sistemáticos à liberdade de imprensa naquele país. Também por isso não podemos ficar indiferentes à tomada de posição do Governo português, vertida na recusa de assinar uma carta a condenar uma lei húngara que é lida como um ataque à liberdade de cidadãos do espaço europeu. O argumento de que o dever de neutralidade é inerente a quem lidera a presidência europeia não pode ser usado quando estão em causa direitos fundamentais — e quando nem estava em causa a procura de uma decisão dos 27 Estados-membros. Por isso juntamo-nos às palavras da Ursula von der Leyen que classifica a decisão húngara de discriminação da população LGBTI como uma “vergonha”. Mas pedimos mais da UE democrática, na esperança de que todos os ataques à liberdade, vindos de qualquer membro da União Europeia, sofram o mesmo rótulo.
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